CRÔNICAS

O voo do Aécio: Tucano ou Corvo

Em: 26 de Abril de 2015 Visualizações: 27006
O voo do Aécio: Tucano ou Corvo

Reparem bem: é sempre com a respiração ofegante e com a cara crispada que Aécio Neves da Cunha (PSDB), o neto, aparece na televisão exigindo o impeachment da presidente Dilma Vana Rousseff (PT). Sua fala grávida de dramaticidade profetiza o naufrágio do Brasil se Dilma continuar pilotando o barco verde-amarelo. Com ela no comando, o Titanic tupiniquim se aproxima velozmente do iceberg. É a catástrofe iminente, o apocalipse now. Por isso, há urgência imperiosa de apeá-la do poder, em nome - ele jura - da moralidade. Só assim, Aécio salva o Brasil da corrupção. Será?

Permanentemente tenso, Aécio, candidato derrotado à presidência, nunca relaxa. Se sorri, arreganha os dentes numa careta ameaçadora, num esgar hostil, o que o torna cada vez mais parecido, física e espiritualmente, ao ex-governador Carlos Lacerda (UDN), que tentou derrubar vários presidentes eleitos democraticamente: Getúlio (PTB), Juscelino (PSD) e Jango (PTB), não escapou sequer seu correligionário Jânio (UDN), cuja gestão ele infernizou até à renúncia. É que todos os presidentes ocupavam um lugar que ele achava que era seu. O "caráter golpista compulsivo" de ambos já foi lembrado por André Singer. Nunca um "tucano" se assemelhou tanto a um "corvo" - apelido que Última Hora deu a Lacerda que secava qualquer governante eleito nas urnas.

A ideologia é a mesma. Aécio copia Lacerda quando identifica a corrupção como fruto exclusivo da conduta desviante de pessoas ou da ação de quadrilhas e se apresenta, ele próprio, como paladino da honradez, da probidade e da decência. Corruptos são sempre os outros. Nenhuma análise histórica é feita. O Brasil só pode ser salvo por alguém de conduta ilibada e de reconhecida honestidade - ele, é claro - que se apresenta à nação como tal. Esse filme a gente já viu com Collor, o caçador de marajás.

Sinal de trânsito

A comparação, no entanto, termina aqui, pois até onde sabemos Lacerda nunca foi envolvido nesse tipo de escândalo. O aeroporto de R$ 14 milhões construído com recursos públicos em fazenda da família Neves, o mensalão do PSDB mineiro ou o metrô de São Paulo tornam o discurso de Aécio como a voz de alguém que se diz virgem em plena zona.

O moralista é como um sinal de trânsito que indica para onde se pode ir para uma cidade, mas não vai - já nos ensinava Charles Dickens. Aécio é um semáforo. Ele está tão obcecado com a queda da Dilma que não escuta sequer a voz dos cardeais do seu próprio partido. Quem diz que não há fatos que justifiquem o impeachment são os insuspeitos FHC, Serra e Alckmin que não podem ser acusados de petralhas.

Como um partido pode pedir impeachment antes de ter um fato concreto? Não pode. Não faz sentido antecipar esse movimento, enquanto não houver decisões de tribunais ou provas concretas de irregularidades cometidas pela presidente. Quem diz é a Justiça, a polícia, o tribunal de contas. Os partidos não podem se antecipar a tudo isso, não faz sentido, é precipitação -  declarou Fernando Henrique (PSDB) no seminário de ex-presidentes latino-americanos em Comandatuba, Sul da Bahia.

Mas Aécio, o Collor das Alterosas, está ansioso e aflito. Avexadinho, na qualidade de presidente nacional do PSDB, já contratou o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr. para dar formatação jurídica ao impeachment, apoiado no Tribunal de Contas da União (TCU) que por enquanto apenas aprovou uma série de oitivas para esclarecer as chamadas "pedaladas fiscais" - seja lá o que isso signifique - mas não tomou ainda qualquer decisão sobre a questão.

De qualquer forma, nessa sexta-feira (24), em Brasília, em reunião que não contou com a anunciada presença de FHC, mas sim com a de Aécio Neves, a bancada do PSDB na Câmara definiu que vai apresentar na próxima semana, "entre terça e quarta-feira", o pedido de impeachment da presidente Dilma, com base nas "pedaladas fiscais" e no esquema do petrolão. Se vai fazer o que promete, só o saberemos nos próximos dias.

O brasileiro que rala e que se sente órfão de lideranças está legitimamente indignado com as lambanças cometidas por setores do PT no poder, que se equivalem às presepadas da oposição, louca para destroná-lo. Trocando um pelo outro, não precisa de troco. A perda de credibilidade no PT, que é um dado real, não confere credibilidade ao PSDB.  O certo é que muita gente do PT se lambuzou e deu assim asas aos urubus. O país quer acabar com a corrupção, mas como?

Antropologia da corrupção

A solução - diz Aécio - é a queda de Dilma, mas tal alternativa é de um simplismo atroz, como se pode concluir lendo os trabalhos do antropólogo Marcos Bezerra, da UFF, que pesquisa o tema desde 1989. Ele publicou “A prática da corrupção no Brasil: um estudo exploratório de antropologia social”, além de sua tese de doutorado “Em nome das ‘bases’: Política, clientelismo e corrupção”. Aprofundou a questão num pós-doutorado na França, na École Normale Supérieure.

Bezerra, citado aqui anteriormente, descreveu os mecanismos usados por políticos e empresários. Analisou casos de corrupção municipal e nacional, explicando a ligação entre o comportamento político e as práticas corruptas e corruptoras. Mostrou a rede de relações de interdependência mantidas entre políticos locais e nacionais, em função do acesso aos recursos financeiros da União.

Essa história de que todo mundo é corrupto, de que a corrupção faz parte da natureza humana ou de que é uma marca cultural do Brasil – tudo isso é papo furado, segundo Marcos Bezerra. Para ele, a corrupção é prática de uma minoria dentro da sociedade brasileira, onde a maioria não rouba (ou seja, nós, eleitores de Marina, Dilma e Aécio). Quem inventou essa história de que todo mundo é ladrão foram os próprios corruptos, que dessa forma querem legitimar a sua conduta.

Segundo Marcos Bezerra quem favorece a prática corruptora é o atual sistema político-administrativo. Portanto, de nada adianta trocar pessoas, se os mecanismos permanecem os mesmos. Novos corruptos aparecerão. Se São Francisco de Assis ocupar o poder pelo Partido Celestial, nesse contexto, em alguns meses estará mais sujo do que pau de galinheiro. A corrupção se combate punindo os transgressores, é verdade, mas especialmente transformando o sistema. O que interessa, além da esfera criminal, é reformar a estrutura política que produz o dinheiro sujo.

Talvez a principal conclusão do antropólogo seja aquela que se refere ao seguinte dilema: quem vota as medidas para a reforma do sistema são precisamente aqueles que no exercício da atividade política se beneficiam dele e por isso não querem mudança. Daí, a necessidade de mobilização da sociedade. Se não houver pressão efetiva da população, não haverá mudança no sistema que favorece a corrupção. Como senador, Aécio não apresentou qualquer projeto de reforma política nessa direção.

Se é correto o que diz o antropólogo, a queda de Dilma em nada contribui para melhorar o país, atende apenas a voracidade de poder dos que querem o seu lugar. Aécio não está pensando nos destinos do Brasil e sim na sua ambição pessoal. Sua pressa, sua aflição, sua sofreguidão, numa leitura "pissica-analítica", demonstra talvez que ele foi contaminado pela síndrome de Tancredo, que nadou, nadou e morreu na praia. Suspeito que Aécio, como Lacerda, jamais será presidente. Falta-lhe a sobriedade e a grandeza de um estadista. Aécio é tucano, se comporta como um corvo, mas seu voo é de galinha. 

 

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18 Comentário(s)

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Robson Rogério Teles Bezerra comentou:
29/04/2015
Com a sua honrosa permissão Mestre, citarei o "ilustre" senador Jader Barbalho, em bate boca no Plenário, com o também não menos "ilustre" senador ACM, quando o segundo acusou o primeiro de corrupto, só para ilustrar o discurso coerente" do Aécio; "quem diria, a velha prostituta querendo falar de castidade". ótima crônica, Professor.
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Olivia Maria Maia comentou:
27/04/2015
É tão bom quando um Cronista escreve com clareza, seriedade e objetividade o que muitos de nós pensamos. Valeu!!! (quase conterrâneo). Abraço
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Elicio Pontes comentou:
27/04/2015
Caro Ribamar, seu texto é excelente. Precisa ser lido sobretudo pelas (novas? velhas?) gerações que pensam se informar e saber de tudo através de meia dúzia de destemperos e xingamentos nas redes sociais. Essencial sobretudo por deixar bem clara essa semelhança entre Lacerda, o corvo incorrigível que tentou todos os golpes (e pelo menos no caso do Getúlio, teve sucesso; suas mãos se sujaram no sangue do velho) - e Aécio, obcecado em seu desejo de derrubar a presidenta que o derrotou legitimamente nas urnas. E todo o circo armado no Congresso, com os perigosos bufões Cunha e Renan, tem na grande mídia (PIG, sim - merece o nome) a câmara de eco para tentar transformar o golpe em realidade e o Aécio do helicóptero em seu grande herói.
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Anne comentou:
26/04/2015
E tem uma coisa que Aécio e os "impitmeiros" não evocam: o que acontece depois do almejado impitment? Qual é o "próximo capítulo"? Pelo que sabemos: entra Temer e, em caso de impitment de Temer, entra Eduardo Cunha. Aí, não seria mais uma troca sem troco. É uma troca onde a gente vai pagar uma baita multa. E pro Aecinho: nada!
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aurelio michiles comentou:
26/04/2015
"Suspeito que Aécio, como Lacerda, jamais será presidente. Falta-lhe a sobriedade e a grandeza de um estadista. Aécio é tucano, se comporta como um corvo, mas seu voo é de galinha." E mais...sem comentários. Bravo, Babá!
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aurelio michiles comentou:
26/04/2015
"Suspeito que Aécio, como Lacerda, jamais será presidente. Falta-lhe a sobriedade e a grandeza de um estadista. Aécio é tucano, se comporta como um corvo, mas seu voo é de galinha." E mais...sem comentários. Bravo, Babá!
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Hermes Poubel comentou:
26/04/2015
Vejam essa noticia: Michel Temer diz em Lisboa ser "impensável" impeachment de Dilma Rousseff Em visita a Portugal, Temer disse em Lisboa que a possibilidade de "impeachment" (demissão) da presidente Dilma Rousseff é "impensável". "Não podemos abalar as nossas instituições democráticas falando desse assunto. Volto a dizer: é matéria impensável", afirmou
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Hermes Poubel comentou:
26/04/2015
Vejam essa noticia: Michel Temer diz em Lisboa ser "impensável" impeachment de Dilma Rousseff Em visita a Portugal, Temer disse em Lisboa que a possibilidade de "impeachment" (demissão) da presidente Dilma Rousseff é "impensável". "Não podemos abalar as nossas instituições democráticas falando desse assunto. Volto a dizer: é matéria impensável", afirmou
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carmen junqueira comentou:
26/04/2015
Excelente síntese do comportamento daquele que voa como galinha!
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Gilberto comentou:
26/04/2015
Muito bom artigo, parece que foi combinado com o sociólogo Adalberto Cardoso, que é diretor do Instituto de Estudos Sociais e Politicos da UERJ. Hoje, domingo, ele dá uma entrevista na Folha de São Paulo, cujo titulo é IMPEACHMENT HOJE SERVE AOS CORRUPTOS E AOS CORRUPTORES. O sub titulo indica: "Sociólogo diz que lava jato fere interesses dos que usam o Estado em seu beneficio e que impedimento de Dilma frearia esse processo".
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anne comentou:
27/04/2015
Fui ver o artigo Gilberto. Muito bom: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/04/1621134-entrevista-eleonora.shtml
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César comentou:
26/04/2015
Um texto que precisa ser lido por petistas, tucanos e apolíticos.
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Ana comentou:
25/04/2015
Brilhantes comparações. Só não entendi a frase escolhida por vc: "...quem favorece a prática corruptora é o atual sistema político-administrativo." ATUAL???? Como atual???? Ficaria melhor ANTIGO, PERMANENTE, eu diria até ETERNO... Diria mais, a corrupção no Brasil, já é uma marca registrada, sim, de uns poucos, sim. E que não faz parte da natureza humana, não, faz parte de uma natureza social. Existe um lado podre da nossa sociedade que atua como um câncer que absorve toda a nutrição do país; tudo o que é bom, vai direto para o lado podre do tumor, o qual deveria ser extirpado, e o resto do corpo se alimenta só com o que sobra. O que deveria ser totalmente ao contrário. Mas, cada um que se aproxima para extirpá-lo, se sente atraído pelo volume do tumor e não resistindo ao tamanho, cai no redemoinho e se perde. E, sem perceber, não enxerga mais quem ficou para 'trás' e nem a si próprio.
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Dau Bastos comentou:
25/04/2015
Bessa, sua cortante crônica não deixa pena alguma nessa ave de estatuto incerto e sede insana. Grande abraço, meu amigo!
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Renato Athias comentou:
25/04/2015
Babá!! Muito bom, gostei do texto, claro e bem argumentado, aliás como sempre. Mas o que eu adorei mesmo foi a sua ultima frase... eu já salvei... abraços. Contato de Renato Athias
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Nilda comentou:
25/04/2015
Caro amigo, alguém precisava dizer isto com calma e tranquilidade. Você disse. Obrigada Grande abraço Nilda
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Ana Stanislaw comentou:
25/04/2015
Bravo, bravíssimo!!! Levanto para te aplaudir, Bessa!! Reformas nas estruturas, na política, fim das megas campanhas e patrocínios das empresas privadas, vamos fazer valer a Lei da Ficha Limpa e fim do 'jeitinho brasileiro', o que exige de todos a prática e não apenas a retórica do fim da corrupção em todos os setores e escalas. Inclusive uma micro que nos atinge. Adoooorei!!!! Sensacional, diga de capa nos jornalões. Você tem toda razão, esse medíocre do Aécio só está pensando nele e está se lixando para esse país. Não podemos trocar alhos por bugalhos! Parabéns!!!!!
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celeste comentou:
25/04/2015
Excelente reflexão que foge,felizmente, à dicotomia que permeia todas as discussões nas redes sociais, onde, ao invés de se discutir a corrupção como um dano terrível a ser combatido no seu cerne, as pessoas ficam discutindo sobre quem roubou mais, sobre quem é pior o "meu" ladrão",ou, o "seu" ladrão, como se roubar menos isentasse o bandido da culpa.. Enquanto não houver uma discussão séria sobre a corrupção, enquanto não se fizer cumprir rigorosamente a lei para os corruptos, enquanto não tivermos uma reforma política e judiciário sérias...as discussões cairão sempre no vazio
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