CRÔNICAS

O diário da companheira Geane e a Boate Caixa 2

Em: 07 de Agosto de 2005 Visualizações: 9325
O diário da companheira Geane e a Boate Caixa 2
Há exatamente 31 anos, no dia 8 de agosto de 1974, dois jornalistas - Bob Woodward e Carl Bernstein - forçaram a renúncia do presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, depois de longo processo em que revelaram as mutretas no escândalo Watergate. Seguindo o modelo americano, dois jornalistas brasileiros – e logo do Amazonas, vejam só! - acabam de encontrar um documento capaz de abalar a República e de demolir a carreira de muitos políticos, porque revela tim-tim-por-tim o destino final dos R$ 55,8 milhões sacados através do valerioduto. Que documento é esse?
Trata-se de um agenda ‘Imprimo', de capa azul, com 400 páginas manuscritas. A letra garranchosa é de Geane Mary Corner, a senhora que intermediava encontros entre garotas de programa e parlamentares no Hotel Gran Bittar, em Brasília. Ela registra tudo: o financiamento das orgias, o comportamento sexual dos deputados e o PIB de cada um deles. Dessa forma, Geane se torna a `Garganta Profunda' dos dois repórteres que foram enviados a Buriti Alegre (GO) pelo vice-presidente do Diário do Amazonas, Cirilo Anunciação .
O diário vai explodir como uma bomba na CPI do Mensalão e deve abrir, seguramente, uma nova linha de investigação, mais importante do que as conexões com a telefonia e os fundos de pensão. A dica para localizá-lo foi dada pelo "impoluto" senador de Goiás, Demóstenes Torres (PFL – viche! viche!), que interrogou Simone Vasconcelos, funcionária do Careca:
– A senhora conhece Geane, uma cafetina aqui de Brasília? Encontrou com ela no 14 º andar de um hotel? Fez algum pagamento para ela? 
A conexão Buriti
Seguindo essas pistas, os repórteres Tambaqui e Pão Molhado - este último me deu o privilégio de ser meu sobrinho - viajaram a Buriti Alegre, cidade natal de Geane, a 200 km de Goiânia, cercada por buritizais, em cujas palmeiras cantam milhares de pássaros. Com 13.000 habitantes, a cidade tem orgulho do Lago das Brisas, que é do tamanho da Baia de Guanabara. Foi justamente lá, em suas margens, num barzinho pé-sujo, onde os dois jornalistas encontraram um perneta, de nome Zé De Lau, que trocou o diário de Geane por cinco doses de cachaça.
O diário começa contando a infância da autora, que nasceu num pequeno sítio de Buriti Alegre, no dia 18 de julho de 1947, sendo batizada com o nome de Raimunda Francisca Fonseca. Alguns a chamavam de Mundiquinha Fonseca, perna fina e coisa e tal. Outros a tratavam simplesmente de Raimunda, alegando que era feia de cara. Mas havia controvérsias. Seu vizinho, Delúbio Soares, de quem foi a primeira namoradinha, a chamava de “meu broto”. Tem uma foto da primeira comunhão dos dois, meio desbotada, onde aparecem vestidos de branco, ajoelhados, com vela e rosário na mão.
Na adolescência, ela admirava os dentes de Delúbio: “O Dedé é um pão”. Ele respondia: “Essa garota é papo firme”. Ambos, escondidos dos pais, bebiam cuba libre, dançavam bolero, mambo e fox-trot, com a vitrola ou a rádio tocando o disco de Waldir Calmon: “cao, cao, cao, mani picao”. Foi nessa época que ela adotou o nome de Geane, retirado de uma fotonovela da revista `Capricho`, intitulada “Como beijos n' água”, que termina com a heroína numa praia deserta, o mar encrespado, soluçando: “o amor acabou, desapareceu como desaparecem os beijos n´ água”.
Esses trechos selecionados do diário mostram o lado romântico de Geane. Levada por Dedé assistiu o filme ‘A noiva', e se emocionou com a voz trêmula de Antonio Prieto: “Blanca y radiante va la novia”. Chorou copiosamente. Tomaram sorvete de buriti (duas bolas) e aí o Dedé: “Vamos passear no bosque ?” Ela foi. E indo ao mato colher flores, a flor que tinha perdeu. Na semana seguinte, Dedé se despediu para sempre de Buriti Alegre, com uma serenata para Geane. Cantou ‘Êxtase' imitando a voz de Nelson Gonçalves: “E assim, como faz na flô-ô-ôr, qualquer abelha, sugarei tua boca vermelha, num beijo espetacular ”.
As orgias de Brasília
Abandonada, Geane ficou um pote até aqui de mágoa. Em Buriti Alegre não havia mais lugar para tanta tristeza. Foi de mala e cuia para Goiânia e caiu na vida. Lá montou o bordel ‘A Casa de Noca', por onde circulavam vereadores, desembargadores, procuradores e outras dores. Especializou-se em arrumar garotas de programa para políticos e autoridades municipais. O negócio deu certo. Ganhou dinheiro e mudou-se para Belo Horizonte, onde o campo de trabalho – estadual - lhe parecia mais promissor.
Não há detalhes do período mineiro. Geane registrou apenas que nos anos 90 abriu em BH uma boate conhecida como “Caixa Dois”, frequentada entre outros, pelo deputado Valdemar da Costa Neto. Foi lá que ele conheceu Lílian Ramos, levando-a para o sambódromo do Rio, onde foi flagrada sem calcinha ao lado do então presidente Itamar Franco, no carnaval de 1994. Os clientes preferenciais da “ Caixa Dois ” agora, eram de nível estadual, como os tucanos da campanha de Eduardo Azeredo, mas Geane, como FHC, acredita que isso faz parte do passado distante, não deve mais ser lembrado.
As páginas do diário, no entanto, são muito ricas, quando descrevem como Geane e o Careca se tornaram sócios. Ambos aproveitaram a experiência acumulada com políticos de Minas e abriram um inferninho suprapartidário e federal em Brasília, conhecido como ‘Base Aliada'. Por lá passaram as taras e os pecados de todos os partidos: parlamentares do PMDB, do PTB, do PP malufista, do PT - partido do presidente Lula, e do PL, do vice-presidente da República, incluindo o tesoureiro Jacinto Pereira Lamas (tirando-o-pereira-como-é que fica?).
O re-encontro de Geane e Delúbio na ‘Base Aliada ' é narrado em mais de dez páginas de pura emoção, que não podem ser lidas sem que a gente chore. Geane se tornou uma ‘companheira'. Para saber o que aconteceu com eles em Brasília, te peço, leitor (a): abre a mão direita, junta o polegar e o indicador, coloca-os dentro da boca, uma vez lá dentro estica-os ao máximo para os lados e fala: “A Geane é rica porque pode”. É isso aí .
A companheira Geane gasta mais de cem páginas para contar as aventuras picantes de suas meninas, as histórias que elas segredam sobre seus clientes, os presentes milionários da Daslu que eles dão, suas manias, cantadas, fantasias. Tem um que pede para ser açoitado com chicote ou tapa na cara ao som de “nervos de aço” para estimular seus instintos primitivos. Outro que usa peruca sobre os pelos pubianos. Um terceiro que só funciona se a cueca GG extra-large estiver recheada de dólares. Tem o bispo-deputado do PFL (viche!) que só transa em cima de malas. E tem aquele que procura personagens do livro de fábulas da Charufe Nasser: a piranha virgem e o jacaré boiola.
O diário da companheira Geane registra a outra ponta do valerioduto, o ralo por onde escorreu a grana roubada pelo esquema operado pelo Careca. Trata-se, portanto, de documento histórico, que se for estudado daqui a 300 anos ajudará a entender o Brasil, da mesma forma que um relatório do séc. XVIII, escrito por um burguês, permitiu ao historiador americano Robert Darnton explicar, hoje, aspectos até então ignorados da revolução francesa. Por enquanto, o diário de Geane, como o da velha cafetina da novela ‘Senhora do Destino ', serve para contar os podres e pautar os jornais. Mas em breve será um atestado de óbito dos sonhos que acabaram como beijos n' água .

P.S. De óculos escuros, mascando chiclete sem parar, o repórter Pão Molhado está cada vez mais parecido com Bob Woodward. A diferença é o rabo-de-cavalo, que Bob não tinha ..

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