CRÔNICAS

Andrea Tonacci: filmando nos Andes (en español)

Em: 25 de Dezembro de 2016 Visualizações: 27854
Andrea Tonacci: filmando nos Andes (en español)

Quando o conheci, em fevereiro de 1980, o cineasta Andrea Tonacci estava com uma câmera na mão, filmando uma ruazinha estreita e pavimentada de pedras rosadas, em Ollantaytambo, nos Andes, a 3 mil metros de altura. Viera de São Paulo, onde morava, para documentar o 5º Congresso Mundial de Índios e o 1º Congresso de Movimentos Índios da América do Sul, no qual estávamos inscritos o pareci Daniel Matenho Cabixi da aldeia de Rio Verde (MT) como delegado e eu, que o acompanhava, como observador. Os três tínhamos, então, trinta e poucos anos.             

Uma chuvinha fina e o vento gelado cortante nos levaram a correr pela rua para buscar abrigo nas ruínas de uma fortaleza. Lá embaixo o rio Patakancha gemia em direção ao leito de pedras do Urubamba, indiferente às nossas fofocas sobre a abertura oficial do evento na Praça de Armas do Cuzco, que não contou com a dupla Marlon Brando e Jane Fonda, cuja vinda fora anunciada, num golpe publicitário, pelo canadense George Manuel, presidente do Conselho Mundial dos Povos Indígenas, o que frustrou os participantes, entre os quais os lapões autodenominados de vikings e mais de 300 indígenas de todos países da América, excetuando o Uruguai onde os Charrua eram invisíveis.

Durante vários dias - de 27 de fevereiro a 3 de março - convivemos com Andrea num cenário soberbo formado pelo Templo do Sol, gigantescas pedras e uma vista do Vale Sagrado dos Incas, de tirar o fôlego, com sua rede de terraços e canais que permitiam drenar o solo para a agricultura. "Devemos ressuscitar essas ruínas para reconstituir o 2º Império do Tahuantinsuyo" - diziam as teses polêmicas do congresso. Foi então que a câmera de Andrea Tonacci registrou o maior quebra-pau entre os delegados nos diferentes grupos de discussão.

Choxonnataxanaxaic

Na Comissão de Indianidade, Filosofia e Ideologia, da qual eu fazia parte com direito à voz, mas não a voto, o debate se polarizou entre Guajiros da Venezuela e um índio Toba da Província do Chaco, que acusava de "marxista e esquerdista" todos os que discordavam dos seus rasgados elogios ao general Jorge Videla, então ditador da Argentina. Ninguém podia imaginar que Videla um dia seria condenado e preso por "terrorismo de estado", por tortura e morte de 8 mil pessoas e que, em 2013, atacado por uma indefectível e justiceira diarreia, morreria sentado no vaso sanitário de sua cela.

De qualquer forma, discordei publicamente do índio Toba e, por isso, fui recriminado por um jornalista escandinavo diante da câmera de Andrea: "Você não pode sufocar a voz dos índios" - ele disse e eu lhe observei que aquela voz não era indígena, que a defesa da tortura não fazia parte da cultura Toba. Se fosse hoje eu acrescentaria que a língua Toba, que pertence à família Guaicuru, não tem palavra equivalente para "tortura", mas usa choxonnataxanaxaic para designar "solidariedade", conforme registra o linguista Orlando Sánchez em "Rasgos Culturales de los Tobas".

Não vi o documentário feito por Andrea com o material filmado nos Andes, mas seu título é bastante informativo: "Discussão ideológica num intervalo do encontro indígena em Ollantaytambo, Peru" (1980, 30'). Lá aparece o  desconfiado boliviano Constantino Lima, ex-deputado pelo Movimento Indio Tupak Katari (Mitka), cujas opiniões são conhecidas. Para ele, "essa esquerda que nos abraça, nos chama hipocritamente de irmãos e nos apunhala pelas costas, é muito mais perigosa que a direita, que nos discrimina como índios de mierda, mas a qual podemos combater de frente".

Tudo isso foi registrado pela câmera de Andrea, que já havia filmado outros índios. Quando subiu os Andes, levava a experiência do projeto "A visão dos vencidos" que desenvolveu com uma bolsa de Artes Criativas da Fundação Guggenheim e que lhe permitiu filmar comunidades indígenas nos EUA e na América Central. Valeu a pena aquele menino nascido em Roma, em 1944, migrar com a família para São Paulo e abandonar depois os cursos de arquitetura e engenharia para se dedicar ao cinema. O Brasil perdeu um engenheiro e talvez um arquiteto, mas ganhou o  diretor mais criativo do movimento conhecido como "Cinema Marginal".

Olhando estrelas

No Brasil, Andrea filmou índios de diferentes etnias. Viveu três anos no Pará, onde conviveu com grupos não-contactados. Lá conheceu os Arara. "Uma vez fiquei oito meses seguidos na floresta", ele conta, narrando sua experiência em área que hoje pertence ao estado de Tocantins.

No Maranhão, foi adotado por uma família dos índios Canela Apãniekra, com quem morou por um tempo. "A gente saía para caçar, depois sentávamos à noite para fumar um baseado e olhar as estrelas" - ele relata, dizendo que aprendeu a olhar os astros com os índios, "que vivem cantando e dançando e sabem quando um corpo estranho aparece no céu".  Documentou seus rituais, o cotidiano, os conflitos fundiários e o massacre que sofreram. Está tudo lá, em "Conversas no Maranhão" (1977), nos "Discursos Canelas" (1979) e em "Os Araras" (1980).

Andrea conviveu ainda com os Guarani e registrou a vida da líder religiosa Keretxu Mirî, dona Aurora Carvalho da Silva, que lhe narrou a longa caminhada até Caieira Velha no litoral do Espírito Santo (1978, 30') na busca da Terra Revelada. Nascida na aldeia Palmeira Sagrada, no Paraguai, ela passou pelas ruínas de Santa Maria, na Argentina, por diferentes aldeias do sul do Brasil, viveu em Minas Gerais até chegar na Aldeia Boa Esperança (ES). Andrea levou essas imagens e o canto ritual de um velho guarani para mostrá-las nas aldeias de Cananeia (SP).

Mas a obra prima, que justifica a passagem de um cineasta pelo planeta, foi "Serras da Desordem" (2006), premiado no Festival de Gramado com o Kikito de melhor diretor. Ele filmou 140 horas no Maranhão, no sertão da Bahia e em Brasília para contar a história de Carapiru, um índio Awa Guajá, que depois de ter sua aldeia incendiada por jagunços nos anos 1970, foge sozinho, perambula pelas serras do Brasil Central por dez anos até ser acolhido numa comunidade rural da Bahia, distante 2.000 km de sua aldeia. Embora não fale uma palavra de português, eles acabam se entendendo, numa prova irrefutável de que a solidariedade é mais importante que a língua, para se comunicar e compreender o outro. A alegria de viver de Carapiru, apesar do trauma do massacre, assim como a convivência com os moradores da comunidade, compartilhando comida, afeto e trabalho, é algo mágico que restaura a esperança no ser humano.

Atores de si mesmos

Trata-se de um fato histórico recente que foi amplamente noticiado na mídia, depois que o sertanista Sydney Possuelo localizou Carapiru e o levou em seu próprio carro a Brasília, em 1988, onde seria entrevistado pelo Jornal Nacional. Para isso, o chefe de Posto da Funai enviou da aldeia do Maranhão um bilíngue falante de awa e português. No momento em que os dois se defrontam, o jovem intérprete, de 18 anos, reconhece Carapiru, seu pai, de quem fora separado pelo massacre e incêndio da maloca.

- "Essa história do reencontro, de uma família despedaçada, me tocou, porque eu estava vivendo longe de um filho pequeno" - disse Andrea.

O filme é  uma reconstituição dos fatos, uma encenação na qual Carapiru e os demais personagens interpretam anos depois seu próprio papel. Além disso, reúne material de arquivos, gravações feitas pela televisão, depoimentos, recortes de jornais, entrevistas, misturando documentário, ficção, arte e vida.

Não tive mais contato pessoal com Andrea Tonnaci que, no entanto, a cada semestre, me acompanha e vai continuar acompanhando nas salas de aula, quando exibo "Serras da Desordem". Ele nos deixou na sexta-feira (16), vítima de um câncer no pâncreas, mas seguirá presente cada vez que as pessoas se encantarem com a beleza imorredoura de seu filme - um canto de esperança, de resistência e de solidariedade - que nos ajuda a refletir sobre a alteridade e nos coloca na pele do outro.

P.S. - A trajetória de Andrea Tonacci nos Andes foi reconstituída a partir da matéria que publiquei no Porantim (Manaus, Ano III, nº 17, abril/1980, pg.10) e às lembranças dos antropólogos Renato Athias e Ademir Ramos presentes no evento. As citações são da entrevista à revista Contracampo (2005) feita por Daniel Caetano, Francis Vogner, Francisco Guarnieri e Guilherme Martins.

KARAPIRU – NOTA DE FALECIMENTO

(Postado em 18 de julho de 2021)

Karapiru, ou “Carapiru” como acabou mais conhecido, faleceu em Santa Inês, no interior do Maranhão, na última sexta-feira, 16 de julho de 2021. A história da sua vida é extraordinária. Pertencente ao povo Awa Guajá, vivia isolado na mata com sua família, quando, nos anos 1970, sofreu uma emboscada de fazendeiros que circulavam na região. Ao ataque, sobreviveram apenas ele e um de seus filhos. O menino foi capturado pelos agressores. O pai fugiu. Passou dez anos escondido, sempre em movimento, sempre fugindo dos não indígenas. Percorreu sozinho centenas de quilômetros, do Maranhão até o norte da Bahia, onde, em meados dos anos 1980, topou com moradores de uma comunidade rural na cidadezinha de Angical. O seu aparecimento repercutiu na região, atraiu a atenção da Fundação Nacional do Índio e da imprensa do país inteiro.

Ninguém sabia quem era ele, que língua falava ou por que estava ali. Em uma das inúmeras tentativas de solucionar o mistério, a FUNAI decidiu levar um intérprete Awa Guajá para falar com ele. Foi então que o rapaz, ao encontrar com Karapiru, olhou-o bem no rosto, reconheceu as marcas dos tiros em seu corpo - cuja dor ele carregaria pelo resto da vida - e concluiu:

- “Ele é meu pai”.

A partir desse reencontro, num movimento impensável do acaso, ele pôde restabelecer contato com a família e enfim voltar a viver junto de seu povo.

Na vida de Karapiru, a violência e a destruição promovidas pelo Estado brasileiro contra os povos indígenas foram uma constante ameaça. Sua fantástica saga de fuga tem uma dimensão que a maioria de nós sequer cogita experienciar. Apesar de ter ganhado o imaginário nacional na época, chegando a ser contada em filme décadas depois, essa história ecoa incontáveis outras, vividas tanto pelos Awa Guajá quanto por todos os povos indígenas no Brasil.

Um processo longo e contínuo de genocídio que permanece, em sua maior parte, alienado do resto da sociedade. Para todos que tiveram ou terão a oportunidade de conhecer essa história, talvez o processo seja uma das maneiras mais intensas de superar essa invisibilidade em relação ao genocídio, de conferir-lhe materialidade, historicidade, de acessar e entender o ponto de vista de suas vítimas. Karapiru nos ensinava tudo isso, e ensinava com a doçura que lhe é característica: sempre sorrindo, sempre carinhoso com quem convivia com ele, uma doçura indestrutível, mesmo depois de tantas perdas, fugas, tanta violência vivida.

A doçura como resistência.

Karapiru viu o genocídio de frente e carregou suas marcas no corpo, porém não resistiu à Covid-19. Já havia tomado as duas doses da vacina, mas diante dos altos níveis de circulação do Sars-CoV-2 que o Brasil ainda mantém, a proteção não foi suficiente. Os Awa Guajá têm, desde o início da pandemia, tentado se manter apenas em seus territórios, restringindo suas saídas apenas para casos de emergência de saúde. Houve, em 2020, também um esforço de parceiros e aliados para que fosse possível a manutenção desse isolamento e que houvesse um controle de entrada e saída de pessoas das terras indígenas, fossem elas indígenas ou não-indígenas.

As estatísticas disponíveis hoje sobre a pandemia e os povos indígenas no Brasil, como as divulgadas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e do Movimento Alerta, mostram que toda proteção e cuidado foram e continuam sendo fundamentais. A tragédia da pandemia no país, que está atingindo centenas de milhares de famílias, tem um forte viés racial e étnico, com os indígenas tendo proporcionalmente o maior número de casos, de internações e de vítimas fatais.

Em 2021, as vacinas trouxeram a esperança de que a pandemia poderia ser controlada. Mesmo com a disseminação de informações falsas, gerando desconfiança em relação a elas, inclusive entre os povos indígenas, os Awa Guajá aderiram à vacinação de modo generalizado assim que as doses chegaram nas aldeias. Porém, como temos aprendido nos últimos meses, as vacinas protegem a sociedade e não os indivíduos.

As mortes evitáveis continuam acontecendo aos milhares e o vírus continua circulando muito, com o agravamento de um consenso perigoso de que o pior já passou. Nessa pressão crescente pela retomada de eventos e atividades, no momento em que os riscos também aumentam, os povos indígenas enfrentam ainda uma das maiores ameaças aos seus direitos das últimas décadas, com a perspectiva de aprovação pelo Congresso Nacional do PL 490 e da adoção de jurisprudência favorável à tese do Marco Temporal pelo Supremo Tribunal Federal.

As mobilizações e os protestos - quase sempre a única ferramenta que esses sujeitos dispõem para se fazerem visíveis e lutar por seus direitos, seus territórios, tal como assegurados na Constituição Federal - tão necessários neste momento, têm levado indígenas de todo o país a saírem de suas aldeias, colocando-se conscientemente em risco, em nome da luta. Isso inclui os Awa Guajá. Eles não querem que essa violência - a que Karapiru e seu povo enfrentaram a vida toda - continue a se perpetuar.

Karapiru foi e o seu povo permanece sendo, testemunha de uma política de invasão, ocupação dos territórios indígenas, muita violência, doença e assassinato. Uma política da morte, para a qual a pandemia é, sobretudo, uma ferramenta oportuna, na medida em que contribui para a manutenção de seu projeto de aniquilação. Expressamos aqui a nossa indignação, saudade, nossos sentimentos e solidariedade ao povo Awa Guajá neste momento difícil.

Alexandre Werá, realizador audiovisual e ativista Mbya; Cristina Amaral, montadora; Eliane Cantarino O'Dwyer, antropóloga; Fábio Costa Menezes, realizador audiovisual; Flávia de Freitas Berto, professora e linguista; Guilherme Ramos Cardoso, antropólogo; Lirian Monteiro, antropóloga; Louis Carlos Forline, antropólogo; Marina Maria Silva Magalhães, professora e linguista; Paula Sobral, antropóloga; Uirá Felippe Garcia, professor e antropólogo; Vincent Carelli, indigenista e cineasta

 

 

Taquiprati  - Diário do Amazonas – Manaus, 25/12/2016

 ANDREA TONACCI: FILMANDO EN LOS ANDES

Texto: José R. Bessa Freire. Tradução: Consuelo Alfaro Lagorio   

 

El Orejiverde, diario de los pueblos indígenas

Edición digital nº +541 - 03 Ene 2017 - 11:12:

 

 

 

 

 

Cuando lo conocí, en febrero de 1980, el cineasta Andrea Tonacci estaba filmando una callejuela estrecha y pavimentada con piedras rosadas, en Ollantaytambo, a 3 mil metros de altura, en plenos Andes. Venía de São Paulo, donde vivía, para documentar el 5º Congreso Mundial de Indios y el 1º. Congreso de Movimientos Indígenas de Sudamérica, en el que estábamos inscritos, como delegado el indio pareci Daniel Matenho Cabixi de la aldea de Rio Verde – Mato Grosso y yo que lo acompañaba como observador.

Una llovizna fina, un viento helado y cortante nos obligaron a correr por la calle en busca de abrigo en las ruinas de una fortaleza. Más abajo, el rio Patakancha corría en dirección al lecho pedregoso del Urubamba, indiferente a lo que se comentaba sobre la inauguración oficial del evento en la Plaza de Armas del Cuzco, por la ausencia de Marlon Brando y de Jane Fonda, cuya participación había sido anunciada con cierto alarde por el canadiense George Manuel, presidente del Consejo Mundial de los Pueblos Indígenas. Esto acabó causando una cierta frustración a los participantes, entre ellos los lapones autodenominados de vikings y más de 300 líderes indígenas de todos los países de América, excepto Uruguay, donde los Charrúa continúan invisibles.              

Durante algunos días – del 27 febrero al 3 de marzo – convivimos con Andrea en aquel escenario soberbio del Templo del Sol de enormes piedras y una vista del Valle Sagrado de los Incas, impresionante por su red de terrazas y canales que permitían drenar el suelo para la agricultura. “Debemos resucitar esas ruinas para reconstruir el 2º. Imperio del Tahuantisuyo – decían las polémicas tesis del congreso. Fue entonces que la cámara de Andrea Tonacci registró una acalorada discusión entre los delegados de los diferentes grupos de debate.

Choxonnataxanaxaic

En la Comisión de Indianidad, Filosofía e Ideología, de la cual yo participaba con voz, pero sin derecho a voto, el debate dividió, de un lado los Guajiro de Venezuela y de otro, un indio Toba de la Provincia del Chaco, que tildaba de “marxista e izquierdista” a todos los que no estaban de acuerdo con su glorificación al general Jorge Videla, entonces dictador de Argentina. Nadie podría imaginar que Videla un día sería condenado y preso por “terrorismo de estado”, por tortura y muerte de 8 mil personas y que, víctima de una indefectible y justiciera diarrea, moriría sentado en el vaso sanitario de su celda.

De todas maneras, manifesté públicamente mi desacuerdo con el indio Toba y por eso, fui recriminado por un periodista escandinavo frente a la cámara de Andrea: “Usted no puede sofocar la voz de los indios” – me dijo. Le observé que aquella voz no era indígena, que la defensa de la tortura no hacía parte de la cultura Toba. Si fuera hoy, yo le agregaría que la lengua Toba, de la familia Guaicuru, no tiene la palabra que pueda significar “tortura”, pero usa choxonnataxanaxaic para designar “solidaridad”, según registro del lingüista Orlando Sánchez en “Rasgos Culturales de los Tobas”.

Todavía no he visto el documental de Andrea en los Andes, con su título informativo: “Discusión Ideológica en un intervalo del encuentro indígena en Ollantaytambo, Perú” (1980, 30’), que entrevista Constantino Lima, ex diputado por el Movimiento Indio Tupak Katari (Mitka) con opiniones que son, sin embargo, bastante conocidas. Para Constantino, “esa izquierda que nos abraza, nos llama hipócritamente de hermanos y nos clava un puñal por la espalda, es mucho más peligrosa que la derecha, que nos discrimina como indios de mierda, con la que podemos combatir de frente”.

No era la primera vez que Andrea filmaba a los indios. Cuando subió a los Andes peruanos, tenía ya la experiencia del proyecto “La visión de los vencidos” que desarrolló con una beca de Artes Creativas de la Fundación Guggenheim y que le permitió filmar comunidades indígenas en los Estados Unidos y en América Central. Valió la pena que aquel niño nacido en Roma, en 1944, migrase con su familia a São Paulo y no finalizase los cursos de ingeniería y arquitectura para dedicarse al cine. Brasil perdió un ingeniero y a lo mejor un arquitecto, pero ganó el más creativo director del movimiento conocido como “Cinema Marginal”.   

Viendo las estrellas

En Brasil, Andrea produjo documentarios con indios de diferentes etnias. Vivió tres años en Pará, donde convivió con grupos no contactados. Allí conoció a los indios Arara. “Una vez me quedé ocho meses continuos en la floresta” –  cuenta, narrando su experiencia en el área del actual Estado de Tocantins.

En Maranhão, fue adoptado por una familia de indios Canela Apãniekra, con quienes vivió por algún tiempo. “Salíamos para cazar, después, a la noche, sentábamos para fumar un cigarrillo de marihuana y mirar las estrellas”- relata, diciendo que aprendió a observar los astros con los indios, “que viven cantando y danzando y saben cuando un cuerpo extraño aparece en el cielo”. Documentó sus rituales, el cotidiano, los conflictos por tierras y la masacre que sufrieron. Todo eso puede ser visto en “Conversas no Maranhão” (1977), en los “Discursos Canelas”(1979) y en “Os Araras”(1980).

Andrea convivió también con los Guaraní y registró la vida de la líder religiosa Keretxu Mirî, doña Aurora Carvalho da Silva, que narró su larga caminada hasta Caieira Velha en el litoral de Espírito Santo (1978, 30’) en busca de la Tierra Revelada. Nacida en la aldea Palmera Sagrada, en Paraguay, pasó por las ruinas de Santa María, en Argentina y por diferentes aldeas del sur de Brasil, vivió en Minas Gerais hasta llegar a la Aldea Boa Esperança (ES). Andrea llevó esas imágenes, así como el canto ritual de un viejo guaraní para mostrarlas en otras aldeas de Cananeia (SP).

Sin embargo, la obra prima que justifica el pasaje de un cineasta por el planeta, fue “Serras da Desordem”(2006), premiado el el Festival de Gramado con el Kikito de mejor director. Filmó 140 horas en Maranhão, en el interior de Bahía y en Brasilia, para contar la historia de Carapiru, un indio Awa Guajá, que después de ver su aldea incendiada por pistoleros en los años 1970, huye y viviendo solo deambula por las sierras de Brasil Central durante diez años hasta ser acogido por una comunidad rural de Bahía, a 2.000 km de su aldea de origen. Aunque no hablaba una sola palabra de portugués, logra comunicarse con la comunidad que comprendió su drama. La alegría de vivir de Carapiru, a pesar de la masacre, contamina los moradores de la comunidad, que comparte comida, afecto y trabajo. Tiene algo mágico que restaura la esperanza en la humanidad.

Actores de si mismos

Se trata de un hecho histórico reciente que fue ampliamente divulgado por los medios de comunicación después que el indigenista Sydney Possuelo localizó Carapiru y lo llevó en su propio carro a Brasilia, en 1988, donde sería entrevistado por el Jornal Nacional de la TV Globo. Para eso, el jefe de puesto de la FUNAI envió de la aldea de Maranhão un bilingüe hablante de la lengua awa y de portugués. Cuando los dos quedan frente a frente, el joven intérprete de 18 años, reconoce a Carapiru como su padre, de quien fuera separado por la matanza y el incendio de la aldea.

- “Esa historia del reencuentro de una familia deshecha me afectó porque yo estaba viviendo lejos de un hijo pequeño” – dijo Andrea.

El film es una reconstitución de los hechos, una escenificación en la que Carapiru y los demás personajes interpretan años después sus propios papeles. Además, reúne material de archivos, grabaciones hechas por la televisión, testimonios, recortes de periódicos, entrevistas, mezclando documentarios, ficción, arte y vida.

No tuve más contacto personal con Andrea Tonnaci que sin embargo me acompaña en las clases de la Universidad, donde siempre exhibo “Serras da Desordem”. Andrea nos dejó el viernes (16), víctima de un cáncer en el páncreas, pero seguirá presente cada vez que los espectadores se encanten con la belleza perenne de su film – un canto de esperanza, de resistencia y de solidaridad que nos ayuda a reflexionar sobre la alteridad y nos coloca en la piel de otro.

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14 Comentário(s)

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Felipe Milanez (via FB) comentou:
28/12/2016
Lindíssima crônica/homenagem de José Bessa a Andrea Tonacci - para ajudar a compreender/aceitar/atravessar a tristeza de tantas perdas importantes esse ano e honrar e homenagear pessoas extraordinárias com foi Tonacci, um fantástico cineasta
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Aline Silveira (FB) comentou:
24/12/2016
Professor, lembro bem quando vimos Serras da Desordem em sua aula, todos ficamos impactados, embora algumas pessoas mencionassem a lentidão de certas passagens, habituadas com a rapidez da televisáo.
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Renata Póvoa Curado (via FB) comentou:
24/12/2016
Obrigada pelo texto e conteúdo do msm prof. N conhecia a filmografia do Tonacci mas fiquei super interessada e vou buscar assistir td. Que homem e que história de vida... mt emocionante e inspirador!! Ele mesmo merece um filme... quem sabe um dia...
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Veronica Aldé (via FB) comentou:
23/12/2016
Que bom saber mais da trajetória desse grande cineasta e documentarista. O Conversas no Maranhão e muitíssimo apreciado pelos Kraho que sempre querem assisti-lo. Um documento importante também internamente. Andrea deixou um grande legado...
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Ana Stanislaw comentou:
23/12/2016
Simplesmente linda, linda!!
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Loretta Emiri comentou:
23/12/2016
CRONACHE PIENE DI COERENZA E POESIA
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Astrid Lima (via FB) comentou:
23/12/2016
Uma das coisas boas de 2017 é ter a certeza do taquiprati
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Adeice Torreias (via FB) comentou:
23/12/2016
Ótimo documento. Narrativa que faz jus ao trabalho do cineasta e traça uma jornada de vida dedicada a esquadrinhar a cultura indígena da latino América. A cultura pré colombiana não tem parâmetros nem com egípcia, penso eu. A ausência dele significa olhos a menos acompanhando a cultura dos povos nativos, da atualidade! Tem vc pra nos contar e nos acordar pra realidade. Valeu! José Bessa.
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Juarez Silva (Manaus) comentou:
23/12/2016
Ler crônicas de viagens e eventos, faz a gente dar uma \"viajada\" junto, mas quando a gente mesmo já esteve também no local fica um tanto interessante, Ollantaytambo... ????
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Thereza Dantas comentou:
23/12/2016
Gostei da versão responsiva... agora poderei acessar teus textos do meu smartphone!
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Vinicius Alves do Amaral comentou:
23/12/2016
Ótimo texto, professor! Tonacci era uma dessas figuras com uma bagagem de experiências e histórias que parecem não ter fim. Realmente é uma pena que ele tenha partido tão cedo. O senhor já assistiu ao último filme dele, Já Visto, Jamais Visto?
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Alessandra Marques (via FB) comentou:
23/12/2016
Bonito texto e ótimo lembrar algumas obras do cineasta que, diga-se de passagem,pelo menos algumas delas podem ser encontradas na Internet.
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Alberto Alvares, cineasta guarani (via FB) comentou:
23/12/2016
Nhande ka\'aru ju! Xeirun Bessa, acabei de ver no site a noticía q vc escreveu sobre Andrea Tonnc. Eu tenho filme q ele fez na EUA e na America Central e com. Dona Aurora em ES. Se vc quiser usar na sua sala de aula faço uma copia p vc. Andrea, me deu no encontro de Itau Cultual em SP no mes de Outubro desse ano. Abs
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Geraldo Sá Peixoto Pinheiro (via FB) comentou:
23/12/2016