CRÔNICAS

Com quantos paus se faz um reitor?

Em: 08 de Dezembro de 1992 Visualizações: 1284
Com quantos paus se faz um reitor?

- Adão foi feito de barro. Colega me dá um cigarro!

- De barro foi feito Adão. Colega não tenho não.

Um reitor, como Adão, é feito de barro. Como qualquer ser humano, apesar do pomposo título de magnífico a ele conferido, forma de tratamento que alguém já propôs substituir por formidável, divino-maravilhoso ou se queremos interiorizar a Universidade do Amazonas (UA) por pai d´égua. Vossa Magnificência seria trocado na correspondência oficial por Vossa Pai-d´eguança.

Do barro foram feitos homem, animais e plantas. Desta forma, o reitor da UA pode muito bem ser modelado com matéria do reino animal, vegetal ou mineral, considerando-se os diversificados sobrenomes dos professores reitoráveis, no passado e no presente.

Que bicho vai dar

É isso aí, bicho. Em tempos passados os professores, alunos e funcionários já demonstraram a sua preferência pelo novilho, pelo molusco e pela argila, descarregando seus notos nos nomes ora do professor João Bosco Bezerra, ora de Roberto Vieira e mais recentemente de Mrcus Barros.

Na primeira eleição para reitor da UA, o MEC teria manifestado sua preferência pela árvore do Cupu, açu ou mirim, mas a comunidade, que rejeita qualquer tipo de autoritarismo ou nome tirado do bolso do colete, rejeitou o cupu e o pucu.

Outros bichos lutaram ou tiveram seus nomes lembrados para serem agraciados com o título de vossa pai d´eguança: o aguerrido Falcão, o nobre Leão, o Cordeiro e o Lobo que acha feio tudo o que não é espelho, sem falar no Coelho e no Pinto, sendo que este último, quando precedido de um Freitas, adquire o porte altaneiro de um galo.

Em abril do próximo ano, a UA escolherá o seu novo dirigente máximo. Se depender do atual reitor, o seu substituto será mesmo do reino anima, qualquer animal. Basta tirar-lhe o couro, curti-lo e fabricar uma Correia, que como todo mundo sabe é uma tira que estabelece ligação entre duas rodas, transmitindo o movimento de uma à outra.

Há quem afirme, no entanto, que o reino animal não é a única fonte de matéria-prima para fabricar reitores. São aquelas pessoas que declaram: UA, meu pé-de-planta, quando te vejo, meu ânimo levanta!

Pé-de-planta

Árvores, algumas mais frondosas que outras, forneceram pau para fabricar tanto uma jangada, quanto um reitor, desde Nogueira de cor forte, que já deu pau para fazer vereador, passando por Arruda, planta medicinal e aromática, até chegar a Oliveira, que além de azeitonas, já produziu um competente administrador de hospital e pró-reitor de Extensão.

A Alfena é uma planta arbustiva e espontânea  da família das oleáceas, conhecida em Portugal como Santatoninhas, porque produz um óleo conhecido na região de Trás-os-Montes como Cirino, existem aqueles que pensam em azeitar a UA com este óleo, que já provou sua eficácia na Faculdade de Educação. Outros pensam num arbusto conhecido na Península Ibérica como Fraije, da família das euforbiáceas.

E por que não Nina e Mourão? Segundo mestre Aurélio, Nina é o nome que se dá ao “aparelho com que se inscrevem nas árvores cortadas o comprimento e o número de ordem de cada tora”. E Mourão não chega bem a ser uma árvore: é um poste, uma estaca, um tronco grosso feito de qualquer madeira, que pode ser de lei ou ordinária. Se a motosserra a corta com facilidade, é madeira frágil como aquele cantada por Blecaute, cantor e compositor fluminense, que ficou conhecido como General da Banda devido à marchinha de carnaval que tem esse título:

- Mourão, mourão, catuca por baixo que ele cai.

Apuizeiro

Animal ou vegetal, o importante nessa escolha é que a Universidade não sufoque a criatividade dos grupos emergentes de pesquisa e não sacrifique a qualidade do ensino, como fez o apuizeiro com o Engenho Murutucu.

O Apuí foi descrito no livro “L´Amazonie brésilienne”: les pays, ses habitants, ses ressources (1922), de autoria do topógrafo francês Paul Lecointe, que viveu muitos anos no Baixo Amazonas e casou com uma moça de Óbidos:

- O Apuí é uma planta epífita que se desenvolve sobre outras árvores e cujas longas raízes aéreas se entrelaçam em redor dos troncos, chegando ao solo, engrossam-se, unem-se lateralmente, matam assim a árvore sufocada que lhe serviu de apoio e formam mais tarde um verdadeiro tronco”.

O historiador paraense Ernesto Cruz (1898-1976), autor de História do Pará (1973), escreveu sobre um próspero engenho do final do séc. XVIII denominado Murutucu, situado na proximidade de Belém do Pará, cujas ruínas visitou nos anos 1950.  Ficou impressionado, porque o Apuizeiro havia tomado conta da velha capela ali existente, desmantelou o telhado, derrubou paredes, inutilizou portas e janelas, foi subindo e se infiltrando entre os tijolos, o que fez o teto desmoronar. Não sobraram nem os livros da biblioteca, engolidos pelas raízes aéreas.

Estupefato, Ernesto Cruz descobriu a chaminé do Engenho completamente coberta e sufocada pelo apuizeiro, que havia subido e abraçado fortemente o tubo, revestindo-o totalmente.

Este é um exemplo de como o apuí é destrutivo. A planta, que se respaldou incialmente em outras árvores para poder crescer e subir, logo em seguida estrangulou quem a apoiou.

Para a Universidade do Amazonas, qualquer bicho, qualquer árvore, menos o apuí.

P.S. – A coluna agradece o envio de um exemplar da Constituição de 1988, enviado pelo ex-ministro J. Bernardo Cabral, acompanhado de texto de sua autoria “O Poder Constituinte”, ambos acompanhados de uma dedicatória do “seu leitor e conterrâneo”.

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