CRÔNICAS

A saúde vai mal

Em: 13 de Outubro de 1995 Visualizações: 1930
A saúde vai mal

E desgraçadamente, a dor cresce no mundo a cada instante,

cresce a trinta minutos por segundo, passo a passo” (Cesar Vallejo, 1937)

Está na Bíblia. Jesus de Nazaré curou leprosos, devolveu a visão aos cegos e a palavra aos mudos, ressuscitou mortos. Mas isso foi na Galileia há dois mil anos. Hoje, para o outro Jesus – o Pinheiro – resolver o problema no Amazonas só mesmo com milagres. A saúde não é prioridade nem deste governo, nem do sistema. Nunca foi. Terceiro Ciclo, populismo e mediocridade não rimam com saúde. Os salários de fome pagos ao pessoal do setor comprovam isso.

Todos nós, que respeitamos a competência e admiramos a integridade do médico Jesus Pinheiro e de integrantes de sua equipe, estávamos torcendo em silêncio pelo êxito de sua administração, numa enorme contradição. Desconfiados, porque suspeitávamos que o espaço de manobra que ele tinha era bastante reduzido, quase nulo. Imobilizados porque, de um lado, qualquer crítica feita a essa ilha de honestidade e eficiência nesse governo poderia debilitá-la. De outro, qualquer elogio seria inevitavelmente aproveitado por quem não merece: o governador Amazonino Mendes (PPR vixe vixe).

Era como se Jesus Pinheiro e sua equipe, que possuem credibilidade e prestígio perante a opinião pública, estivessem avalizando um cheque tque todos nós acreditávamos não ter fundo. O gesto comportava riscos. A “queimação” de quadros como Jesus Pinheiro, Marcus Barro e outros assessores não é interessante para os movimentos sociais do Amazonas, para os setores interessados em mudanças efetivas.

Agora, finalmente, ficou provado que o cheque não tinha mesmo fundo. Com a saída de Jesus Pinheiro da Superintendência Estadual da Saúde, as coisas ficam mais claras. Podemos respirar com certa tranquilidade e assumir a crítica aberta, porque desse mato não sai coelho. Francamente, com todo o respeito, o que é que o novo superintendente Alfredo Nascimento vai fazer lá? O que ele entende de saúde? A não ser que chame para assessorá-lo o seu amigo de infância Pedro Teixeira, morto no séc. XVII.

O que pensar de um Governo, cujo titular, diante das reivindicações de seus funcionários, afirma com desprezo e arrogância:

- Podem fazer greve de manhã, de tarde e de noite. Eu não estou me importando.

Pois devia se importar. Para isso, o contribuinte paga o salário e outras mordomias do governador, dos secretários e de seus auxiliares. Se está se lixando para a situação de miséria dos funcionários, então não está cumprindo suas funções previstas na Constituição. Quem acaba pagando o pato é o povo, usuário do sistema sucateado de saúde.

- Nunca, senhor ministro da Saúde, foi a saúde tão mortal! (...) Senhor ministro da Saúde: o que fazer? Ah! Desgraçadamente, homens humanos, há, irmãos, muitíssimo que fazer – cantou Cesar Vallejo no seu poema “Os nove monstros”. Vejam que ao se referir a “homens humanos”, o poeta deixa de fora Amazonino e Alfredo Nascimento.

O médico Jesus Pinheiro, que é um “homem humano” e conhece a máquina por dentro, pode dar agora uma contribuição crítica inestimável para que a população tome consciência dos problemas da saúde, se abrir o bico e contar tudo o que sabe e o que viu, as forças interessadas em manter o caos na área de saúde, os diferentes interesses em jogo. A opinião pública não pode ficar apenas com a versão do governador Amazonino para o episódio da exoneração de Jesus Pinheiro do cargo que ocupava. Ela merece ter acesso a outras versões. O governador declarou ontem aos jornais:

- É incrível que nos quatro anos do governo passado não tenha havido um único foco de greve. E agora, no meu governo, isso volte a acontecer.

Pois é, né. É incrível!!! – assim mesmo, com três pontos de exclamação. Uma pena que o governador não esteja entendendo nada. Se fosse menos arrogante e negociasse com o Sindicato dos Trabalhadores de Saúde, talvez pudesse começar a compreender o que está efetivamente acontecendo. Enquanto não compreende, todos nós somos penalizados. Só nos resta esperar as eleições municipais para dar o troco. Há, irmãos, muitíssimo que fazer.

P.S. Crônica publicada em 13/10/1995 e postada em abril de 2020, com acréscimo no blog da foto e do poema de Cesar Vallejo.

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