É duro admitir: neste caso quem tinha razão era Aécio. Dilma estava completamente errada. Temos de ser justos. Doa a quem doer. O PT pode estrebuchar, mas se fizer uma análise racional, fria e objetiva será obrigado a reconhecer que no primeiro turno Aécio anunciou parte da verdade. Dilma não. É que ambos, interesseiros, se beneficiavam, um com a verdade parcial, a outra com o engano integral. Desta forma, os dois foram recompensados com milhões de votos subtraídos à Marina, mesmo assim escolhida por 21% dos eleitores que agora são cobiçados por ambos. Por pura miopia, o PT não admite, mas é isso aí. O resto é nhem-nhem-nhem e lero-lero.
Provo e comprovo o que afirmo. A preferência de Dilma para o segundo turno era enfrentar o PSDB, cujo candidato, numa avaliação equivocada, lhe parecia o adversário mais fácil de derrotar. Já Aécio, caindo nas pesquisas, precisava passar para o segundo turno. Os dois se uniram momentaneamente em torno desse interesse comum: tirar do jogo Marina, transformando-a no alvo principal de suas criticas. Juntos, os candidatos do PT e PSDB somavam 16 minutos de TV que foram usados para triturar a candidata até então favorita nas pesquisas, mas com apenas 2 minutos para se defender dos ataques dos opositores. Fizeram tudo: enganaram e sequer hesitaram, coisa rara, em dizer a verdade. Mas esqueceram que iam precisar dela no segundo turno.
Os enganos de Dilma
Houve tempo em que quem decidia no PT era a militância. Agora são marqueteiros contratados a peso de ouro. João Santana decidiu demolir Marina com artilharia pesada na propaganda eleitoral e nos spots televisivos que alimentavam os blogs petistas, se lixando para a verdade. O terrorismo eleitoral despolitizou o debate, desinformou e deseducou o eleitor. Com zero margem de acerto, apagou a história de Marina que militou trinta anos no PT. Inventou que ela era a nova direita, que ia acabar com o Bolsa-Família e com o Pré-Sal, que ia tirar comida do prato dos pobres, que era subserviente ao capital financeiro, que ia entregar o Banco Central à Neca de Pitibiribas.
Encomendaram artigos a seus "intelectuais orgânicos" que satanizaram Marina, apresentando-a como neoliberal e fundamentalista, destruidora da escola laica, disposta a ensinar nelas que o mundo foi criado em seis dias. Azucrinaram nas redes sociais, classificando-a de homofóbica e de discriminar os gays, sob a inspiração do pastor Malafaia. Muita gente boa, incluindo universitários, repetiram essas patranhas, sem ouvir o que a acusada dizia sobre a tolerância que professa e a diversidade que defende. O PT fez com Marina aquilo que Egberto Batista, o Podrão, marqueteiro do Collor, fez com o Lula. Hoje Collor faz parte da base aliada e João Santana é o Podrão do PT.
Incoerente, o PT aliado a Collor, Maluf, Sarney, Renán Calheiros, Barbalho e Kátia Abreu se mostrou escandalizado com o apoio da Neca de Pitibiribas e do filho de Bornhausen à Marina. Os spots na tv martelaram: "mentirosa!" Repetiram centenas de vezes: "mentirosa". Aproveitaram o discurso de Marina sobre a CPMF, confundindo sua posição na votação da lei, que foi uma, com a regulamentação da lei, que foi outra. Erro equivalente seria se Marina chamasse Dilma de farsante, por ter sido apresentada como Mestre em Economia, quando na realidade nunca defendeu tese. Era uma questão formal de confundir o curso que ela fez, com a titulação que não obteve.
Confesso que sofria cada vez que ouvia os spots chamando Marina de mentirosa, vendo a que ponto chegou o partido que ajudei a fundar. Ela foi ridicularizada como inconstante por mudar de opinião, como se fosse um crime rever posições. Nos blogs foram feitas menções depreciativas à sua aparência física de caboca e seringueira. Até o desastre de avião que matou Eduardo Campos foi considerado manobra da CIA para eleger Marina. Como disse um amigo gozando a paranoia do PT, o grande erro da campanha de Marina foi a CIA ter abatido o avião antes da hora. Ele vai reclamar com o George Soros, o empresário americano que tudo arquitetou.
A CIA deve estar morrendo de rir, porque caíram em sua armadilha. Não é assim que se defende os interesse populares: mentindo. Não é assim que se resolve as divergências: caluniando. É assim que se defende aparelho e cargos: obedecendo cegamente diretrizes do Partido e derrotando o pensamento. León Trotsky que o diga. Ninguém me contou, eu ouvi em 1968 militantes do PCB jurarem que Carlos Marighella era agente da CIA. Que horror! E o pior é que muitos acreditaram. Essa prática stalinista de queimar quem ousa criticar a linha oficial do partido continua sendo usada. Agora, o PT tem interesse em que aceitem o que disse Aécio no primeiro turno.
Com uma pequena margem de acerto para mais ou para menos, Aécio não errou quando durante a campanha anunciou para todo o Brasil:
- Marina e Dilma são farinha do mesmo saco.
Não discutiu o programa dela, nem apresentou o seu. Apenas bateu forte nessa tecla, sem dó nem piedade. Disse que Marina era do PT na época do mensalão, sugerindo - o que foi uma calúnia - o envolvimento da candidata com o esquema de corrupção que é - isso ele escondeu - uma invenção do PSDB mineiro. Convenceu assim aqueles eleitores antipetistas de Marina para que votassem não na menina nascida no Seringal Bagaço, mas nele, que era farinha de outro saco, impoluto. Surtiu efeito, embora ela nunca tenha usado verbas públicas para construir um aeroporto particular.
O saco do Aécio
Aécio, porém, acertou. O "mesmo saco" significa origens e ideias comuns. Marina tem uma história de lutas. Senadora e ministra do PT, partido que ajudou a fundar, atuou nas comunidades eclesiais de base e na CUT, comprometida com trabalhadores, seringueiros, índios, povos da floresta. Dilma chegou mais tarde ao PT, mas vem das lutas contra a ditadura e compartilhou os mesmos sonhos de mudança, noves fora a questão indígena e a ambiental. Aqui a presidenta é tão "crescimentista" quanto Aécio e ambos, farinha do mesmo saco nessa questão, se distanciam de Marina. Aliás, foi por essas razões que Marina deixou de ser ministra do Meio Ambiente, onde travava combate desigual com Dilma na Casa Civil.
Portanto, são farinha do mesmo saco sim, mas com diferenças. Uma é farinha de trigo, a branca; a outra é de tapioca, aquela escura com a qual na Amazônia fazemos o beiju-pixuna. Tal diferença foi escondida dos eleitores por Aécio e Dilma, porque lhes era conveniente. Os dois esquartejaram Marina, um dizendo que ela era de esquerda, a outra jurando que era de direita. Ambos cometem estelionato eleitoral quando agora se desdizem. Inventaram ontem uma Marina para retirar-lhe os votos, hoje criam outra para se apropriarem dos 21% que ficaram. Cada um reivindica Marina para seus respectivos sacos. Acham que o leitor já esqueceu o que falaram. Esqueceu?
Os pobres, os lascados, os ferrados, a floresta, os índios não cabem dentro do saco do Aécio, cuja historia de vida pública foge da justiça social como o diabo da cruz. Ele e seu grupo político não tem qualquer compromisso com os direitos dos trabalhadores, a reforma agrária, a demarcação das terras indígenas, os programas sociais, a liberdade de imprensa, o combate à corrupção. Por isso levou uma senhora surra no Estado de Minas Gerais que governou. Lá, foi derrrotado nas urnas. É que os mineiros sofreram na pele e conhecem quem governou exclusivamente para os ricos.
Além disso, a forma como universidades, funcionalismo publico, aposentados e assalariados foram tratados por FHC nos dão uma ideia de um eventual governo de Aécio, o inominável homem das neves, que já fez seu ensaio geral em Minas. Os dois são vinhos da mesma pipa, com uma diferença: FHC é inteligente, Aécio é apenas esperto. O trator que Aécio passou sobre o jornalismo independente pode significar um retrocesso na liberdade de imprensa e de opinião, porque sequer os blogueiros, a quem ele está processando, foram poupados.
Se os assalariados que constituem uma força política são massacrados, o que dizer das minorias, incluindo ai os índios e quilombolas? Diante dos representantes do agronegócio, na sabatina que ocorreu na Confederação Nacional da Agricultura, Aécio já se comprometeu publicamente de retirar da FUNAI o poder de definir a demarcação das terras indígenas, acenando para a exploração dos recursos hídricos e minerais ali existentes.
Aécio se apresenta como o candidato da mudança. Desculpem o termo chulo, mas não é mudança porra nenhuma, nem aqui nem na China. O conceito de mudança implica transformação da realidade, avanço nas políticas sociais, mas o que ele propõe é um retrocesso, um retorno ao passado onde aposentados eram tratados como vagabundos. Ele vem não para mudar, mas para restaurar privilégios, alguns dos quais foram sepultados nos últimos doze anos. Já foi dito que no tempo de FHC, a única coisa melhor do que hoje era o PT.
Como um agrado aos ruralistas, Aécio defende a terceirização da mão de obra no setor agrícola, o que na visão de Marina estimula a exploração do trabalho escravo. "Não quero derrotar Dilma e o PT para colocar a mesma coisa no lugar" - declarou Marina, que cobrou de Aécio políticas ambientais, econômicas, sociais, incluindo a demarcação das terras indígenas. Agora Aécio, esquecendo o que disse no primeiro turno, jura que entre ele e Marina "há mais convergências do que divergências".
- Nós trabalhamos para quebrar a polarização, não para reforçar um dos polos - afirmou a deputada Luiza Erundina (PSB). Efetivamente, Marina deve negar apoio aos dois candidatos. Quanto aos seus eleitores, cada um vote de acordo com sua consciência e sua história. Marineiro desde as eleições de 2010, sigo a orientação de Aécio. Ele tem razão: Dilma e Marina são farinha do mesmo saco. Embora bastante diferentes hoje. Neste segundo turno, sem Marina, mudo de farinha, mas não troco de saco. Com feridas expostas e sangrando pela brutalidade do PT, mesmo assim voto em Dilma.Agora é Dilma.
Quanto aos sacos, só se mantém de pé se houver algo dentro. O de Aécio está vazio.
P.S. Agradecemos algumas ideias que circularam no Grupo Biorana e recomendamos a leitura do artigo poético e esclarecedor de Daniel Aarão Reis - O voto da Geni - publicado na Folha de São Paulo (8/10).