.Quantas pessoas contaminadas pelo vírus da Aids vivem em Manaus? A organização não-governamental “Vitória e Vida” calcula que o número é muito mais elevado do que aquele apresentado pelas estatísticas oficiais. Criada em agosto de 1994, esta ONG internou em sua própria sede cerca de 19 aidéticos abandonados por suas famílias, prestou ainda assistência direta a 54 doentes e mantém contato com centenas de outros.
O lar dos aidéticos é uma casa modesta de três quartos no bairro de Santo Antônio, aonde 19 doentes, alguns deles em fase terminal, vivem amontoados, competindo pelo uso do único banheiro. O mais jovem tem 5 anos de idade e o mais velho 40 anos. A maioria contraiu a doença através ou de relações sexuais ou de drogas injetáveis.
Por isso, o objetivo da ONG é educar as pessoas, preveni-las sobre o HIV e sobre o uso de drogas, através de palestras e de outras ações pedagógicas, incluindo a distribuição de preservativos. Além disso, auxilia os enfermos, dando abrigo aos que não têm e tanto precisam. Faz isso sem qualquer ajuda governamental ou de políticos, não recebe sequer um remédio da CEME. Conta com o apoio da população e de um pequeno grupo de empresários.
Quem dirige a “Vitória e Vida” é Plínio Hyden, um amazonense que nasceu ali, na rua Tapajós e se criou no bairro de Aparecida. Durante 14 anos, Plínio foi viciado em cocaína e viveu um verdadeiro inferno, conforme seu próprio depoimento. Prometeu que se ficasse curado, dedicaria sua vida ao combate das drogas. Curou-se. Agora, com sua mulher, distribui carinho, solidariedade e afeto aos aidéticos desprezados por suas próprias famílias e pelo Estado.
- A família deles somos nós – diz Plínio.
Os portadores do vírus HIV plantam no quintal da casa do bairro de Santo Antônio cheiro-verde, alface, couve e vários tipos de hortaliças. Mantém ainda uma pequena criação de galinhas. No dia em que não têm o que comer, eles vão pedir nas ruas.
O Estado não ajuda e por vezes ainda atrapalha. Um agente da Polícia Civil, de nome José Isaías, decidiu infernizar a vida dos aidéticos que pedem ajuda nas ruas, ameaçando-os e reprimindo-os. Agora, Plínio Hyden, uma espécie de “Betinho do Amazonas” exige que o policial os deixe em paz. Reivindica ainda do governo a concessão de um terreno ou de uma casinha-embrião que, ampliada com o trabalho do próprio grupo, possa servir de forma mais adequada para minorar seus sofrimentos. Nada mais justo.
Se o Governo do Amazonas ou a Prefeitura de Manaus tivessem vergonha na cara, apoiariam o trabalho da “Vitória e Vida”. O tenor José Carreras recebeu 1 milhão de reais para cantar uma noite no Teatro Amazonas. Por que os aidéticos sem casa não podem ter uma ajuda de 50 mil reais para construírem um lugar que os abrigue?
A propagação da epidemia da Aids evoluiu da “peste gay” à “pandemia do século”, como observa o antropólogo Luiz Mott da Universidade Federal da Bahia. Na semana passada, ele participou de uma mesa-redonda organizada durante a XX Reunião Brasileira de Antropologia, em Salvador, sobre o tema: “Aids: antropologia urgente”. Os cientistas sociais chamam a atenção para o fato de que a infecção pelo HIV extrapola o campo biomédico e exige uma abordagem transdisciplinar para compreender o problema e oferecer alternativas.
P.S. 1 – Duas vezes por semana estamos no jornal A Crítica. Além da tradicional coluna Taquiprati publicada na página Cidades, ocupamos desde 17/03/1995 na página editorial o espaço que em vida era preenchido pelo padre Nonato Pinheiro. Agora, em razão de outros compromissos assumidos, interrompemos a publicação. Agradeço a atenção dos leitores que me acompanharam aqui durante este período por um pouco mais de um ano.
P.S. 2 – Publicado originalmente com o título Os aidéticos de Manaus, o artigo só foi digitado e postado no blog em 25/02/2020 com ligeira alteração no título.
P.S, 3 - Link para a primeira cronica na página editorial, substituindo o padre Nonato: http://taquiprati.com.br/cronica/478-em-nome-do-padre