Com 104 anos, Mario Diogo de Melo, ex-prefeito de Boca do Acre, e ex-deputado estadual em dois mandatos consecutivos, faleceu na segunda-feira (14) em Manaus. Seu corpo foi velado no saguão da Assembleia Legislativa. Nascido em 15 de março de 1913, no seringal Bemposta, ele atuou como advogado na defesa de pessoas pobres, convidado pelo Juiz de Direito Arquilau Moreira Sá Peixoto. Candidato a prefeito de Boca do Acre, venceu as eleições com 80% dos votos, assumindo o cargo em janeiro de 1950. Foi ele quem inaugurou a primeira usina de energia elétrica do município.
Mário Diogo escreveu vários livros entre os quais “Do Sertão Cearense às Barrancas do Acre”, “Boca do Acre, seus povoadores”, “Memórias” e “Cenários de Fantasias”, um livro de poesias, que chegou a ser premiado em Brasília.
Uma de suas filhas que reside em Paris - Marilza de Melo Foucher, casada com o engenheiro francês Pascal Foucher – escreveu em março de 2009 o poema abaixo dedicado ao pai, transcrito pela coluna Taquiprati. Nessas horas, a poesia é mais apropriada para dar conta dos sentimentos da filha, que lhe deu duas netas - Maira e Tainá - e três bisnetos: Gabriela, Inaia e Hélio - o curumim.
LOUVOR AO TEMPO INFINITO
Para meu pai com fraternura cabocla.
Ah! Se eu pudesse parar o tempo…
O amarraria numa bela arvore,
Como símbolo perene de vida,
Nascer, viver e morrer.
Transformaria em nascer e renascer.
Todo ser humano solidário,
Em harmonia com o ser e ter,
Respeitoso da mãe-terra.
Teria o direito ao renascer.
Com intervalo para meditação.
Um tempo pra repensar os erros,
e escrever um poema-testamento,
Ao viandante inconsciente do tempo,
Amante eterno da natureza.
Menino nascido na Amazônia,
Coletor de leite seringa,
Cortador de lenha, vaqueiro.
No aconchego das arvores,
Ele buscava sombra e repouso,
O menino sonhava…
Escutando os cantos dos pássaros,
A sonoridade do sopro do vento,
Ele adorava os ruídos da floresta,
Nas asas da imaginação viajava,
Ele percorria o mundo,
E viajava pelo tempo-futuro,
Ancorado no infinito do tempo.
O menino da Amazônia
Louva a vida em tempo presente.
Marilza de Melo Foucher
Março 2009
Outro belo poema escrito pela filha saudosa foi postado nas redes sociais em março de 2020, lembrando a despedida ao pai em agosto de 2017.
Boca do Acre território de saudades
O velho sábio centenário já dizia:
Em Boca do Acre quero morrer!
La eu nasci, cresci e devo minha existência.
La eu jamais serei pó, eu serei raiz!
Hoje teu filho está alquebrado,
Fica deitado sofrendo em seu leito,
Os livros se fecharam, as leituras acabaram,
Os ouvidos buscam e precisam de silêncio,
Os olhos entreabertos observam paredes vazias.
A memória se desvanece...
Porém, Boca do Acre permanece.
...
Entre os rios Purus e Acre,
Boiam saudades da terra amada.
A memória mergulha no rebojo,
Imerge no fundo do rio...
Um remanso chega e lhe acalma.
As lembranças da infância afloram.
Os rios Purus e Acre refletem vidas,
As letras boiam no encontro das águas,
Formando “Boca do Acre” a terra natal,
Boca do Acre meu território de saudades,
Hoje sou canoa ancorada, um barco sem quilha,
A vida vai descendo de barranco abaixo...
Eu serei um eterno viajante nos teus rios.
...
Os vaga-lumes incendeiam as noites,
Ofuscando as luzes das lamparinas,
As estradas de seringa se iluminam,
O leite escorre das veias das arvores,
Como um velho homem a arvore perde a vida.
Boca do Acre no teu solo jaz teu filho.
Oh! Minha Terra Amada!
Eu jamais aqui serei pó! Serei raiz!
Nessa terra eu criei raízes,
Minhas raízes continuarão brotando desse chão...
Marilza de Melo Foucher
Texto abaixo retirado do Facebook em 19 de fevereiro de 2022