O título indignado desta crônica devia ser “Macaca é a mãe”. Pretendia conversar hoje contigo, leitor (a), sobre o caso do racismo na Polícia Militar. O capitão Paulo Dutra vem agredindo sua colega, a capitã PM Ana Margareth – mulher e negra – chamando-a sistematicamente de “macaca”. Ela fez uma queixa formal aos seus superiores da Secretaria de Segurança Pública, onde ambos trabalham. Nenhuma providência foi tomada pela instituição que desta forma, indiretamente, apoiou o capitão. Humilhada, ela decidiu, então, recorrer à OAB para processar o agressor.
Como homem, amazonense e caboco, morro de vergonha, ao saber que alguém, pertencendo à espécie humana, meu semelhante, está tão embrutecido e animalizado, que é capaz de manter um comportamento tão degradante. Pensei em escrever uma carta à Ana Margareth, a quem não conheço, tomando-lhe as dores, solidarizando-me com ela e pedindo-lhe desculpas pela estúpida agressão sofrida.
A capitã Ana Margareth tem de receber algum tipo de compensação da sociedade – eu pensei. Comecei a digitar no computador, procurando palavras que traduzissem adequadamente toda a indignação e toda a sede de justiça contra a impunidade que desfrutam aqueles que praticam violência contra mulheres, crianças, negros e índios. O racismo é abjeto e nojento, a mais abominável criação humana. Por isso, com todo o respeito à genitora do capitão – que certamente nada tem a ver com a boçalidade de seu filho – eu terminaria a crônica baixando o nível berrando injuriado:
- Macaca é a mãe!
Pensei que a sociedade amazonense está perdendo a sua sensibilidade e a sua capacidade de indignar-se como no caso da violência cometida recentemente pelo médico gastroenterologista Edson Rita Honorato Bernardino, acusado de haver estuprado duas adolescentes. A grana lhe dá a certeza de que não será punido e que poderá fazer outras “endoscopias” dessas – como gargalhou alguém como se fosse uma brincadeira.
Quando organizava minhas notas, o telefone tocou. Interurbano. De Manaus. Do outro lado da linha está a mãe do intrépido colunista, que é mulher sensata, calma e ponderada. Dona Elisa está ofegante:
- Já leste A Crítica de hoje.
- Infelizmente não – eu digo, explicando que recebo em Niterói os exemplares sempre com um certo atraso. Com a respiração alterada, ela informa:
- Saiu o listão!
Aguardando o resultado do vestibular, minha primeira reação foi indagar pela sorte do meu sobrinho:
- O Geraldinho Piriri passou?
- Deixa de ser leso, menino! O listão que saiu é dos marajás. São quase 200 funcionários públicos que ganham mais do que o próprio governador. Tem coronel da PM, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, secretários de Estado, procuradores de Justiça, assessores especiais e inspetores fiscais. Ninguém fala de outra coisa aqui em Manaus. Posso pedir para a Preta passar a lista por fax.
Aviso que o meu fax está escangalhado, não recebe nada. Ela insiste, já quase dispneica:
- Então pega uma caneta e copia. O pessoal tá querendo que o Taquiprati dessa semana comente o listão dos marajás.
O pessoal é uma categoria meio vaga, mas às vezes ditatorial, que tanto pode designar os vizinhos do Beco da Bosta ou as “meninas” da Catequese que comemoravam o aniversário da dona Elisa (79 aninhos), ou ainda os parentes, amigos, aderentes e xerimbabos que pressionam por tabela.
A vontade do pessoal é uma ordem inapelável. Obediente curvo-me diante dela. Decido mudar o título da crônica e o tema e peço que leia os nomes. A mãe do colunista adverte que só vai ler os que considera mais significativos, porque não pode pagar conta de telefone muito cara. Relaciona alguns nomes do listão com os salários-base e o total da remuneração líquida de cada um dos marajás. Quando ela menciona um dos nomes, interrompo a leitura:
- Ôps! Pera lá, esse aí não. Esse aí eu conheço. É honesto.
Ela me explica que a questão não é essa. Que tem gente honrada na lista e muito pilantra, salafra e picareta. Que não se trata de discutir pessoas, mas o fato de que não é justo que professores, médicos e outros profissionais recebam salários de fome, enquanto uma minoria fatura mais do que o próprio governador, que já ganha uma indecência. É preciso pensar essa questão, fazer um novo pacto, onde os recursos do Estado sejam distribuídos de forma mais equitativa.
Pelos nomes que ouço – especialmente os sobrenomes Braga e Lins – concluo que algumas famílias tomaram de assalto o Estado, privatizando-o na base do clientelismo e do nepotismo. O aparelho de estado no Amazonas deixou de ser – se é que algum dia foi – uma instituição pública, deixou de gerir a coisa pública para atender os interesses particulares de algumas famílias, em detrimento da maioria da população.
Enquanto o salário mínimo é de R$ 112, 00 (eu disse cento e doze reais) o Lourenço Braga abocanha mensalmente 16.300 reais (eu disse 16 mil e 300 reais) . O João Braga outro tanto. O Berinho Braga abiscoita R$ 14.500,00, como procurador jurídico do IPASEA, além de ser procurador da Secretaria de Administração e membro do Conselho.
O que é que o Berinho tanto procura no IPASEA para ter uma remuneração tão alta? Parece que, como procurador, as coisas que ele procurou foram remuneração excessivamente e desmedidamente alta para os familiares. O engenheiro João Braguinha, seu sobrinho, exonerado do IPASEA por escândalo, prepara-se para assumir o Detran.
Existe uma indústria de gratificações e vantagens que vão sendo incorporadas aos vencimentos. Terezinha de Jesus Ferreira Lins, irmã do Átila e seu sobrinho Belarmino Ferreira Lins Filho são dois marajás da família Lins que ganham mais do que o governador – segundo o listão publicado nos jornais. Quais os riscos que os Lins e os Braga correm para ganharem uma tal de GAR – Gratificação de Atividades de Risco? Quem foi que disse que puxar saco é arriscado?
- Foi o próprio Amazonino que mandou elaborar a lista e divulga-la. Ele declarou que a decisão do STF mandando pagar os marajás – ainda que não tenha julgado o mérito da questão – prejudica o Estado. Que ele vai acatar, mas que por causa disso vai faltar recursos para a saúde e a educação – disse a mãe do colunista.
- O que é que o pessoal acha disso? – indago.
- O pessoal acha, por incrível que pareça, que o Amazonino tem razão – ela responde.
Meu Jesuscristinho! Será que vou ser obrigado uma vez na vida a dar razão pro Amazonino? Com um adendo: a maioria dos marajás faz parte de seu grupo político, são pessoas que ele escolheu como secretários, conselheiros, assessores. Se ele tiver vontade efetiva de acabar com os marajás, poderá fazê-lo. Terá o nosso apoio. Do contrário, vai parecer que é inveja dele e que tudo não passa de demagogia barata.