O ministro da Saúde do Brasil, general Eduardo Pazuello, na quinta-feira (3) participou da reunião dos titulares da Saúde do Mercosul, todos falantes de espanhol. Apesar de não entender chongas de medicina, prestava muita atenção e exibia expressão sagaz de quem estava sacando tudo o que os seus colegas hablaban sobre el combate al coronavirus. Ele tem uma cara inteligente, não tem não? Logo a seguir, falou tanto quiquiriqui sobre a vacina, que trouxe à tona a história vivida por Stanislaw Ponte Preta, humorista responsável por nos alegrar nos anos 1960 com sua coluna no jornal Última Hora.
Aconteceu dentro de um avião da Varig lotado com jornalistas brasileiros que iam cobrir a Copa do Mundo de 1962 em Santiago do Chile. O cronista Paulo Mendes Campos, sentado a seu lado, conta que na escala em Buenos Aires, um argentino careca, de barba ruiva, vestido de branco com estetoscópio no pescoço que não deixava dúvidas sobre sua condição de médico da saúde pública, entrou na aeronave pedindo a cada passageiro o atestado de vacina. Quando chegou a vez de Stanislaw, o médico estendeu a mão cobrando:
- Vacunación, señor!
Como se estivesse recebendo um cumprimento de boas-vindas, Stanislaw apertou a mão do médico, balançou-a várias vezes e respondeu efusivamente:
- Vacunación para usted también.
Era brincadeira inocente. Mas Stanislaw, pseudônimo de Sérgio Porto, tinha um humor considerado “corrosivo”, apimentado. “Fazia graça descobrindo verdades e tinha a coragem de ser odiado por dizê-las”. Como todo homem de sensibilidade, “desprezava os mesquinhos, os medíocres, os debilóides, os cretinos” – escreve Paulo Mendes Campos. Numa crônica em que desenha seu autorretrato, Stanislaw se define como “humorista a sério” e revela de quem não gostava: “puxa-saco, militar metido a machão, burro metido a sabido e, principalmente, racista”.
Vossas xexelências
Foi para combater as vossas excelências e as vossas xexelências, que Stanislaw criou o FEBEAPÁ – Festival da Besteira que Assola o País. Lá registrava diariamente as asneiras dos “cocorocas”: ministros, deputados, senadores, bispos, juízes, generais, delegados, externando tudo aquilo que estava engasgado na garganta de cada um de nós, nos vingando da babaquice oficial, com um estilo inconfundível.
A Pretapress - sua “agência de notícias – não daria conta de tanta bobagem proferida pelas “novas otoridades”, pelos negacionistas e terraplanistas. O general Pazuello, o ex-capitão Jair e quase todo o atual ministério seriam pratos feitos para o Febeapá, que hoje é representado pelos memes irônicos nas redes sociais.
O nosso general, para tranquilizar o país, sustentou que a pior fase da pandemia havia passado, porque as regiões do Norte e do Nordeste do Brasil estão situadas no Hemisfério Norte e sofreram mais com o inverno. Alguém comentou nas redes que o ministro deu “uma aula de geografia da terra plana”.
- “Rezamos para o impacto [do coronavirus] ser menor, mas terá algum grau do impacto” – disse ele sobre a expansão da epidemia para o interior do país.
Quando o seu Ministério tentou escamotear os dados de mortos e infectados, os deputados o pressionaram durante sessão da Comissão Externa de Ações contra o coronavirus e ele, então, admitiu que “os dados são inescondíveis”.
Ele fala besteira, mas pelo menos foi sincero quando disse:
- “Eu nem sabia o que era o SUS, porque passei a minha vida sendo tratado, também em instituição pública, mas do Exército. Vim conhecer o SUS, a partir de agora desse momento da vida”.
- “Ele continua sem saber” - comentou o deputado Alexandre Padilha (PT-SP), ex-ministro da Saúde.
Com “zero” experiência em saúde pública, o ministro foi convidado por deputados e senadores, nesta quarta (2), para explicar a denúncia de que o Brasil corre o risco de perder, por data de validade, 6,86 milhões de testes para diagnóstico do coronavirus, segundo reportagem do Estadão. E no dia seguinte, participou da reunião com ministros do Mercosul. Em ambas, fez uma ginástica intelectual, com declarações que levariam Stanislaw Ponte Preta ao delírio, se vivo fosse.
O Febeapá
O ministro Pauzello anunciou aos parlamentares que o Ministério busca uma vacina eficiente, mas que se depender do governo, a população não será obrigada a se imunizar. Disse ainda que até o momento - e essa é a posição do ministério - “a nossa estratégia será a de não obrigatoriedade da vacina” e que falava como ministro, mas em total consonância com o presidente da República. “Obedece quem tem juízo”, havia dito o general de divisão quando levou um chega-prá-lá do capitão Jair, que o desautorizou a comprar “a vacina chinesa do Dória”. O general na ativa só faz o que manda o capitão excluído do Exército. Uma humilhação pública.
Nos próximos dias, o plenário virtual do STF deve julgar ação do PDT que quer garantir a competência de estados e municípios para decidir sobre a obrigatoriedade da vacina, quando o que se deve discutir é o acesso da população à imunização e a informação sobre esse processo. Enquanto a Inglaterra já começa a imunizar seus cidadãos na próxima semana e outros países europeus ainda este ano ou em janeiro, o ministro prevê para o Brasil iniciar só no mês de março. Ele não mencionou nem a Pfizer, nem a CoronaVac produzida pela China com o Instituto Butantan de São Paulo.
- Ignorar a possibilidade de comprar vacina da Pfizer é um crime – afirmou o fundador e ex-presidente da Anvisa, Gonzalo Vecina Neto em entrevista à CNN Brasil. O governo está contando só com uma, a AstraZeneca, que será insuficiente para cobrir a demanda do país. Além disso – pergunta Vecina – por que começar só em março, quando podemos iniciar em janeiro? Isso num momento em que o país se aproxima dos 180.000 mortos, com mais de 6.5 milhões de pessoas infectadas e, segundo especialistas, à beira de uma 2ª ou 3ª onda.
Enquanto isso, Pazuello horroriza seus colegas do Mercosul ao preconizar “o tratamento precoce que fez e faz a diferença para Covid” e ao defender, nas entrelinhas, a cloroquina, mesmo com pesquisas indicando que seu uso pode causar sequelas graves. Os especialistas assinalam que a mensagem faz as pessoas acreditarem na fantasia de que existem remédios contra o coronavirus, criada pelo capitão curandeiro da cloroquina e chancelada por uma compra de mais de R$1,5 milhão para a fabricação do medicamento pelo Laboratório do Exército, decisão de Bolsonaro que não passou pela análise técnica da Anvisa, segundo o ex-ministro Luiz Mandetta.
O Ministério da Saúde já gastou R$ 162, 4 milhões em publicidade, dos quais R$ 88 milhões em propaganda, sendo um terço (R$ 30 milhões) em campanha sobre o agronegócio, a reabertura do comércio e os “feitos” do governo, em vez de informações sobre o distanciamento social e o combate à pandemia, segundo apuração do Repórter Brasil em matéria assinada por Diego Junqueira, que informa estar o Tribunal de Contas da União de olho nesses gastos que fogem da pauta do Ministério.
O general Pazuello merece mesmo o diploma de sócio honorário do FEBEAPÁ conferido por Stanislaw Ponte Preta, na falta de um FECRUAPÁ – Festival das Crueldades que Assolam o País. Suspeito que a história vai fazê-los pagar caro por isso.
Os ministros da Saúde do Mercosul só faltaram dizer ao seu colega do Brasil: Vacunación para usted también. Quanto a Stanislaw, morto em 1968 aos 45 anos, só resta pedir emprestado a Paulo Mendes Campos o final de sua crônica que homenageava o humorista:
- “Não sei por que essa lembrança me comove e serve para fechar esta página que eu não queria triste. Que a tristeza fique conosco, os amigos que o amavam”.
P.S.1 – Ainda estudante, entrevistei Stanislaw Ponte Preta para um trabalho na disciplina ministrada por Zuenir Ventura, em 1966, no Curso de Comunicação da UFRJ. Sai daquela conversa com vontade de ser jornalista. Leitor fiel de Stanislaw, meu grande sonho, não realizado, era construir uma ponte sobre o igarapé de Manaus batizada de Ponte Preta. (Ver http://taquiprati.com.br/cronica/336-iii--lalau-as-certinhas-e-os-cocorocas)
P.S. 2 - Três dias de homenagem a Bartomé Meliá com mesas e cinedebates entre conferencistas e o público.