CRÔNICAS

Quo vadis, Amazonas?

Em: 13 de Abril de 2008 Visualizações: 8396
Quo vadis, Amazonas?

.Meritíssima Juíza Etelvina Braga

Salutationes!
 
Ad te epistulam scribo, sed maculam non observat, cantator Waldickus Sorianus dixit. Ou, para os que não entendem ‘grego’: Saudações! Escrevo essa carta, mas não repare os senões, como canta Waldick Soriano. Venho solicitar, através dessa missiva, a revisão da sua decisão sobre as obras fantasmas no Alto Solimões, pelas considerações abaixo expostas, nas quais gastarei todo o meu latim e, se necessário, o estoque dos saudosos Fábio Lucena e Orozimbo Nonato.
 
1. O Governo do Amazonas, na gestão Eduardo Braga, cometeu – digamos assim – graves irregularidades com os cinco dedos da mão, o que nos faz suspeitar de que ecce piscis salmonideus, ou seja, de que aí tem truta. Uma delas foram obras fantasmas no Alto Solimões, no valor de R$ 18 milhões, envolvendo a Pampulha Construções e o CONALTOSOL, que segundo o senador Arthur Neto, é ‘uma verdadeira máquina de roubar dinheiro público’. Os amazonenses querem a punição dos corruptos.
 
2. O Ministério Público (MP) fez seu dever. Para poder encontrar provas materiais do orificius magnus, isto é, do enorme rombo, requereu a quebra do sigilo bancário, a apreensão de documentos dos envolvidos e o afastamento dos funcionários cúmplices. No resguardo do interesse publico, requereu ainda seqüestro de bens e bloqueio das contas bancárias da Pampulha e do CONATSOL, além da suspensão do contrato. A opinião pública ficou esperançosa: Latrones furunfati sunt, os ladrões serão punidos.
  
3. A ação entrou no Tribunal de Justiça (TJ) no dia 14 de março. Passaram horas, dias, semanas. No final do mês, o TJ devolveu-a ao MP, alegando que havia falhas no processo, pois algumas páginas não estavam numeradas. O MP achou que isso era uma estratégia para panzam impellere (empurrar com a barriga) a concessão da liminar. A promotora Silvana Nobre denunciou que a demora permitia a suppressio probae maracutaiarum, a eliminação das provas. A opinião pública, então, duvidou da Justiça.
 
4. Quase um mês depois, saiu, enfim, a decisão. A M. Juíza só acatou um dos pedidos: o afastamento temporário dos funcionários suspeitos de corrupção. Na verdade, foi um prêmio, porque eles deixam de trabalhar, mas recebem seus salários. Testemunhas juram que um deles, Marco Aurélio Mendonça, continua dando as cartas por baixo dos panos na Secretaria de Infra-Estrutura, vangloriando-se: sedet aeternumque sedebit (daqui não saio, daqui ninguém me tira).
 
5. Todos os pedidos foram negados, entre eles, a quebra do sigilo e a busca e apreensão de documentos. A Juíza não viu na ação do MP o fumus boni iuris, ou seja, a fumaça do bom direito, nem muito menos o periculum in mora, isto é, o perigo na demora. Sustentou, com muito latinorum, que ‘ainda não foi apurada a existência de dano ao patrimônio público com a sua devida especificação e extensão... havendo apenas indícios de que existem irregularidades.”.
 
6. Ora, se existem indícios do dano, só posso avaliar sua extensão rompendo o sigilo bancário. Mas isso não foi autorizado, permitindo-se que os réus apaguem os vestígios dos ilícitos cometidos, dando-lhes tempo para ‘ajeitar’ a situação, do ponto de vista contábil-fiscal e bancário. Podem até camuflar ou vender bens que serviriam, mais adiante, de garantia para o ressarcimento do erário. Com a quebra do sigilo, seria possível, ainda, verificar as transferências operadas entre a Pampulha, seus sócios e terceiros, revelando quem é o real dono da empresa e quem são os ‘laranjas’.
 
7. Ibi est culus cotiae sibilare, ou seja, é aqui que o fiofó da cotia assovia. Há fatos notórios que dispensam a produção da prova, de acordo com a lei processual civil: a atual sede da Pampulha no Tarumã, em Manaus, fica no mesmo local da antiga Exata, de propriedade de Otávio Raman. É realmente muita coincidência!!! A quebra do sigilo telefônico e de comunicação via internet dos principais indiciados permitiria apurar os laços que unem todos os participantes da quadrilha.
 
8. A M. Juíza Etelvina Braga destruiu as esperanças daqueles que confiavam na Justiça. Longe de mim querer ensinar padre-nosso a vigário, mas – data vênia – me parece que sua decisão peca por excesso de formalismo, preocupada mais com a numeração das páginas e com os ritos do processo do que em proteger os cofres públicos. Assim, acabou perdendo a noção de que o importante não é o processo, mas alcançar a justiça. O processo é apenas um instrumento para obter justiça. Nossa juíza, com todo respeito, confunde hábeas corpus com corpus Christi.
 
9. Quando exige os ritos processualísticos, a M. Juíza alega que está cumprindo a lei. Tudo bem, dicta est injuria quod fit non jure. O juiz, em tese, deve decidir dentro da legalidade, mas ele pode e deve interpretar a lei. Se não fosse assim, todas as sentenças seriam iguais, não haveria necessidade de juízes. No caso das obras fantasmas, a juíza se preocupou com procedimentos e formas e não com o assalto ao erário. 
 
10. Apesar do nosso ser um direito positivado, há juízes corajosos e sensíveis que fazem hermenêutica jurídica, interpretam a lei, com apoio no Decreto-Lei 4657 de 1942, conhecido como lei de introdução ao Código Civil, cujo artigo 5 diz: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ele se dirige e às exigências do bem comum”. Ora, o que o bem comum exige no caso de improbidade? A punição. A M. Juíza reconhece que há indícios de improbidade, mas por excesso de formalismos impede a busca das provas, a procura da verdade. Quanto mais dificuldades ela cria, mais se afasta do espírito da lei. O direito brasileiro está inchado de recursos procrastinatórios, que permitem adiar e protelar, tornando a justiça muito lenta. Justiça lenta é injustiça.
 
11. O Executivo pode errar: se Collor e Eduardo Braga aprontam, a gente luta contra eles. O Legislativo pode prevaricar:  as mutretas de Renan Calheiros e Belão não matam nossas esperanças. Mas se um juiz in maionesis resvalare, ou seja, escorregar na maionese, aí, meu Deus, a democracia corre risco. Vamos todos pro beleléu. A quem recorrer, M. Juiza Etelvina Braga? Lembro o conselho de D. Quixote ao Sancho Pança, governador da Insula: “se por acaso dobrares a vara da justiça, não o faças pelo peso da dádiva, mas por misericórdia”.
 
P.S. – Li que a secretária Kátia Valina está sendo fritada pelos vereadores da base do prefeito Serafim, por estar beneficiando a candidatura do Joaquim Lucena, de quem era sub-secretária. Esses vereadores estão com saudades do professor José Cyrino, em cuja gestão eles não comiam, mas também ninguém comia.

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