CRÔNICAS

Mário Diogo: Boca do Acre território de saudades

Em: 16 de Agosto de 2017 Visualizações: 8994
Mário Diogo: Boca do Acre território de saudades

Com 104 anos, Mario Diogo de Melo, ex-prefeito de Boca do Acre, e ex-deputado estadual em dois mandatos consecutivos, faleceu na segunda-feira (14) em Manaus. Seu corpo foi velado no saguão da Assembleia Legislativa. Nascido em 15 de março de 1913, no seringal Bemposta, ele atuou como advogado na defesa de pessoas pobres, convidado pelo Juiz de Direito Arquilau Moreira Sá Peixoto. Candidato a prefeito de Boca do Acre, venceu as eleições com 80% dos votos, assumindo o cargo em janeiro de 1950. Foi ele quem inaugurou a primeira usina de energia elétrica do município.

Mário Diogo escreveu vários livros entre os quais “Do Sertão Cearense às Barrancas do Acre”, “Boca do Acre, seus povoadores”, “Memórias” e “Cenários de Fantasias”, um livro de poesias, que chegou a ser premiado em Brasília.

Uma de suas filhas que reside em Paris - Marilza de Melo Foucher, casada com o engenheiro francês Pascal Foucher –  escreveu em março de 2009 o poema abaixo dedicado ao pai, transcrito pela coluna Taquiprati. Nessas horas, a poesia é mais apropriada para dar conta dos sentimentos da filha, que lhe deu duas netas - Maira e Tainá -  e três bisnetos: Gabriela, Inaia e Hélio - o curumim. 

LOUVOR AO TEMPO INFINITO

Para meu pai com fraternura cabocla.

Ah! Se eu pudesse parar o tempo…
O amarraria numa bela arvore,
Como símbolo perene de vida,
Nascer, viver e morrer.
Transformaria em nascer e renascer.
Todo ser humano solidário,
Em harmonia com o ser e ter,
Respeitoso da mãe-terra.
Teria o direito ao renascer.
Com intervalo para meditação.
Um tempo pra repensar os erros,
e escrever um poema-testamento,
Ao viandante inconsciente do tempo,
Amante eterno da natureza.
Menino nascido na Amazônia,
Coletor de leite seringa,
Cortador de lenha, vaqueiro.
No aconchego das arvores,
Ele buscava sombra e repouso,
O menino sonhava…
Escutando os cantos dos pássaros,
A sonoridade do sopro do vento,
Ele adorava os ruídos da floresta,
Nas asas da imaginação viajava,
Ele percorria o mundo,
E viajava pelo tempo-futuro,
Ancorado no infinito do tempo.
O menino da Amazônia
Louva a vida em tempo presente.

Marilza de Melo Foucher
Março 2009

 

Outro belo poema escrito pela filha saudosa foi postado nas redes sociais em março de 2020,  lembrando a despedida ao pai em agosto de 2017.    

Boca do Acre território de saudades

O velho sábio centenário já dizia:
Em Boca do Acre quero morrer!
La eu nasci, cresci e devo minha existência.
La eu jamais serei pó, eu serei raiz!
Hoje teu filho está alquebrado,
Fica deitado sofrendo em seu leito,
Os livros se fecharam, as leituras acabaram,
Os ouvidos buscam e precisam de silêncio,
Os olhos entreabertos observam paredes vazias.
A memória se desvanece...
Porém, Boca do Acre permanece.
...
Entre os rios Purus e Acre,
Boiam saudades da terra amada.
A memória mergulha no rebojo,
Imerge no fundo do rio...
Um remanso chega e lhe acalma.
As lembranças da infância afloram.
Os rios Purus e Acre refletem vidas,
As letras boiam no encontro das águas,
Formando “Boca do Acre” a terra natal,
Boca do Acre meu território de saudades,
Hoje sou canoa ancorada, um barco sem quilha,
A vida vai descendo de barranco abaixo...
Eu serei um eterno viajante nos teus rios.
...
Os vaga-lumes incendeiam as noites,
Ofuscando as luzes das lamparinas,
As estradas de seringa se iluminam,
O leite escorre das veias das arvores,
Como um velho homem a arvore perde a vida.
Boca do Acre no teu solo jaz teu filho.
Oh! Minha Terra Amada!
Eu jamais aqui serei pó! Serei raiz!
Nessa terra eu criei raízes,
Minhas raízes continuarão brotando desse chão...

Marilza de Melo Foucher

Texto abaixo retirado do Facebook em 19 de fevereiro de 2022

Ontem sonhei muito com meu pai e acordei pensando neste homem que viveu quase 105 anos de vida. Quando ele morreu, eu estava chegando ao pico de uma magestosa montanha da Toscana. Lembro que eu estava sentada no abrigo da montanha, muito cansada, porém reconfortada pela sua beleza, apesar do tempo um pouco nublado, subitamente o sol reaparece e o dia fica lindo. Um belo passarinho bebe o orvalho das folhas em um arbusto e voa quando eu tento fotografá-lo... Eu pensava no meu pai... O telefone toca, era Maira minha filha que anunciava a morte de meu velho amigo pai. Tal como o passarinho, meu pai voou para o além do horizonte. Minhas lágrimas não ofuscavam a beleza, que naquele momento, eu compartilhava com meu passarinho que sumiu entre as nuvens...
Eu visitei meu pai em Manaus, no ano de seu falecimento. Na hora de sair, depois de um longo e apertado abraço de despedida, ele em voz baixa, carinhosa e sufocada pelo choro disse-me: por favor não venha para meu enterro, você vai gastar dinheiro e quando chegar vou estar enterrado. Não vamos poder mais discutir e nem rir.
No lugar de vir para meu enterro escreva livros! Aliás 4 livros: um de poesia, um sobre suas andanças sobre sua vida fora do Brasil, outro sobre as historinhas contadas para os netos e um llvro com uma compilação de teus artigos. Eu brinquei com ele: se é um pedido vou tentar, se é uma ordem não sei. Rimos e ele me abraçou pela ultima vez.
Tento cumprir meu querido pai com esta promessa! O primeiro livro de poesia, intitulado Quase-poemas foi publicado no Brasil em 2019 pela editora Escaleras da psicanalista, professora e escritora paraibana Débora Gil Pantaleão; o segundo é um livro com curtas histórias, são lembranças que foram emergindo em um momento que tive problemas cardiovasculares, seguido de uma cirurgia com lenta recuperação. Como não podia permanecer sentada muito tempo no computador ( o médico me autorizava 10 minutos), logicamente, nem sempre eu obedecia, eram as dores que serviam de alerta... foi assim que escrevi Fragmentos de Tempos Vividos que foi editado em Manaus pela editora Valer.
Não pude ainda fazer o lançamento, todavia, praticamente todos meus amigos e amigas compraram e continuam comprando meus Fragmentos.
A Editora Valer quando pergunto quantos livros foram vendidos, eles dizem: A venda tem sido boa. Até hoje, não tenho os números de livros vendidos. Isaac Maciel o editor é super dinâmico e sua editora tá bombando, todavia, ele tem outras preocupações que atender as solicitações de uma escritora ausente do Brasil.
Aos que ainda não compraram podem buscar no site da editora, sobretudo, os que vivem no norte. O mais rápido para os que vivem em outras regiões é pela Amazon e pela livraria Martins em São Paulo.
Quanto ao terceiro livro reuni 4 historinhas inventados para os netos "Contos inventados da vovó" já se encontra na impressora da editora carioca Albatrozinho.
Meu querido pai Mario Diogo de Mello, nosso pacto está sendo aos poucos sendo comprido conforme teu pedido:
Não venha ao meu enterro, escreva um livro!

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1 Comentário(s)

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Selma Vidal comentou:
19/08/2017
Ah, se a gente pudesse parar o tempo, para curtir infinitamente os seres amados. Belo poema.
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