A Polícia Federal flagrou o vice-governador do Amazonas, Omar Aziz, com a mão dentro do cofre. Ele estava surrupiando uma aposentadoria anual de R$ 240 mil, com a cumplicidade da Assembleia Legislativa. Depois, pressionou os jornais para não noticiarem o fato. Tudo por telefone. Mas deu azar: o celular que usou era do seu assessor, Manoel Paulino, envolvido com a quadrilha das ´saúvas´, que fraudava licitações. Por isso, estava grampeado. A PF, sem querer, gravou tudo.
As conversas telefônicas de Omar, divulgadas por Kátia Brasil na Folha de São Paulo, constituem rico material sociológico, que permite discutir a relação dos políticos com o aparelho de Estado, a promiscuidade com a mídia e os métodos de governar.
Banzeiro do Belão
No dia 6 de dezembro de 2005, Omar Abdel Aziz (PMN – éraste!) ligou para seu cúmplice, Belarmino Lins (PMDB – vixe, vixe!), presidente da Assembléia Legislativa, combinando aliciar os líderes do PMDB, Francisco Balieiro, e do PPS, Lino Chíxaro, para aprovarem sua aposentadoria anual de 240 mil reais.
Omar – “Chama o Balieiro e o Lino para acertar aquele assunto, meu príncipe”.
Belarmino – “Tudo bem (...). Se a oposição fizer banzeiro, a gente faz tsunami”.
Em seguida, o próprio Omar é quem apressa Balieiro. Mas, consciente da imoralidade, combina a votação na calada da noite.
Omar – Eu tô preocupado, se não sair agora, não sai nunca mais, entendeu?
Balieiro – Não! Vai sair sim! A gente vai aprovar tudo na surdina!
Omar (entusiasmado) – Isso! Lá de madrugada.
A escola do Negão
Os três homens públicos - Omar, Belão e Balieiro - usaram estruturas públicas, com tudo pago pelo contribuinte: secretários, assessores, motoristas, salários, gasolina, ar condicionado, mordomias, telefone, luz, água, xerox, papel higiênico, cafezinho, etc. Para que? Para o bem da população? Não. Para planejar ações em busca do meu pirão primeiro, em surdina, como fazem os assaltantes.
No Brasil, desde Tomé de Souza, governantes confundem a coisa pública com a privada: “posto que sou governo, o que é do Estado, é meu”. No Amazonas, o ex-governador Amazonino Negão Mendes (PFL, vixe, vixe!) embolsou nos últimos quatro anos a merreca de R$ 1 milhão, só de aposentadoria, legalizando dessa forma o saqueio aos cofres públicos. Ele declarou à TV Cultura que acha isso justo. O Negão não se manca.
Acontece que a aposentadoria de ex-governadores está sendo questionada em todo Brasil. Foi anulada no Rio de Janeiro, em Mato Grosso e, há dez dias, em Santa Catarina, graças a uma ação popular. O juiz Domingos Paludo declarou que era inconstitucional, além de imoral. No Amazonas, onde segundo Amazonino “compra-se juízes”, a medida ainda vale. E em dezembro do ano passado, a Assembléia estendeu a mamata aos vice-governadores.
O Negão acha a coisa mais normal se lambuzar com essa gorda bufunfa, fruto do trabalho de pessoas humildes, porque na cabeça dele, o Estado deve servir aos seus interesses pessoais e não às necessidades coletivas. “L´État, c´est moi”. Ai, né, Omar pensou: “se o Negão pode, eu também posso”.
O Estado-bandido
Dessa forma, o Big Black fez escola, legalizando o Estado-bandido. A expressão “meu príncipe” é reveladora. O compromisso da monarquia não é com o povo. A fada, com sua varinha de condão, transformou um sapão careca, dono do Tribulins, em príncipe, para que ele aprovasse a aposentadoria do vice-rei, Omar Aziz, com a ajuda de Balieiro, o barão do alto Solimões, que por sua vez abiscoitou R$ 411 mil da FUNASA, quando era prefeito de Tabatinga. Todos eles muito ´nobres´.
Pra que serve, afinal, o Estado? Nós queremos que ele represente os interesses coletivos e a vontade da população. Mas no Amazonas, além de ser instrumento de opressão de uma classe sobre a outra, como preconiza Marx, o Estado tem servido para algumas famílias se locupletarem, tudo dentro da lei. É o Estado-bandido, tirando do pobre para dar ao rico, como um Robin Hood ao revés. O resto da cabocada que se dane.
Pega a tua calculadora, leitor (a). Vamos fazer as contas. Omar Aziz tem 47 anos. Com toda essa mordomia, pode viver uns 80 anos. Faturando anualmente aposentadoria de R$ 240 mil, nos 33 anos restantes tirará dos cofres do Estado quase R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais). Quantos hospitais e escolas poderão ser construídos com essa grana? Quantos presídios para colocar dentro deles assaltantes de cofres públicos?
Operação abafa
A privatização do Estado só é possível se existir controle da informação. Na conversa com Belão, Omar Abdel adverte: “Se algum jornal (ficar sabendo), você tem que me avisar com antecedência, tá certo, pra eu segurar, viu?” Belão esqueceu de avisar. No dia 22 de dezembro, saiu notinha em “A Crítica”. Omar Abdel telefona para o superintendente do jornal, João Bosco Bezerra, reclamando:
Omar: - "Meu amigo, eu te pedi um favor e você, porra!”.
Bosco: - "Você não pede favor, você dá ordem".
Mais adiante, Bosco reconhece:
- "Pisei na bola com você, mas vou corrigir assim, mandando parar, tá”.
“A Crítica” emudeceu. Não foi o único jornal.
Durante um dia inteiro, Omar gastou 16 ligações para abafar outros jornais. Uma delas pedia ao empresário Samuel Hanan que controlasse o “Correio Amazonense”, cujo dono é – segundo a revista VEJA – Amazonino Mendes, de quem Samuel foi vice-governador. Samuel tranqüiliza Omar:
- “Eu falei com o Amazonino. Ele vai pra lá agora pra tirar, inclusive tinha algumas notinhas em colunas, vai tirar tudo”.
Não escapou, leitor (a), nem esse “Diário do Amazonas”, cujo vice-presidente, Francisco Cirilo Anunciação Neto foi pressionado para nada divulgar.
Omar: - “Dá uma segurada pra mim nisso”.
Cirilo: - “Deixa comigo”.
Da parte que nos toca, o Taquiprati fez uma queixa formal ao presidente do Diário, Cassiano Anunciação. Meu amigo Batará, que felizmente se recupera de uma síndrome de Guillain-Barré, deu uma surra no Cirilo com galho de goiabeira, fazendo ele prometer que nunca mais atenderia telefonemas do Omar Aziz. Se o velho André Araújo estivesse vivo, o João Bosco merecia bem mais que umas chineladas.
Depois que a Folha de São Paulo publicou, os jornais locais noticiaram o fato, mas o Diário do Amazonas foi o único que reproduziu todos os diálogos do vice Omar Abdel com os dirigentes dos jornais de Manaus, inclusive o mantido com seu vice-presidente. Sinal de que se o Diário errou ao não publicar anteriormente a matéria, está querendo agora acertar.
Diante do escândalo, Omar assinou nota de 265 palavras, Belão outra com 540, ambos falando pura lorota: altivez, respeito, dignidade, honra, espírito público e blá-blá-blá. A Assembléia revogou, enfim, a emenda que concede aposentadoria aos ex-vice-governadores, mas manteve para os ex-governadores. Só um banzeiro eleitoral e uma imprensa vigilante e pentelha podem liquidar questão como essa.
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