CRÔNICAS

Quem me fez avô foi a Ana: o som do silêncio

Em: 13 de Outubro de 2020 Visualizações: 5196
Quem me fez avô foi a Ana: o som do silêncio

“Avô é um potro selvagem que a filha amansa para

a neta poder montar em cima” (Câmara Cascudo).

Da Arte de ser avô

Antes, no princípio, só a avó do mundo existia, foi ela quem criou tudo o que existe no universo - reza o mito Tukano. Mas no meu mundo, quando ainda não havia neta, quando eu nem imaginava como era ser avô, houve uma inversão: a neta criou o avô. Quem me fez avô foi Ana, a primeira neta, que me ensinou essa arte e seus encantos.

Numa quarta-feira, 13 de outubro de 2010, às 6h50 da manhã, tocou o telefone em Niterói. Era uma chamada de Natal (RN).

- A Ana nasceu – noticiou uma neo-avó transbordante de emoção. Ficamos ambos mudos. O som do silêncio dizia tudo. Um choro discreto e contido dos dois lados do telefone. Nunca esquecerei aquele dia, só comparável ao sábado, 30 de novembro de 1974, ás 15h00, quando Maria me fez pai, em Lima, Peru. Agora, sua filha me fazia avô – uma multiplicação infinita da paternidade. Hoje, fazendo um balanço, sei que foram os dois dias de maior plenitude de felicidade na minha vida.

Enquanto ia para dar aula na UERJ, a alegria cantarolava na ponte Rio-Niterói. Liguei o rádio do carro. De repente, começou a tocar “The sound of silence”, na voz de Paul Simon & Garfunkel que escutavam o som do silêncio e falavam com a escuridão, logo seguida de "El Condor pasa". O locutor informou que 13 de outubro era aniversário do Paul Simon. Pensei: minha neta (que ainda não conhecia, mas que já estava dentro de mim) vai gostar dessa música. Ao longo da vida, toda vez que ouço o som do silêncio, lembro do dia em que comecei a ser avô.

Dias depois do nascimento, eu já estava em Natal, com Ana no meu colo, dengosa, calçando uma chuteirinha do Vasco, um presente meu, que depois foi enterrado – quem sabe? – com seu umbigo ao pé de uma árvore na Vila Feliz. Até hoje fico arrepiadinho quando lembro. Eu era avô. Que felicidade! A partir daí colecionei vários encontros singulares em diferentes cidades.

Pium (RN): na Vila Feliz

Quando Ana ainda mamava, sua mãe teve uma viagem de emergência para Lima. O Babá foi convocado para ser babá durante uma semana. Avisei na Universidade que tinha evento importantíssimo em Natal e que depois haveria reposição de aulas.

Uma vez lá, o Ed ia trabalhar durante o dia e eu ficava cuidando da Ana. Diariamente, bem cedo, saía com ela no colo pela Vila Feliz e caminhávamos até a feirinha perto da casa, seus olhos bem abertos descobrindo as cores de frutas e verduras. No meio da manhã, depois da merenda de frutas e do suco, deitávamos na rede e eu cantava canções, de Caymmi a Simon Diaz, até ela cair no sono com o vento que balançava as palmas do coqueiro e encrespava as ondas do mar e “la luna más linda y el más radiante sol”. Eram as mesmas músicas que embalavam o sono da Maria tempos atrás.

Outras vezes voltamos à Vila Feliz, no Pium.

Paris e Airvaul

Maria, Ana, eu e Marcinha - uma sobrinha que morava em Manaus - fomos em setembro de 2012 para o casamento da Maíra e Julien na França. Em Paris, perto do apartamento de Betty e Jean-Claude na Porte de Versailles, onde estávamos hospedados, fica o Parque Georges Brassens, Era uma homenagem a um cantor que tanto admiramos e que tantas vezes escutamos: lá encontramos un petit coin de paradis, num parque muito arborizado e com estátuas de animais na entrada, erguido em um antigo matadouro. Uma vez mais,  músicas e parques se entrelaçavam na relação avô e neta. Ana gostava do passeio de pónei.  Diariamente, íamos ao Parque, abraçadinhos, ela no meu colo recebia afagos de velhas que encontrávamos pelo caminho. Várias delas perguntavam sua idade e quando eu respondia: dois anos incompletos, as mémères sempre reagiam importunadas:

- Elle sait pas marcher?

- Claro que ela sabe andar – eu dizia.

- Então por que está no colo? Vai te cansar...

Elas desconheciam a arte de ser avô segundo Câmara Cascudo. O contato físico com as crianças parecia incomodar certas senhoras de Paris, mas não assim a pequena comunidade de Airvault da Nouvelle Aquitaine, no Oeste da França, onde foi celebrado o casamento na igreja de São Pedro, construída no séc. XII. Ficamos alguns dias em Enjouran, na casa dos pais de Julien, onde Ana, depois de servir de daminha de honra, se esbaldou com outras crianças da família, colhendo peras e maçãs das próprias árvores para saboreá-las, mimada por nossa querida amiga Marilza, com quem íamos em Paris passear no bosque de Viroflay e fazer exercícios de equilíbrio. No photos, no photos – exclamava Ana diante da câmara de Pascal. Marilza que havia maternizado a Maria José, agora assumia também a sua parte de avó da Ana.

No porto de Amsterdam

Saímos de um casamento na França para um velório na Holanda,  da Iveline, a mulher de meu amigo de exilio, Tarcisio Lage. Três dias em Amsterdam, em cujo porto - jura a canção de Jacques Brel – há “des marins qui chantent, qui dorment, qui meurent, qui naissent, qui mangent, qui dansent, qui boivent et reboivent, qui pissent comme je pleure”. Não vimos nenhum marinheiro fazendo essas coisas, mas exploramos parques e museus, incluindo a Casa de Anne Frank, ás margens do canal, quando aproveitamos para descrever para a outra Ana, minha neta, os horrores do nazismo e do racismo. Perto havia um parque com trilhas, laguinhos com as árvores desnudas em pleno outono. Ficamos todos encantados com o Zoológico com mais de 8.000 bichos, entre os quais tartarugas gigantescas que  deram umas piscadelas para a Ana e a Marcinha.

Os hotéis e os BNB de Amsterdam estavam lotados. De lá fomos passar cinco dias em Nijmegen, uma cidadezinha do sec. V com ruínas romanas e castelos medievais localizada na fronteira com a Alemanha, onde vivia Camila, uma ex-aluna de doutorado na Unirio, que nos alojou na casa de outra brasileira, Janaína, com sua filha Laila, com quem brincamos de roda. Num pequeno vídeo, estamos dançando e cantando: De abóbora faz melão, de melão faz melancia. Outra vez Ana me fazia mergulhar no mundo da infância do bairro de Aparecida em Manaus,

Montpellier

Ana voltou a França e viveu em Paris durante o pós-doutorado da mãe, num pequeno apartamento da Rue Brochant, vizinho do edifício onde morou a cantora Barbara. Fui lá comemorar o seu aniversário de 5 anos e participei de sua rotina durante um mês, indo buscá-la na escola, conhecendo suas colegas, entre elas uma bela francesinha Sylvianne, de mãe senegalesa, que era uma das melhores amigas. Já no primeiro dia, quando íamos entrando em seu edifício, um clochard gritou da esquina:

- Ça va, José? Respondi: Ça va bien, Alain! Ela ficou impressionadíssima:

- Vovô, você conhece ele?

– Meu amigo de infância – disse.

Havíamos nos conhecido horas antes.

Depois da saída da escola, íamos ao Square des Batignolles e passeávamos pela trilha Barbara. Uma vez mais música e parques.

Ana ficou encantada porque apesar da diferença de língua, desde o início conseguia se comunicar muito bem com as colegas. Um dia, soltou um “puta que o pariu” explicando: “Aqui pode falar porque ninguém entende”. É que seus pais lhe haviam recomendado anteriormente a não falar palavrão. “Mas o vovô fala” – ela disse. “Então fala só com teu avô porque tem pessoas que não gostam”. Ela havia me contado anteriormente que um dia, quando deixou um vidro de xarope cair e quebrar, gritou “puta que o pariu”, aliás com muita propriedade. 

Trouxe Ana para o meu mundo, não só de palavrões. Meu amigo Mathias Gibert me convidou para uma grande passeata em defesa da diversidade linguística em Montpellier, uma cidade no sul da França, no coração da Occitânia.

Lá fomos de trem Maria, Ana e eu. As ruas estavam enfeitadas com bandeiras vermelhas. Havia de tudo: culinária regional, artesanato, circo, teatro, trovadores, livros, música com gaita de fole, tambor, sanfona, tudo em língua occitana. Bonecos como os do carnaval de Olinda representavam figuras como a do professor e político socialista Jean Jaurés, que morreu em 1914 e de Frédéric Mistral, que ganhou o prêmio Nobel de Literatura em 1904 com sua obra escrita em occitano. Lá havia uma menina da idade da Ana, linda e sapeca, filha de uma professora de espanhol, Delphine Piffeteau, com quem ela se divertiu muito depois de gritar palavras de ordem na manifestação.

Na escola do Rio

No Rio, no carnaval acho que de 2013, Ana havia dormido na casa do vô Nuno e da vó Marlene, de quem ela muito gostava, porque sabiam muito antes de mim o que era ser avô e já haviam servido de montaria para a Flora. Ed e eu a levamos para o bloco infantil “Cordão Umbilical”, que saía em Botafogo. Ela deu um show, chamando a atenção dos foliões, com o samba no pé, dançando “picadinho”, eu nem sei onde ela havia aprendido, parecia estar na musicalidade herdada do pai.

Outra vez, na mesma época, com o William, neto da amiga Marlene Silva e com Paulina, fomos ao Zoológico da Quinta da Boa Vista, quando Ana conversou com girafas, ursos, elefantes, araras, tartarugas e todo o bicharal. Depois veio o tempo da escola.

Antes de completar 7 anos, a professora na Escola Edem, no Largo do Machado, queria apresentar as diferentes fases da vida e propôs trazer para falar na sala um velho. Ana me inscreveu imediatamente:

 - Meu avô é professor.

Lá fui eu falar como nós, velhos, brincávamos na infância, mas ela me advertiu:

- Vovô, te comporta. Não é para falar palavrão.

Por causa dela, me comportei, mas não resisti quando de saída um menino com cara sapeca perguntou:

- Você era muito bagunceiro?

Fui sincero:

- Muito.

Mas diante do olhar aflito da professora, falei que sempre pagava caro por isso, o que era verdade, mas eu gostaria de não ter confessado para não desestimular o menino.

Um ano depois, em plena Copa do Mundo, a Ana me levou para sua sala da turma Pipipã, agora na Escola Oga Mita, na Tijuca, que em línguas da família tupi pode ser traduzida como Casa da Criança. Fiz o que mais gosto: dei uma aula sobre culturas indígenas para crianças de 7 e 8 anos de idade.

Manaus, a grande família

Depois, em janeiro de 2019, foi a viagem mágica para Manaus, em busca da grande família e da floresta amazônica. Fomos só nós dois. Ana foi apresentada a toda a tribo. No aeroporto, Geraldinho, meu sobrinho, nos esperava à meia noite, acompanhado da sua filha Gretinha da mesma idade. Elas só se conheciam de fotos via internet, mas se deram um abraço tão demorado, tão amoroso, com uma cumplicidade de tempos imemoriais.

Foram dias de intensa atividade com o apoio e o afeto da Grazie. Minhas irmãs chegavam com seus filhos e netos, em uma avalanche amorosa que impactou positivamente a Ana, ao se saber parte de um conjunto maior. Em alguns minutos, a integração era total. Almoços, jantares, piqueniques, ida às praias do igarapé do Tarumã no barquinho do Amaro, com Jana, Bia, Mariana.

Ana foi recebida num café opíparo pela Glória, a irmã mais velha. Visitamos a rua onde eu nasci e depois onde morei, a Carolina das Neves que já ostentava o nome de Elisa Bessa, a bisavó da Ana.

Percorremos vários centros culturais: o Museu da Cidade, com uma museografia arrojada da mesma equipe que organizou o Museu da Língua Portuguesa em São Paulo. O Museu do Seringal na Vila Paraíso, lá Ana entrou pela primeira vez num seringal e observou as várias etapas de como se fazia a borracha. No Museu da Amazônia, com seu Jardim Botânico, percorremos trilhas e jardins com plantas nativas e subimos na torre de observação para lá de cima contemplar as copas das árvores. Ana agora conhecia o buraco de onde seu avô saiu.

Campo de São Bento: Niterói

O Campo de São Bento é o paraíso das três netas. Começou como refúgio da Ana, depois da Vivi e em seguida da Maia. Um dia, estávamos numa alameda do Parque:

- Vovô como é o nome dessa flor?

- Essa flor? – gaguejei para ganhar tempo.

- É. Essa flor, vovô – ela apontou enfática uma florzinha alaranjada de pétalas em forma de pequeno cata-vento, pendurada na ponta de um ramo, que dançava na cadência de suave brisa.

Juro que pensei enrolar, dar um nome qualquer em latim, ou cometer um “curiosicídio”, pedindo que ela se calasse. Mas optei pelo “vovocídio”.

- Como não sabe? – insistiu ela desapontada.

- Ninguém me ensinou. Tem muita coisa que eu não sei – disse.

Mas fui perguntar e soube que se chamava Ixora. Se não fosse Ana, eu morreria sem saber.

Naquele momento murchava a flor do conhecimento do vovô sabe-tudo, mas floresciam novos desafios. Hoje, 13 de outubro de 2020, completando 10 anos, acho que posso chamar a Ana para dar aula aos meus alunos da universidade sobre o que é a pré-adolescência nesses tempos bicudos de coronavirus e bolsonaros.

Agora, nossa cumplicidade passa por outros caminhos. Ana e seu instinto de proteção com sua sobrinha Sol, Ana e sua ternura e paciência com a irmã Maia e com a Vivi, Ana e sua doçura, Ana e sua inteligência, Ana e sua consciência política em formação, Ana contra o racismo, Ana solidária capaz de se indignar contra a injustiça e a desigualdade social, Ana na manifestação na Cinelândia pelo protesto do assassinato de Marielle com cartazes feitos à mão por ela, por iniciativa própria. Ana com suas lições de vida para este seu avô que se recolhe para observá-la meio afastado, mas com um amor imensurável. Ah, não posso esquecer: ao contrário de seus dois avôs, Ana é flamenguista como o pai e a mãe. Ninguém é perfeito.

P.S. - Peço desculpas por um crônica com referências tão pessoais. Quem é avô ou avó me entende.

Versión en español de Consuelo Alfaro

LO QUE ANA ME ENSEÑÓ:

EL ECO DEL SILENCIO

“Avô é um potro selvagem que a filha amansa para

a neta poder montar em cima” (Câmara Cascudo).

Del Arte de ser abuelo

Al principio, solamente la abuela del mundo existía, que según el mito Tukano, fue quien creó todo lo que existe en el universo. Pero en mi mundo, cuando todavía no existía nieta, cuando ni me imaginaba como era ser abuelo, hubo una inversión: la nieta creó al abuelo. Quien me hizo abuelo fue Ana, la primera nieta, que me enseñó ese arte y sus encantos.

Un miércoles 13 de octubre de 2010, a las 6h50 de la mañana, sonó el teléfono en Niterói. Era una llamada de Natal (RN):

- Ana nació – anunció una neo-abuela desbordante de emoción. Nos quedamos mudos. El eco del silencio lo decía todo. Un llanto discreto y comedido a los dos lados del teléfono. Nunca olvidaré aquel día, que solo se compara al sábado 30 de noviembre de 1974, a las 15h00, cuando María me hizo papá, en Lima. Ahora, su hija me hacía abuelo – una multiplicación infinita de paternidad. Hoy, haciendo un balance, sé que fueron los dos días de mayor plenitud de felicidad de mi vida.

Mientras iba a dar clases en la UERJ, la alegría canturreaba en el puente Rio-Niteroi. Encendí el radio del carro. De repente, comenzó a tocar “The sound of silence”, en las voces de Paul Simon & Garfunkel que conversaban con la oscuridad, escuchaban los acordes del silencio y del vuelo de “El Condor passa” El locutor informó que el 13 de octubre era cumpleaños de Paul Simon. Pensé: a mi nieta (que todavía no conocía, pero que ya estaba dentro de mí) le va a gustar esa música. A lo largo de la vida, toda vez que escucho el silencio, me acuerdo del día en que comencé a ser abuelo.

Días después del nacimiento, ya estaba yo en Natal con Ana acurrucadita en mis brazos, vistiendo unas botitas del Vasco, que quizás fueron enterradas junto con su ombligo al pie de un árbol en la Villa Feliz. Hasta ahora se me encoge el corazón cuando lo recuerdo. Yo era abuelo. ¡Qué felicidad! A partir de ese momento coleccioné varios encuentros singulares en diferentes ciudades.

Pium (RN): en la Villa Feliz

Cuando Ana todavía mamaba, su mamá tuvo que hacer un viaje de emergencia a Lima. Fui convocado para ser ama seca durante una semana. Avisé a la Universidad que tenía un evento importantísimo en Natal y que después repondría las clases.

Cuando llegué a Natal, Ed iba a trabajar durante el día y yo me quedaba cuidando a Ana. Diariamente, bien tempranito, salía con ella cargándola por la Villa Feliz y caminábamos hasta el mercadito cerca de casa, sus ojos bien abiertos descubriendo los colores de frutas y verduras. A media mañana después de comer frutas y tomar el jugo, descansábamos en la hamaca y yo entonces cantaba canciones de Caymmi a Simón Díaz, hasta que el sueño la vencía con el "vento que balançava as palmas do coqueiro e encrespava as ondas do mar" y “la luna más linda y el más radiante sol”. Eran las mismas melodías que arrullaron los sueños de María tiempos atrás.

Otras veces volvimos a la Villa Feliz, en Pium en contextos más festivos, para celebrar San Juan, cumpleaños y otras fiestas…

París y Airvaul

María, Ana, yo y Marcinha - una sobrina que vivía en Manaos - fuimos en setiembre de 2012 al matrimonio de Maíra y Julien en Francia. En París, cerca del departamento de Betty y Jean-Claude en la Porte de Versailles, donde estábamos hospedados, queda el Parque Georges Brassens, Era un homenaje a un cantor que tanto admiramos y que escuchamos tantas veces: allí encontramos un petit coin de paradis, en un parque muy arborizado y con estatuas de animales en la entrada, erguido en un antiguo matadero. Una vez más, música y parques se entrelazaban en la relación abuelo y nieta. A Ana le gustaba el paseo de pony. Diariamente, íbamos al Parque, agarraditos, ella en mis brazos recibía cariños de señoras que encontrábamos por el camino. A veces preguntaban su edad y cuando respondía: dos años incompletos, las mémères siempre reaccionaban:

- Elle sait pas marcher?

- Claro que sabe andar – respondía.

- Entonces ¿por qué la carga? Se va a cansar...

Ellas no conocían el arte de ser abuelo según Câmara Cascudo. El contacto físico con los niños parecía incomodar a ciertas señoras de Paris, pero no así a la pequeña comunidad de Airvault de la Nouvelle Aquitaine, al Oeste de Francia, donde se celebró el matrimonio en la iglesia de San Pedro, construida en el siglo XII. Nos quedamos algunos días en Enjouran, con los padres de Julien, donde Ana, después de desempeñarse como dama de honra, jugó hasta agotarse con las otras niñas de la familia, recogiendo peras y manzanas de los árboles para saborearlas, mimada por nuestra querida amiga Marilza, en Paris, con quien íbamos a pasear al bosque de Viroflay y a hacer ejercicios de equilibrio. ¡No photos, no photos!– exclamaba Ana ante la cámara de Pascal. Marilza que había maternizado a María José, ahora asumía también su parte de abuela con Ana.

En el puerto de Amsterdam

Salímos de un matrimonio en Francia a un velorio en Holanda, el de Iveline, la mujer de mi amigo de exilio, Tarcisio Lage. Tres dias en Amsterdam, en cuyo puerto – dice la canción de Jacques Brel – hay “des marins qui chantent, qui dorment, qui meurent, qui naissent, qui mangent, qui dansent, qui boivent et reboivent, qui pissent comme je pleure”. No vimos ningún marinero haciendo nada de eso; exploramos parques y museos, incluyendo la Casa de Anne Frank, a las orillas del canal, momento que aprovechamos para describirle a la otra Ana, mi nieta, los horrores del nazismo y del racismo. Cerca había un parque con senderos, laguitos con los árboles desnudos en pleno otoño. Quedamos todos encantados con el Zoológico con más de 8.000 animales, entre los cuales tortugas gigantescas que dieron unos guiños a Ana y Marcinha.

Los hoteles y los BNB de Amsterdam estaban llenos. Entonces fuimos a Nijmegen, una ciudad pequeña del siglo V con ruinas romanas y castillos medievales ubicada en la frontera con Alemania, donde vivía Camila, una ex-alumna de doctorado de la Unirio, que nos alojó en la casa de otra brasileña, Janaína, que vivía con su hija Laila, con quien jugamos a la ronda. En un vídeo pequeño, estamos bailando y cantando: De abóbora faz melão, de melão faz melancia. Otra vez Ana me llevaba a las profundidades del mundo de mi infancia del barrio de Aparecida en Manaos,

Montpellier

Ana volvió a Francia y vivió en Paris durante el post-doctorado de su mamá, en un departamento de la Rue Brochant, muy cerca al edificio donde vivió   Barbara, la cantante. Fui para conmemorar sus 5 años y participé de su rutina durante un mes, yendo a buscarla a la escuela, conociendo sus colegas, entre ellas Sylvianne, una linda francesita de origen senegalés que era una de sus mejores amigas. El primer día, cuando estábamos llegando a casa, un clochard gritó de la esquina: - Ça va, José. Respondi: Ça va bien, Alain. Ana se sorprendió:

- Babá, ¿tú lo conoces?

– Es mi amigo de infancia – respondí.

Acabábamos de conocernos pero inmediatamente descubrimos grandes complicidades.

A la salida de la escuela, íbamos a la Square des Batignolles y paseábamos por el camino de Barbara. Una vez más, música y parques.

Ana estaba encantada porque a pesar de la diferencia de lenguas, desde el inicio conseguía comunicarse muy bien con sus compañeras.  Un día, soltó un “puta que o pariu” explicando:

“Aquí se puede hablar porque nadie entiende”.

Sucede que sus padres le habían recomendado anteriormente no hablar palabrotas.

- “Pero el abuelo las usa” – argumentó.

- “Entonces úsalas sólo con él porque hay gente que no le gusta”.

Ella me había contado anteriormente que un día, cuando se le cayó un frasco de jarabe, al quebrarse gritó “puta que o pariu”, dígase de pasaje, con mucha propiedad. 

Ana se fue acercando a mi mundo, no sólo de palabrotas. Mi amigo Mathias Gibert me convidó a una paseata en defensa de la diversidad lingüística en Montpellier, una ciudad al sur de Francia, en el corazón de Occitania.

Partimos de tren María, Ana y yo. Las calles estaban adornadas con banderas rojas. Había de todo: culinaria regional, artesanía, circo, teatro, trovadores, libros, música con gaita, tambor, zampoña, todo en lengua occitana. Muñecos gigantes como los del carnaval de Olinda representaban figuras como la del profesor y político socialista Jean Jaurés, que murió en 1914 y de Frédéric Mistral, que ganó el premio Nobel de Literatura en 1904 con su obra escrita en occitano. Allí había una niña de la edad de Ana, linda y traviesa, hija de una profesora de español, Delphine Piffeteau, con quien se divirtió mucho después de gritar palabras de orden en la manifestación

En la escuela de Rio

En Rio, en el carnaval creo que de 2013, Ana había dormido en casa de los abuelos Nuno y Marlene, que ella tanto quiere porque sabían mucho antes de mí lo que era ser abuelos pues ya habían aprendido ese arte de equitación con Flora. Ed y yo la llevamos a la comparsa infantil “Cordón Umbilical”, que salía en Botafogo. Dio todo un espectáculo, llamando la atención de los participantes, bailando samba con tanta agilidad y gracia, yo no conseguía imaginar donde había aprendido; parecía una musicalidad heredada del papá.

Otra vez, en la misma época, con William, nieto de nuestra amiga Marlene Silva y con Paulina, fuimos al Zoológico de la Quinta da Boa Vista en que Ana conversó con jirafas, osos, elefantes, araras, tortugas y todos los animales que iba encontrando. Después llegó el periodo escolar.

Antes de cumplir 7 años, la profesora de la Escuela Edem, en el Largo do Machado, quería presentar las diferentes fases de la vida y propuso llevar a la clase un ‘anciano’ para conversar con los alumnos.

Ana me inscribió inmediatamente:

 - Mi abuelo es profesor.

Me tocó ir para hablar sobre como nosotros, viejos, jugábamos cuando éramos niños, pero me advirtió:

- Babá, pórtate bien. No vayas a usar palabrotas.

La obedecí, me porte bien, pero no resistí cuando al salir un niño con cara de diablillo me preguntó:

- Y tú, ¿eras muy travieso?

Fui sincero:

- Bastante.

Pero ante la mirada preocupada de la profesora, conté que siempre pagaba caro por cada travesura, cosa que era verdad, aunque hubiera preferido no haber confesado para no desestimular al chico.

Un año después, en plena Copa del Mundo, Ana me llevó a su clase Pipipã, que en lenguas de la familia tupí significa algo como Casa de Niños, esta vez en la Escuela Oga Mita, en el barrio Tijuca. Hice lo que más me gusta, di una aula sobre culturas indígenas para niños de 7 e 8 años de edad.

Manaos, la gran famlia

En enero de 2019, embarcamos en un viaje salpicado de magia a Manaos, en busca de la gran familia y de la floresta amazónica. Sólo fuimos los dos. Ana se presentó a toda la tribu. Mi sobrino Geraldinho nos esperaba en el aeropuerto a media noche con su hija Gretinha de la misma edad de Ana. Ellas se conocían solamente por fotos vía internet, pero se dieron un largo abrazo demorado, tan amoroso, con una complicidad de tiempos inmemoriales.

Fueron días de intensa actividad con el apoyo y el afecto de Grazie. Mis hermanas llegaban con sus hijos y nietos, en una avalancha amorosa que impactó positivamente a Ana, al saber que era parte de un conjunto mayor. En algunos minutos, la integración era total. Almuerzos, cenas, picnics, idas a las playas de igarapé del Tarumã em el barquito de Amaro, con Jana, Bia, Mariana.

Ana fue recibida con un desayuno opíparo por Gloria, mi hermana mayor. Visitamos la calle donde nací y después donde viví, Carolina das Neves que hoy ostenta el nombre de Elisa Bessa, su bisabuela.

Recorrimos varios centros culturales: el Museo de la Ciudad, con una museografía osada del mismo equipo que organizó el Museo de la Lengua Portuguesa en São Paulo. El Museo del Caucho en la Villa Paraíso. Allí Ana vio por primera vez árboles de caucho y observó las diversas etapas de producción, En el Museo de la Amazonía, con su Jardín Botánico, recorrimos caminos y jardines con plantas nativas y subimos a la torre de observación para contemplar desde esa altura las copas de los árboles. Ana sabía ahora de donde había salido su abuelo.

Campo de São Bento: Niteroi

El Campo de São Bento es el paraíso de las tres nietas. Comenzó como refugio de Ana, después de Viví y en seguida de Maia. Un día, estábamos en una alameda del Parque:

- Babá, ¿cómo se llama esa flor?

-  ¿Esa flor? …– comencé a tartamudear para ganar tiempo.

- Si. Esa flor, Babá – dijo señalando enfática una florcita anaranjada de pétalos en forma de molinete, colgada en la punta de un ramo, que danzaba con la cadencia de una suave brisa.

Juro que pensé engañar, dar un nombre en latín, o cometer un “curiosicídio”. Mas opté por el “abuelicídio”.

- Como ¿no sabes? – insistió decepcionada.

- Nadie me enseñó. Hay muchas cosas que no sé – le dije.

Así, pregunté y supe que se llamaba Ixora. Si no fuera por Ana, moriría sin saber.

En aquel momento marchitaba la flor del conocimiento del abuelo sabe-todo, pero florecían nuevos desafíos. Hoy, 13 de octubre de 2020, cuando cumple 10 años, creo que puedo llamar a Ana para dar clases a mis alumnos de la universidad sobre lo que es la pre-adolescencia en estos tiempos difíciles de coronavirus y de Bolsonaros.

Ahora, nuestra complicidad pasa por otros caminos. Ana y su instinto de protección con su sobrina Sol, Ana y su ternura y paciencia con su hermana Maia y con Vivi, Ana y su dulzura, Ana y su inteligencia, Ana y su conciencia política en formación, Ana contra el racismo, Ana solidaria capaz de indignarse contra la injusticia y la desigualdad social, Ana en la manifestación en la Cinelândia para protestar por el asesinato de Marielle con pancartas hechas a mano por ella, por iniciativa propia. Ana con sus lecciones de vida para este su abuelo que se recoge para observarla un poco de lejos, pero con un amor inconmensurable. Ah, no me puedo olvidar, Ana es hincha del Flamengo como su papá y mamá, al contrario de sus dos abuelos.

EPÍLOGO escrito por la traductora

Ana vino repleta de mundo. A lo largo de los últimos siglos, sus genes antepasados transitaron por el mediterráneo, navegaron del extremo de la última flor de Lacio lusitana hasta Luanda; de la plácida Liguria al Norte Chico peruano, del Mediterráneo al Pacífico; recorrieron de Condesuyos hasta el rio Rimac; de Paus dos Ferros en el nordeste brasileño hasta Amazonas y de allí hasta la bahía de Guanabara. Amaron, cantaron y bailaron en diversas lenguas, con distintos acentos. Comieron y bebieron diferentes sabores, fuertes, delicados, picantes, dulces. Unos rezaron, otros no. Si Dios existe o no, cada uno encontró su respuesta, lo importante es que nadie escupa sangre pa’ que otro viva mejor.

Ana peregrina, trota mundos, yendo y viniendo de Rio a la Isla de Francia y Versalles, pero su cordón umbilical está al pie de un anacardo, en Parnamirim, para volver siempre, porque todos vuelven a la tierra en que nacieron [ ] por la ruta del recuerdo…

Ana… angolana…africana…lusitana…brasiliana…peruana…serrana... latino-americana…gitana…pero sobre todo ciudadana.

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13 Comentário(s)

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Maria José Alfaro Freire comentou:
29/07/2024
Depois de visitar algumas casas e de estar em muitas casas diferentes nessa temporada pandêmica, Maia (3 anos) hoje acordou, abraçou a irmã, e disse: - Ana, você é minha casa...
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Leticia Beauté du Papi comentou:
20/10/2020
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Nila Ibanez comentou:
20/10/2020
Muy linda la crónica y el toque redondo en el epílogo. De nuestra parte van nuestros cariños para Aninha por su cumpleaños, que sin duda los habrá pasado muy bien
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Mariella Carlin comentou:
20/10/2020
Todos los que conozco que son abuelos me dicen que ese amor de abuelos .....es taaaaan diferente al amor de padres para un hijo .... y que nunnnnnca imaginabas que eres capaz de amar más..... ... .Y para hacer travesuras conocerlos hahahaha sobre todo..... eso es lo más divertido...te lo digo por experiencia hahahhaah.....aquí se llaman ( partner in crime)
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Nuno Pereira comentou:
20/10/2020
Bessa parabéns .Bonita homenagem à Ana. Uma história de compartilhamento e de amor. Abs
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Lucia Cano comentou:
19/10/2020
Muchísimas gracias querida Consuelo por compartir con nosotros la inmensa alegría de la presencia de Ana, a través de la travesía del abuelo José. La leí y vi las fotos con una sonrisa incontenible, pero un pálido reflejo de la sonrisa maravillosa de Ana, que es también la de Zeze y la tuya. De inmediato reenviaré tu correo a mis hermanas y a Migue, Sé que ellos van a estar también muy agradecidos y felices porque las palabras de José nos rememora la transformación que los hijos y los nietos, y los sobrinos y sobrinos nietos producen en nosotros.Un abrazo a todos y un saludo muy especial a Ana por sus 10 felices años. Lucia
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rodrigo martins comentou:
17/10/2020
Linda crônica professor e a fotos estão lindíssimas. Aproveito para parabenizar duplamente a netinha do professor Bessa, primeiro pelo aniversário (desejo muitas felicidades, saúde, paz e grandes realizações sempre) e também por ter um Vovô com “V” maiúsculo.. Um abraço querido professor.
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Helena Freire de Souza comentou:
16/10/2020
Muito bem representada a nossa vovozice. Só mesmo tu Babá, com tua escrita mágica poderia fazer. Linda crônica me senti representada nas 14 vezes em que sou avó
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Bambi Meneghini comentou:
16/10/2020
Linda a foto, linda a crônica! Emocionante! Expressão pura de ternura
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Preta Freire de Souza comentou:
16/10/2020
Linda, essa crônica, mano! Eu me senti contemplada, enquanto avó. Acredito que muitas pessoas gostariam de registrar suas experiências com os netos mas poucos saberiam transmitir com o coração em palavras como o fizeste. A foto em que estás com a Ana te iolhando é realmente a mais bonita. Parece um cromo
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Maria do Céu Bessa Freire comentou:
16/10/2020
Li tudo, Babá. O texto é emocionante, chorei, mesmo não sendo avó (ô nirow...) e as fotos são maravilhosas! Uma biografia q vale a pena ser guardada
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Celeste Correa comentou:
16/10/2020
Quanto amor nessa crônica!!! Chorei o tempo todo enquanto lia. Quanto beleza vivida...quanto aprendizado e quanta cumplicidade essa de vocês dois. É, mano, a Ana te fez avô, e o teu mundo, onde na verdade cabem vários mundos, se agigantou com a experiência de ser avô e com tudo o que tens aprendido nesses dez anos. E o mundo dela também já tão grande aos 10 anos de idade, se expande nessas tantas coisas vividas com esse avô amoroso e moleque que brinca e que se faz criança quando está com as netas. Parabéns aos dois, à aniversariante pela linda, inteligente, doce e sensível mocinha que se tornou e que é um presente pra todos nós, parabéns ao vovô, por ser um dos melhores avôs que eu conheço. Mano, que vcs dois possam continuar essa construção rica de afeto, de cumplicidade e de admiração mútua por muitos anos, com direito a muitas brincadeiras e alguns palavrões.rs
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Dile Bessa Freire comentou:
16/10/2020
A foto que estais com ela bebê te olhando está muito linda, parece que ela está pensando “esse é meu vovô “
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