CRÔNICAS

Um blog chamado Lucta Social

Em: 21 de Março de 2010 Visualizações: 17669
Um blog chamado Lucta Social

"Aquilo  que se opõe à memória não é o esquecimento, mas o esquecimento do esquecimento".

(Deleuze . Conversações, 1992)

Quem foi Tércio Miranda? Levanta a mão ai quem sabe! Não é nome de rua, de praça, de monumento, de hospital, não é ensinado nas escolas, e nem aparece na mídia. Caiu no esquecimento? Na lembrança oficial sim, mas não na memória subterrânea de alguns lutadores, onde sempre permanece, mesmo nesses tempos bicudos. “A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento” escreveu Milan Kundera.

Tércio Miranda, já falecido, foi um tipógrafo anarquista, que viveu em Manaus no período da borracha. Quem quiser conhecê-lo melhor e lutar contra o poder e o esquecimento, compareça no próximo dia 29, às 16 hs, na Casa do Trabalhador, Rua Marcílio Dias, onde ele vai receber uma homenagem póstuma durante o lançamento da edição especial comemorativa dos 96 anos de ‘A Lucta Social’, jornal que criou em 1914.

Naquela época, a velha ortografia colocava um “c” no meio da luta e escrevia com “ph” palavras que hoje são grafadas com “f”, como pharmácia. Dessa forma, quem falava frases com a boca cheia de farofa feita de farinha espalhava “ph” pra tudo que é lado. Uma brincadeira infantil, que pode parecer meio despropositada para alguns, consistia em pedir ao colega que repetisse “a mamãe é rica porque pode”, esticando os dois lados da boca com o polegar e o indicador.

Foi assim, esticando os dois lados da boca, que ‘A Lucta Social’ abriu o bocão contra os ‘phoderosos’ que ‘podiam’ tudo com "ph": reduzir salários, demitir, aumentar a jornada de trabalho, não pagar horas extras, num momento dramático em que as plantações de borracha no Ceilão e na Malásia faziam a economia do Amazonas mergulhar numa crise profunda. Os arigós e os cabocos abandonavam os seringais e vagavam pelas ruas de Manaus, pedindo esmolas. Solidário, ao lado deles, estava Tércio Miranda.

Cadê a lucta?

Encontrei alguns exemplares desse jornal lá em Amsterdã, na Holanda, no Instituto de História Social (IISG), onde estive em maio de 1972, em companhia do historiador Victor Leonardi, ambos realizando pesquisas para o curso de pós-graduação que seguíamos na França. Quando voltei do exílio, trazia escondido uma cópia xerox de um exemplar com o carimbo: Internationaal Instituut voor Sociales Geschiedenis (IISG) – Amsterdam, que foi usada, em 1979, para editar o jornal do PT local.

Parece surrealista: um amazonense precisa ir à Holanda para conhecer um jornal de Manaus. É que na década de 1960, o IISG, preocupado com a queima de arquivos pelas ditaduras militares, percorreu países da América Latina, comprando documentação histórica de organizações, partidos, sindicatos e particulares. Formou, assim, rico acervo que está guardado num antigo armazém de cacau na zona portuária de Amsterdã, contando a história das lutas, das greves, das condições de trabalho.

Lá está ‘A Lucta Social’, valente, que traz sob o título a frase: “orgam operário livre”. Serviu de referência ao jornal mensal do PT no Amazonas que editamos em 1979. Com linguagem panfletária, sem prejuízo da informação, denunciamos a demissão de trabalhadores no Distrito Industrial, que haviam reclamado da comida podre servida no almoço. Não vou repetir o que aparece em artigos que estão no site Taquiprati: “Cadê a Lucta Social” (21/05/ 2006) e “A Lucta Social: 70 anos depois” (20/07/1984).

O dado novo digno de registro é que o jornal foi recriado pela quarta vez, agora em versão eletrônica (Luctasocial.blogspot.com) por Élson de Melo, “um operário lascado” – como ele se apresenta - da primeira geração do Distrito Industrial, “talvez o único operário remanescente da Diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos, eleito pela Chapa Puxirum, em 1983, que não virou empresário, nem está lotado em cargo público na máquina estatal do governo Lula, Eduardo ou Amazonino”.

Convivi com Elson na época da oposição sindical. Militamos juntos no PT. Tércio Miranda diria, seguramente, que o jornal por ele fundado está agora em boas mãos. Na versão eletrônica, Elson explica que “aceitou o desafio de retomar a ideia gloriosa de Tércio Miranda (primeira fase), Nicoláo Imentel (segunda fase) e Ribamar Bessa (terceira fase), todos editores do jornal A Lucta Social”.

Quem somos

Li o blog, que atualiza questões vitais para a população amazonense. Discute o meio ambiente, recolhe a polêmica sobre a barragem de Belo Monte e reproduz as informações proporcionadas pelo movimento SOS Encontro das Águas. Informa sobre a Semana do Ecossocialismo, teoriza sobre a economia solidária, não deixa de fora nem temas como a poesia de Ferreira Gullar, a falta d’água em Manaus, o sistema de transporte coletivo conhecido como “estresso”, a situação dos camelôs e até as futricas e brigas internas dentro do PSOL, em reunião num porão da Rua Luiz Antony.

[Ribamar+Bessa+1.jpg]

“Não é apenas o desafio de veicular uma nova fase do jornal que nos inquieta. O que nos leva a reeditar A Lucta Social é a falta de perspectiva na qual o Movimento Operário da Zona Franca de Manaus está mergulhado desde os grandes Movimentos Grevistas de 1985, 1986 e 1990. Principalmente quando constatamos que as atuais direções dos principais Sindicatos estão recheadas de burocratas e vendilhões dos direitos e esperanças dos trabalhadores” – escreve Elson no editorial.

Ele explica que “a nova fase do jornal A Lucta Social tem por princípio articular o movimento operário a partir do seu local de trabalho, visa orientar grupos de trabalhadores dentro de um programa de formação política e sindical voltado para o projeto estratégico do proletariado – o Socialismo – isso é, dar forma ao sonho dos criadores do jornal. Nosso objetivo é formar grupos de lutadores comprometidos com a história de transformação social”.

Os amargurados e desiludidos, que não veem mais possibilidade de mudar o mundo, acham que a luta, com “c” ou sem “c”, é coisa do passado, e que o socialismo é algo anacrônico. No entanto, a iniciativa de reeditar A Lucta Social é louvável em todos os sentidos, porque abre uma brecha de esperança e nos ajuda a saber quem, afinal, somos.

Fernand Braudel, historiador francês que não cessou de lutar, realizou pesquisas sobre o mar Mediterrâneo. Ele viveu mais de três anos no Brasil, no final da década de 1930, participando da organização da USP. Disse, com muita sabedoria: “A condição de ser é ter sido”. Cadê A Lucta Social? Está aqui, para nos dizer quem fomos e saber o que somos. A lucta continua. Não queremos  esquecer a esquecida luta dos trabalhadores 

P.S.1- O PT chegou a editar sete números do jornal “A Lucta Social”. O número 01 apareceu em setembro de 1979. Os quatro números seguintes circularam em 1980: em fevereiro (nº 02), março (nº 03), maio (nº 04) e junho (nº 05). O número 06 é de agosto de 1983, e o nº 07, edição especial, foi editado em maio de 1984, ambos já com o título de “A Luta Social”, abandonando aquela lembrança histórica do “c” original.

P.S. 2 – Impossibilitado de aceitar o convite para o evento na Casa do Trabalhador por residir em outra cidade, me sentirei representado com a presença de dois historiadores da Universidade Federal do Amazonas, Maria Luiza Ugarte Pinheiro e Luiz Balkar Sá Peixoto Pinheiro, organizadores do livro Imprensa Operária no Amazonas e criadores do LHIA - Laboratório de História da Imprensa no Amazonas, da Universidade Federal do Amazonas

 

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9 Comentário(s)

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José Barroncas comentou:
05/04/2010
Se eu revirar papéis amontoados e amarelados que ainda guardo é bem provável que encontre o Lucta Social, jornal de referência junto com o Poratim que você, Ribamar, escrevia com a máquina de datilograr colocada sobre as pernas. Lucta Social e Poratim me ofereceram as primeiras letras pra minha compreensão da realidade que fizeram ganhar consistência a minha incipiente intuição de que eu também precisaria participar da luta dos trabalhadores por uma sociedade mais justa e igualitária que eram as
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José Barroncas comentou:
31/03/2010
Se eu revirar meus papéis amontoados e amarelados que ainda guardo junto com os mais recentes é bem provável que encontre o Lucta Social, jornal de referência junto com o Poratim que você, Ribamar, escrevia com a máquina de datilograr colocada sobre as pernas. Tanto o Lucta Social, quanto o Poratim me ofereceram as primeiras letras para a minha compreensão da realidade que fizeram ganhar consistência a minha incipiente intuição de que eu também precisaria participar da luta dos trabalhadores por
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João Carlos comentou:
30/03/2010
Alô, Alô, Babá. Sem ter a pretensão de informá-lo, como, sem dúvida, o repórter Tambaqui lhe informaria, estive na reunião.Compondo a mesa: Elson Melo (sindicalista), Gerson Medeiros ( presidente estadual do PSOL), Marcos Queiroz ( presidente municipal do PSOL), Alex Mendes (jornalista). Éramos exatamente 15 (quinze) pessoas, na "platéia", Abel Alves (ex-dep. estadual), Evandro Carreira (ex-senador), Ana Grijó, Alexandre Otto e outros menos cotados, como eu. Enfim, o primeiro passo foi dado,
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Julio Cesar Nacimento comentou:
25/03/2010
Caro Professor, A iniciativa do companheiro Elson Melo,sindicalista de grande impeto no movimento operario do Amazonas, pessoa de historia que pode ser acompanhada nos livretos da historia do amazonas do comeco dos anos 80, é louvavel e foge do pelegismo que hj impera dentro de alguns sindicatos, essa iniciativa nao possui ganhos financeiros mas sim reconquista uma parte da historia operaria do Amazonas..... Julio Cesar Nascimento - Secretario Geral da Federacao Norte Nordeste dos Trabalhadores
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André Ricardo Costa comentou:
24/03/2010
Sugestão de pauta: Parece que o Amazonino tirou a disciplina História do Amazonas do Ensino Fundamental.
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André Ricardo Costa comentou:
23/03/2010
Tenho pena de alguém que confia em sindicatos. Pois como falou o profeta Jeremias: "Maldito o homem que confia no homem, que põe na humanidade mortal sua esperança." Veja quantos milhões de pessoas que, graças ao CAPITALISMO, saíram da linha da miséria nos últimos anos. Só na China foram mais de 100 milhões. E porque o tal instituto só veio atrás de publicações aqui na América Latina? Era só aqui que tinha ditaduras na década de 60?
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Daniel Costa comentou:
23/03/2010
Daniel da Costa Silva 21.03.2010 . 8:26 pm no Blog do Sarafa Muito boa iniciativa em prol da classe operária, porém ultimamente estou decepcionado com os sindicatos em que seus dirigentes estão mais preocupados nos seus próprios interesses e nos dos patrões, se eles pagarem. Daniel Costa
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Adenilton Lima comentou:
22/03/2010
Caro Professor Bessa, Informo que estamos publicando hoje em nosso blog seu artigo sobre a Lucta Social. Agradecemos a oportunidade de compartilhar com nossos leitores tão primoroso texto. Adenilton Lima (Pinto) - Secretário de Comunicação CTB-Am
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João Barros Carlos comentou:
21/03/2010
Sem estar amargurado, porém, desiludido, o meu comentáro é extraído de parte do seu texto, pois, um pouquinho mais experiente, estou convicto de que: ...o socialismo é algo anacrônico (uma pena! acreditei muito). No entanto, a iniciativa de reeditar A Lucta Social é louvável em todos os sentidos, porque abre uma brecha de esperança e nos ajuda a saber quem, afinal, somos. Sempre vale a pena lutar por aquilo que se acredita. Estarei lá no dia 29, às 16:00 h.
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