CRÔNICAS

O perfil do Amigo Oculto

Em: 31 de Dezembro de 1991 Visualizações: 1888
O perfil do Amigo Oculto

O anel que tu me deste era de vidro e se quebrou, o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou.

Há exatamente cinco anos, no dia 31 de dezembro de 1986, publicamos aqui em A Crítica uma crônica intitulada “O amigo oculto e os doze homens de ouro”, fazendo um balanço do comportamento de políticos amazonenses naquele ano. Inicialmente pensávamos que podia ser interessante republicá-la hoje. Mas – oh, céus! – nenhum cronista pode aspirar à eternidade. As crônicas feitas com matéria de atualidade são perecíveis. Os tempos mudaram. Alguns atores morreram, outros abandonaram a vida pública. Alianças se desfizeram, refizeram e voltaram a se diluir. Juras eternas de fidelidade ou declarações de ódio mortal viveram o que vivem as crônicas e as rosas: o espaço de uma manhã.

Como o leitor de hoje não iria entender a crônica de ontem, não nos restou outra alternativa, a não ser a de atualizá-la. Vamos lá?

Parece que foram os americanos que inventaram a festinha do amigo oculto – uma espécie de Aids natalina – que se alastrou como uma praga por todo o mundo, seguindo a rota do hot dog e do cheesburg. No Brasil, contaminou sobretudo os setores da classe média. Amigo oculto é como a flor de plástico na sala de visita.

Nas repartições públicas, nos bancos, nas escolas, nas igrejas, nos quartéis, nas fábricas, na Loja do Pedro e até mesmo na Câmara Municipal de Manaus, o final do ano é sempre comemorado com festa, onde alguns subordinados querem ter a sorte de tirar o nome do chefe como amigo oculto - momento ideal para os puxa-sacos. No entanto, tem também seu lado simpático e americanalhão, podendo em alguns casos fortalecer os laços de camaradagem e companheirismo e, em outros destilar venenos ou juras hipócritas de amizade que não se sustentam.

Decidimos – por que não? – promover a festa do amigo oculto da coluna “Taquiprati”, com os doze personagens mais destacados durante o ano de 1991, mas sem citar o nome dos homenageados. Afinal, é oculto ou não? Número de 1 a 12 foram escritos em pedaços de papel e sorteados. Tente adivinhar, leitor, o  nome correspondente a cada número. Se você acertar os 12 pontos – bravo, meu caboco! – você provou que vai votar corretamente nas próximas eleições. De 7 a 11 pontos, você precisa ler mais, assistir as reuniões da Câmara Municipal e da Assembeia Legislativa e discutir com os seus colegas. Menos de três pontos, me desculpa, mas você é um analfabeto político e merece os representantes que tem.

Quem vai começar a nossa festa? Cadê o Carlos Alberto Di Carli, cadê?

Nº 01 – (com o Gilberto, o João, tocando a musiquinha da Brahma ao fundo). “Se houvesse pena de morte para crime de colarinho branco, o meu amigo oculto, o n° 02, seria fuzilado ou iria para a cadeira elétrica. Ele é um bandido que prometeu casa até para os jornalistas e não pagou. É um incompetente, um morto-vivo que já foi longe demais. Foi prefeito, governador e agora está no Senado. O que ele quer mais? Não existe coisa pior que a morte moral. É um desmoralizado que brincou de governar, não respeitou o povo e agora quer enganar de novo, distribuindo ranchinhos e pretendendo ser candidato a prefeito”.

Traçado este perfil do amigo oculto recolhido pelo jornalista Hiel Vasconcelos e publico em A Crítica (20/12/91, pg. 8), o Nº 01 entregou o embrulho com o presente e a galera, formada por lupércios e tiradentes, berrava: A-bre! Abre!. O n° 02 então abriu o pacote e lá dentro estava um penicão com a palavra “mutirão” gravada em letras douradas e um desodorante para combater o cê-cê.

Nº 02 – (com a camisa molhada, as glândulas sudoríparas mais escancaradas que os cofre públicos, o penico na mão, fingindo que não havia sido chamado de bandido) “Esse negócio de amigo oculto é muito sério, muito sério, não é um problema só de Manaus. Em Eirunepé também tem amigo oculto. Em todo o Brasil existe o problema. Minha equipe já está trabalhando diuturnamente com tranquilidade e serenidade para resolvê-lo. (Balança a cabeça 653 vezes num segundo, como um boneco de mola e revela as características do seu amigo oculto):

“O meu amigo oculto, para servir a Pátria, diz que está disposto a qualquer sacrifício, até mesmo candidatar-se a prefeito de Manaus. É do mesmo partido que o Alceni Guerra, o homem das bicicletas, dos guarda-chuvas e das mochilas. Para ficar em evidência, como marketing político, presidiu a CPI da Amazônia, cujo relator foi o deputado Avenir Rosa, de Roraima, aquele acusado de tráfico de bebês. Sabe que a demarcação das terras indígenas é a única forma de se evitar o extermínio dos povos que vivem há milênios na Amazônia. Mas como eu, está disposto a defender os interesses das mineradoras, mesmo se para isso for necessário fazer declarações nacionalistas.

O nº 02 se dirige então ao nº 03, entregando-lhe um embrulho com a seguinte frase, a mesma que foi dita, suando, aos moradores do “Mutirão”: - Toma, caboco, é pequena, mas é tua”. O pacote é desembrulhado. Lá dentro uma mandioca gigantesca plantada e colhida pelos Yanomami.

Nº 03 – O meu amigo oculto pertence ao meu partido e tem uma preocupação muito grande com a saúde. (A galera grita: É mar-me-la-da! É mar-me-la-da!) Neste ano, entre janeiro e setembro, ele investiu mais de um bilhão de cruzeiros para salvar a vida de 15 vereadores gravemente enfermos. (Os ressarcidos aplaudem). Eu sempre digo: "Dai a Deus o que é de Deus”.

O presente entregue ao nº 4 eram dois porta-retratos com as fotos de Pedro Missioneiro e da juíza Alzira Ewerton, autografados com dedicatórias.

Nº 04 – (nervoso). Eu acho que não tem quórum para realizar este amigo oculto. A festa está suspensa.

Roubério aplaude: “Ordem judicial não é para ser discutida, é para ser cumprida”. Leonel Feitosa idem: “É isso mesmo, se não suspender vai todo mundo pra cadeia”. Mas a galera insiste: É mar-me-la-da! O número 04 é obrigado a continuar:

“O meu amigo oculto está disposto a metralhar os índios e a Funai. Jura que os movimentos ecológicos estão a serviço das multinacionais. Contou mais de dois milhões de jacarés só em Nhamundá. Aqui está o meu presente”.

Nº 05 – (vivíssimo, raposíssimo) – O meu amigo não pertence a este ou àquele grupo, mas tem um bom acesso a todos os grupos que me apoiam. Possui cheiro de povo e grande aceitação popular. É testado nas urnas, leal a mim e afinado politicamente comigo, isto é, deve acreditar que Nhamundá tem 2 milhões de jacarés, que os índios não andam no mato e que os ecologistas são umas bestas. Este é o perfil do meu amigo oculto, mas só vou dizer o nome dele em março porque....

Antes que concluísse, sete políticos se atiraram vorazmente sobre o número 05, para receber o presente, todos eles jurando que se encaixavam perfeitamente no perfil do escolhido. Adivinhou o número dos sete, leitor (a)?

Dona Elisa, que olhava o circo de fora, comentou: “Menino, candidato não é pra ser escolhido em convenção partidária? Como é que esses puxa-sacos aceitam que uma só pessoa determine tudo? Eraste! Eu hein!

Depois deste comentário, dona Elisa aproveitou para desejar, apesar de tudo Feliz Ano Novo a todos os leitores, em especial à Suely, Dandãe, Leonor e a moçada da Pastoral Catequética da Paróquia de Aparecida. E eu assino embaixo.

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