- “Em quem a sua mulher vai votar?” – perguntou a Folha.
- “Em quem eu mandar” – respondeu rápido o general Maynard.
Macho! O general Maynard Marques Santa Rosa é macho! Macho pacas! No diálogo acima, ele mostra quem é que manda. Concedeu longa entrevista a dois jornalistas da Folha de S. Paulo, publicada nessa segunda-feira, dia 17 de maio, numa página inteira, sob o título: “Governo Lula quer implantar ditadura totalitária no país”, com um boxe: “Democracia com limite até em casa”.
É engraçado. Por um lado, o general vê “anseio totalitário” no governo Lula, do qual discorda, por considerá-lo “intolerante e autoritário”; por outro, sem qualquer pudor ou desconfiômetro, anuncia que ele é quem manda no voto de sua esposa, dona Luiza Philomena Gonçalves de Santa Rosa. O diabo, no entanto, é que nessa eleição ele está perdidinho, não tem em quem votar, não sabe quais ordens dar à sua mulher.
- “Na Dilma não voto de jeito nenhum, mas não é fácil engolir o Serra” – ele diz. Justifica alegando que até agora não se sabe “quantas pessoas Dilma Rousseff assaltou, torturou, matou"... e quando a Folha argumentou que “até onde se sabe, ela não matou ninguém”, o general declarou levianamente: - “É o que ela alega. Sabe-se que tem vítima”. Quanto ao Serra, o general aceita a pergunta formulada pelos jornalistas: ele é difícil de engolir, porque “foi presidente da UNE, exilado no Chile...”
- “E a Marina Silva?” – pergunta a Folha, depois do descarte dos dois principais candidatos. Ah, o general também não vai mandar sua mulher votar em Marina, porque a candidata do PV “tem uma visão de Amazônia igual à da Fundação Ford, igual à dos americanos. É uma visão internacionalista”. Quem diz isso, curiosamente, é o general cuja cabeça foi feita pelos americanos no Curso de Política e Estratégia do Army War College, nos Estados Unidos, onde ele estudou em 1988-89.
Carta do coronel
É inacreditável! Um general, que até fevereiro deste ano ocupava o cargo estratégico de chefe do Departamento de Pessoal do Exército, pensa como um troglodita, sem querer com isso ofender o troglodita. E muito menos o general, que se comporta como a Carolina do Chico Buarque: o tempo passou na janela e ele não viu. O mundo mudou, o Brasil se transformou, mas o general, agora de pijama, continua vivendo em plena ‘guerra fria’. Não está entendendo bulhufas do que está acontecendo.
Não é a primeira vez que o general Santa Rosa infringe o Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), que proíbe “manifestar-se, publicamente, sem que seja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária” e “censurar ato de superior hierárquico ou procurar desconsiderá-lo, seja entre militares, seja entre civis”. Quando ele era chefe da Secretaria de Política e Estratégia e Assuntos Internacionais (SPEAI) do Ministério da Defesa se insubordinou em relação à demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol.
A declaração do general Santa Rosa, que foi chefe da Divisão de Contra-Inteligência do CIE do Exército, faz jus ao cargo que ele ocupou. Dessa forma, ele reforça o discurso dos generais Leônidas Pires e Newton Cruz a Globo News no mês passado. Toda noite, antes de dormir, esses generais devem verificar, com uma lanterna, se tem algum jacaré comunista debaixo de suas respectivas camas.
Mas a cumplicidade do pastor não resolve o problema do general: não ter um nome – umzinho só – em quem votar. O coronel colombiano, personagem do romance de Gabriel Garcia Márquez, não tinha quem lhe escrevesse, enquanto o general brasileiro Maynard Marques Santa Rosa não tem em quem votar para presidente da República e, portanto, não sabe como ordenar o voto de sua esposa.
O jornalismo brasileiro dará uma grande contribuição à democracia e à vida política do país no dia em que entrevistar não um general machão e fanfarrão, com suas bravatas, suas bazófias e sua visão maniqueísta do mundo, mas as mulheres dos generais. Depois que as mulheres conquistaram o direito do voto, em 1932, seria muito bom ouvir dona Luisa Santa Rosa, ela pode nos revelar coisas que o Brasil desconhece. Confio muito mais na sua intuição e na sensibilidade feminina do que na arrogância do general.
Nós estamos carecas de ler entrevistas de generais. O grande furo jornalístico seria uma entrevista com dona Luísa e com tantas luísas, silenciadas, caladas, com o discurso seqüestrado e a fala presa na garganta. São elas que constroem com seu trabalho cotidiano esse país, educando os filhos, organizando a economia doméstica, dando apoio logístico e às vezes até, fingindo, quem sabe, que vota em quem o marido ordena. Afinal, o voto é secreto.
Se o general, que não deve saber fritar um ovo nem pregar um botão numa camisa, também não sabe em quem votar, devia perguntar à sua mulher. Por que não ouvi-la? Em quem ela gostaria de votar? Talvez ela saiba com mais lucidez que o general o que é melhor para o Brasil.
Da minha parte, aqui na minha casa, a conspiração internacional já ganhou. Não tenho vergonha de confessar: aqui funciona o matriarcado, pois quem decide o meu voto é a patroa e as minhas nove irmãs mulheres, com quem já iniciei o processo de consulta.
Ainda bem que o general não tem em quem votar para presidente da República na próxima eleição. Essa é a melhor notícia que o Brasil pode ter. O terrível seria se ele tivesse várias opções, como ocorreu durante o período da ditadura militar quando eles decidiam sem consultar a população. Agora, por ironia, no próximo governo, existe a possibilidade de que eles sejam obrigados, talvez, a obedecer as ordens de uma mulher.