( De Paris - França) O procurador da Corte Penal Internacional (CPI) já está examinando denúncia feita pela advogada Karine Doucerain sobre os assassinatos em Mato Grosso do Sul dos guarani-kaiowá que eles próprios estão denominando de genocídio. A informação foi dada por ela e por sua colega Roselyne Scholtes após a Conferência realizada nesta segunda-feira (2/11) no Instituto de Altos Estudos da América Latina da Universidade Sorbonne Nouvelle, em Paris, quando foram exibidos vídeos enviados pelo doutor Tonico Benites, antropólogo guarani, que serão anexados ao processo.
Numa sala lotada onde havia gente em pé, a Conferência foi aberta por Capucine Boidin, pesquisadora em antropologia histórica que trabalha com arquivos em guarani, no projeto LANGAS - Línguas Gerais da América do Sul XVII-XIX. Ela apresentou os dois conferencistas: sua orientanda na pós-graduação, Pascaline Fichet, que entrevistou líderes e professores indígenas no trabalho de campo realizado recentemente em Dourados (MS) e o autor destas linhas, coordenador do Programa de Estudos dos Povos Indígenas da UERJ e professor no Curso de Pós-Graduação em Memória Social da UNIRIO.
Marcha para o Oeste
As duas advogadas ouviram Pascaline Fichet descrever a situação da reserva indígena de Dourados, onde cerca de 15.000 pessoas - guarani, kaiowá e terena - compartilham estreita faixa de 3.500 ha. Ela resumiu para o público presente a história da invasão das terras indígenas desde a guerra do Paraguai (1864-1870), a expulsão violenta dos ocupantes tradicionais, inicialmente para plantar erva-mate e mais recentemente soja e cana de açúcar, com trabalho dos índios em condições de semiescravidão. A partir de 1892, a Companhia Matte Laranjeira ampliou a ocupação das terras indígenas, favorecida já na República, na época do SPI, pelo próprio Governo.
Segundo a conferencista, a expulsão dos índios e seu confinamento em área reduzida foi responsável por numerosas doenças que tiveram impacto na saúde dos guarani. O processo continuou no governo de Getúlio Vargas que criou, em 1943, a Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND), responsável por repartir o território indígena entre famílias de colonos que migraram para a região na política de "marcha para o oeste". A instalação dos colonos em terras indígenas, com o desmatamento predatório, multiplicou os conflitos.
Apoiados em dados oficiais e em artigos e livros de especialistas que estudaram o tema, a pesquisadora destacou que o golpe mais recente foi dado com a introdução da monocultura da soja, a partir dos anos 1970, e com a criação do Pro-Alcool a partir dos anos 1980, quando começam a funcionar as primeiras usinas de açúcar, usando a mão-de-obra dos índios despojados de suas terras, seguindo o velho modelo do sistema colonial. Segundo ela, esse processo de superposição de famílias no mesmo espaço restrito, afetou o modo de vida dos guarani-kaiowá, limitando drasticamente as possibilidades de reprodução do modo de vida dos índios (ava reko).
O Estado de Mato Grosso do Sul - informou Pascaline Fichet - tem 35 milhões de hectares, mas 65% dessas terras são ocupadas pelo boi, enquanto a população que já foi dona de todo o território ocupa atualmente 0,08% do total, ou seja, 30.000 hectares. Os dados oficiais mostram que 4,6 milhões de bovinos são abatidos anualmente em MS, ou seja, 12.000 por dia. Nos últimos anos, 28 novas usinas destinadas a produzir etanol e biodiesel se somaram às 14 já existentes.
Diante de tal situação, os guarani-kaiowá, com apoio de aliados da sociedade civil, iniciaram a partir de 1980 um processo de recuperação das terras de suas antigas comunidades até como uma forma de retomar o sistema social e intensificar as práticas rituais inviáveis na área onde foram confinados. Foi então que os ocupantes das terras indígenas contrataram pistoleiros e formaram milícias armadas, aumentando o índice de violência na região a um nível superior ao de grandes cidades como Rio e São Paulo, o que caracteriza um processo lento e silencioso de etnocídio.
Agrobanditismo
A conferencista citou o caso do assassinato de Marçal Tupâ, em 1983, ao qual se seguiram outros. Entre 2003 e 2015, 585 índios se suicidaram e 390 foram assassinados. O caso mais recente foi o do líder Simeão Vilhava, de 24 anos, assassinado por pistoleiros pagos por fazendeiros. Essas informações foram complementadas com a localização dos guarani no mapa da América do Sul e com uma visão resumida da língua, religião, organização social e do modo de ser guarani.
A outra intervenção foi feita pelo autor dessas linhas, que apresentou a política indigenista do Brasil, a luta dos índios e a cobertura da mídia de circulação nacional, destacando a total impunidade do agrobanditismo. Até hoje nenhum pistoleiro e muito menos nenhum mandante dos crimes cometidos foi julgado e preso. Parece haver uma certa conivência da polícia e de instâncias do Judiciário na defesa das propriedades rurais e no ataque às comunidades indígenas que tentam retomar suas terras.
- Posso repetir aqui, sem mudar uma palavra, mantendo toda a sua atualidade, aquilo que disse o médico sanitarista Noel Nutels, em 1968, na CPI da Câmara de Deputados: "Nesta hora em que estamos conversando aqui alguém deve estar matando um índio, mas nós saberemos só muito mais tarde, quando o cadáver do índio já estiver enterrado" - disse o conferencista, que denunciou ainda a violência cometida também contra os guarani de Santa Catarina, citando especificamente o caso da Terra Indígena Morro dos Cavalos, no município de Palhoça, onde a cacica Kerexu Yxapyry - Eunice Antunes vem sendo ameaçada de morte.
O silêncio dos grandes jornais de circulação nacional foi apontado como um fator que contribui para a impunidade, por desmobilizar os leitores que são privados de informação tão importante para o Brasil e acabam deixando de exercer o direito de protestar e de exigir a punição dos responsáveis. Trata-se de um silêncio planejado que se estende a outros campos. Foi citado o caso da exposição de artesanato de miçangas no Museu do Índio, evento cultural de peso, que não mereceu sequer o registro de uma linha na mídia de circulação nacional, nem sequer quando visitada pela diretora geral da UNESCO, Irina Bokova e pelo ministro da Cultura Juca de Oliveira.
No final, houve um debate com perguntas formuladas pelo público presente, todas elas abordando tópicos similares aos que foram mencionados na carta aberta da Anistia Internacional à presidente Dilma Rousseff, considerando um fracasso a defesa pelo Brasil dos direitos Guarani-Kaiowá, com a violação à Constituição de 1988, à Convenção 169 da OIT, assim como à Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indigenas. Discutiu-se ainda o golpe representado pela PEC 215, que na prática inviabiliza a demarcação das terras indígenas.
LE TRIBUNAL INTERNATIONAL RECONNAIT LE GENOCIDE GUARANI-KAIOWA
Le procureur de la Cour Pénale Internationale (CPI) examine la dénonciation de l'avocate Katherine Doucerain quant aux assassinats des guarani-kaiowa au Mato Grosso do Sul (MS), reconnus par ces-derniers comme faisant partis d'un processus de génocide. Katherine Doucerain et sa collègue Roselyne Scholtes, ont divulgué cette information lors de la conférence donnée lundi dernier à l'Institut des Hautes Etudes de l'Amérique Latine (Sorbonne Nouvelle), à Paris. Les vidéos envoyées par Tonico Benites, anthropologue guarani, et présentées à l'occasion, seront ajoutées à la dénonciation.
Capucine Boidin, chercheuse en anthropologie historique, travaillant actuellement sur des archives guarani, dans le cadre du projet LANGAS (Langues Générales d'Amérique du Sud, XVII-XIX), a ouvert la conférence, qui faisait salle comble, et présenté les deux intervenants : son étudiante en master, Pascaline Fichet, qui a rencontré et interviewé des leaders et professeurs indigènes, durant son terrain de recherche, effectué l'été dernier à Dourados (MS), et l'auteur de cet article, coordinateur du Programme d'Etudes des Peuples Indigènes de l'UERJ et professeur au sein du master de Mémoire Sociale de l'UNIRIO.
Marche vers l'Ouest
Les deux avocates ont assisté à la présentation de Pascaline Fichet, décrivant la situation de la réserve indigène de Dourados, où près de 15 000 personnes (guarani, kaiowá et terena), se partagent l'étroite parcelle de 3 500ha. Elle présenta l'histoire de l'invasion des terres indigènes, depuis la guerre du Paraguay (1864-1870), à l'issue de laquelle s'est initiée une période de violentes expulsions des populations indigènes de leurs territoires traditionnels. Celle-ci fut tout d'abord exercée au profit de la plantation d'herbe mate puis, plus récemment, de celles de soja et de canne à sucre, dans lesquelles les indigènes travaillèrent dans des conditions de semi-esclavage. A partir de 1892, et durant la période du SPI (Service de Protection de l'Indien), la compagnie Mate Laranjeira a étendu son occupation territoriale, d'ores et déjà favorisée et soutenue par la République et le gouvernement.
Selon l’intervenante, l'expulsion des indigènes et leur confinement dans des zones exiguës, ont été à l'origine de nombreuses maladies qui eurent un fort impact sur la santé des guarani. Ce processus se prolongea sous le gouvernement de Getúlio Vargas, qui créa en 1943, dans le cadre de la politique de « marche vers l'ouest », la Colonie Agricole Nationale de Dourados (CAND), afin de répartir la terre entre les familles de colons venues d'autres régions. L'installation des colons en terres indigènes, et la cruelle déforestation, multiplièrent les conflits dans la région.
La situation s'intensifia à partir des années 1970, suite à l'introduction de la monoculture du soja. Avec la création du Pro-Alcool, mis en place au début des années 1980, les premières usines de production de sucre et d'alcool furent implantées et commencèrent à utiliser la main-d’œuvre indigène, bon marché, expulsée de ses terres, reproduisant ainsi le vieux schéma du système colonial. Un tel processus de superposition des familles dans des espaces restreints a profondément affecté le mode de vie des guarani-kaiowa (ava reko), et drastiquement limité ses possibilités de reproduction.
L'Etat du Mato Grosso do Sul, affirme Pascaline Fichet, s'étend sur une surface de 35 millions d'hectares, dont plus de 65% sont occupés par du bétail, alors que les populations indigènes, originairement propriétaires de ce territoire, sont aujourd'hui regroupées sur 0,08% du territoire, c'est-à-dire 30 000 hectares. Les chiffres officiels révèlent que 4,6 millions de bovins sont abattus chaque année au MS, soit 12 000 par jour. Ces dernières années, 28 nouvelles usines, destinées à la production d'éthanol et de biodiesel, sont venues s'ajouter aux 14 déjà existantes.
Face à une telle situation, les guarani-kaiowa, soutenus par leurs alliés de la société civile, ont initié un processus de récupération des terres de leurs anciennes communautés. Cette démarche est perçue comme une manière de retrouver leur système social et d'intensifier les pratiques rituelles, qu'ils ne peuvent pratiquer sur les territoires où ils sont retranchés. Pour entraver ces actions, les propriétaire terriens ont employé des hommes armés et formé des milices, augmentant ainsi l'indice de violence de la région, d'ores et déjà supérieur à celui des grandes villes comme Rio et São Paulo. Force est de constater le processus lent et silencieux d'ethnocide auquel est aujourd'hui confronté le peuple guarani-kaiowa.
Agrobanditisme
Si l'assassinat du leader indigène, Marçal Tupâ, em 1983, avait marqué les esprits, ils fut suivi par un nombre alarmant d'actions de ce genre. Entre 2003 et 2015, 585 indigènes se sont suicidés et 390 furent assasinés. Le cas le plus récent, fut celui du leader, Simeão Vilhava, de 24 ans, assassiné, le 29 août dernier, par des hommes armés, financés par les propriétaires terriens. Outre la présentation du climat de tension et de génocide qui s'exerce au MS, l'intervention de Pascaline Fichet, s'est également attachée à l'explication de la situation géographique, linguistique, et religieuse des guarani, ainsi qu'à leur organisation sociale et leur mode de vie.
La seconde intervention, réalisée par l'auteur de ces lignes, s'est concentrée sur la politique indigéniste du Brésil, la lutte des indigènes et la circulation médiatique de ces informations dans la presse nationale. L'intervenant a souligné l'impunité totale de l'agrobanditisme. Jusqu'à aujourd'hui, aucun homme armé et encore moins mandataire de ces crimes a été jugé et emprisonné. Il semblerait qu'une certaine connivence s'établisse entre la police et les instances judiciaires quant à la défense des propriétés rurales et l'attaque des communautés indigènes qui tentent de récupérer leurs terres.
- Je peux rappeler ici, sans modifier un seul mot, ce qu'a déclaré le médecin Noel Nutels, lors de la CPI de la Chambre des députés, en 1968, et qui est toujours d'actualité : “A l'heure où nous discutons ici, quelqu'un doit être en train de tuer un indigène, mais nous ne le saurons que plus tard, quand le cadavre de celui-ci sera enterré” - Dénonciant la violence commise contre les guarani du MS comme d'ailleurs, l'intervenant présentera la situation de Santa Catarina, en évoquant le cas de la Terre Indigène du Morro dos Cavalos (Coline des chevaux), de la municipalité de Palhoça, où le cacique Kerexu Yxapyry -Eunice Antunes a été menacé de mort.
Le silence des journaux nationaux à grand tirage fut pointé du doigt, et présenté comme un facteur contribuant à l'impunité, démobilisant les lecteurs, alors privés d'informations importantes pour le pays et cessant, par conséquent, d'exercer leur droit de protestation et d'exigence de punition des responsables. Ce silence planifié, s'applique aussi à d'autres domaines. L'intervenant évoquera l'exemple de l'exposition de perles artisanales du Musée de l'Indien, évenement culturel de taille, qui n'a fait l'objet d'aucune ligne dans les médias nationaux, bien qu'ayant reçu la visite de la directrice générale de l'UNESCO, Irina Bokova et du ministre de la culture, Juca de Oliveira.
La conférence s'est terminée par un débat au cours duquel les questions du public se sont centrées sur des thématiques similaires à celles abordées dans la lettre ouverte d'Amnesty International à la présidente Dilma Rousseff, relevant l'échec du Brésil dans la défense des droits Guarani-Kaiowá, venant violer la Constitution de 1988, la Convention 169 de l'OIT, ainsi que la déclaration de l'ONU sur les Droits des Peuples Autochtones. La menace représentée par la PEC 215, qui rendrait impossible, dans la pratique, la démarcation des terres indigènes, a également été présentée comme un élément de taille dans l'expansion du génocide.
P.S. – Tradução de Pascaline Fichet