CRÔNICAS

Brasil: a Lagoa dos Negros (versión en español)

Em: 17 de Janeiro de 2010 Visualizações: 10262
Brasil: a Lagoa dos Negros (versión en español)
Os índios mapuches e os camponeses que vivem às margens de uma lagoa, ao sul do Chile, juram que, de vez em quando, aparecem boiando no espelho d’água cabeças negras, com cabelo pixaim. Dizem que as cabeças vão surgindo, uma depois da outra. Dizem que ficam de bubuia, flutuando por um instante fugaz e, depois, voltam para o fundo da lagoa, conhecida, por isso, como Laguna de los Negros. Algumas histórias que ainda hoje circulam falam em oito cabeças, outras em vinte e até mais.
 
Já tentaram fotografar as aparições, mas elas se mostram apenas em uma fração de segundo. Só quem pode vê-las é o morador da região, que sabe das coisas. Para os citadinos desinformados, vindos de fora, elas são invisíveis. Aí, como nada vêem, esses analfabetos da oralidade acham que tais “visagens” e “histórias de assombração” não passam de “fantasia de índio”, “superstição de camponês”, “crendice absurda”, “invenção”, “mentira” ou, no melhor dos casos, “puro folclore”, incompatível com a modernidade, a tecnologia, o pensamento científico, a metrópole, a internet.
 
Foi aí que um historiador, para quem só vale o que está escrito, vasculhou arquivos em busca de pistas que explicassem o fato. Descobriu na documentação antiga que o colonizador espanhol decapitava os índios ou amarrava uma pedra no pescoço deles, atirando-os no fundo daquela lagoa, que ainda guarda o mistério e o encanto do tempo em que foi mais larga e profunda.
 

O último registro escrito dá conta de um motim ocorrido em janeiro de 1804 no navio negreiro Prueba, quando 72 escravos trazidos da África em jaulas, como bichos, se revoltaram, mataram 18 marinheiros e exigiram que o capitão, chamado Carreño, voltasse pro Senegal. No retorno, um navio norteamericano atacou o barco e trucidou os revoltosos. Oito sobreviventes presos – um deles de nome Mure - foram condenados à morte e atirados no fundo da lagoa, de onde, de tempos em tempos, emergem.
 
As aparições
 
O pesquisador uruguaio Nestor Ganduglia, que sabe ler oralidades, considera as aparições como uma estratégia de preservação da memória popular. É assim que as pessoas humildes fazem: não escrevem livros, mas gravam suas experiências, quase sempre amargas e dolorosas, na paisagem, nos costumes, nos rituais, nos cantos, nas vozes que transmitem suas narrativas lendárias, criando redes subterrâneas que mantêm a memória viva em um mundo dominado por versões oficiais – ele diz.  
 
A História oficial - relato escrito dos vencedores - apaga os crimes hediondos e afoga as atrocidades dos poderosos no lago do olvido. Milhares de ossadas permanecem insepultas nas águas da nossa América. Para serem lembradas é que, de vez em quando, sobem á tona na voz do povo, que resiste ao esquecimento e manifesta seu assombro, ao repassá-las oralmente de uma geração a outra, transpondo as barreiras do tempo.
  
Eis o que eu queria dizer: o Brasil é uma enorme Lagoa dos Negros. Os horrores da escravidão foram esquecidos e os bandeirantes, que assassinaram índios, transformados em heróis. As narrativas das comunidades quilombolas, dos povos de terreiro e das aldeias indígenas continuam fora da sala de aula, do museu, do monumento e da mídia, apesar de uma lei recente obrigar sua inclusão nas escolas.
 
O atual debate sobre a ditadura militar revela como a memória é apagada. Durante vinte anos, a repressão política seqüestrou, prendeu, espancou, torturou e exilou milhares de pessoas, deixando um saldo de 144 mortos sob tortura e 125 desaparecidos, cujos cadáveres não foram localizados, entre eles o do amazonense Thomaz Meirelles, aqui citado no domingo passado.
 
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, ex-ministro da Justiça no governo FHC, de forma apressada, declarou ontem que os militares brasileiros desaparecidos sob os escombros no terremoto do Haiti não estão mais vivos. “A expressão desaparecido é técnica. Significa corpo não encontrado” – disse, prometendo localizar os cadáveres. Não quer, porém, igual tratamento aos desaparecidos políticos, que permanecem soterrados nos inacessíveis arquivos dos órgãos de repressão.
 
As memórias
 
Na disputa pela memória, o presidente Lula assinou decreto, contendo um montão de resoluções aprovadas na 11ª. Conferência Nacional de Direitos Humanos, entre as quais a criação da Comissão da Verdade, encarregada de esclarecer “as violações de direitos humanos praticadas no contexto da repressão política” durante a ditadura militar.
 
Lula explicou, anteontem, em entrevista a TV Mirante, no Maranhão, que o decreto manifesta apenas uma intenção: “O governo pode aceitar tudo, pode aceitar 80% ou 30%. Uma parte pode ser transformada em lei, a outra fica no programa”. A proposta pode ou não ser encaminhada como projeto de lei ao Congresso Nacional, onde vai ser analisada, discutida, emendada e votada, podendo ser aprovada ou rejeitada. O que a Comissão da Verdade vai fazer depende disso tudo e dos poderes a ela atribuídos.
 
Embora a Comissão da Verdade seja apenas uma proposta indicativa, bastante tímida, sem poder legal, mesmo assim os comandantes militares reagiram contra ela como senhores e donos da memória nacional, papel que não lhes cabe constitucionalmente. Não querem sequer que a idéia seja discutida. Foram intransigentes. Exigiram que a expressão “repressão política” fosse apagada no novo decreto. Foram obedecidos. Os arquivos militares continuam fechados. Só nos resta resistir, mantendo os torturados de bubuia no lago de nossa memória.
 
A tortura é considerada ilegal até mesmo pela legislação arbitrária de qualquer ditadura. Mas os torturadores só foram julgados – como Pinochet no Chile, depois de preso em Londres - quando os países que praticaram esse crime hediondo foram redemocratizados: Chile, Argentina, Uruguai, Portugal, Espanha, Grécia. Os processos judiciais atestaram a existência da democracia e contribuíram para recuperar a memória.
 
A Argentina acaba de abrir os arquivos da ditadura. O Chile investiu US $20 milhões para construir o Museu da Memória e dos Direitos Humanos, um edifício de cinco andares, projetado – oh ironia! – por um escritório paulista de arquitetura. Tem um arquivo no subsolo aberto para consulta, milhares de fotos, cartazes, textos e testemunhos em vídeos com crianças em busca de seus pais e avós, além de um espaço – o velatón – onde o acrílico reproduz as velas que eram acesas nos locais de execução.
 
Revanchismo? Insensatez? Não, apenas compromisso com a História. Cutucar a onça com vara curta? Pode ser se não sabemos o tamanho da nossa vara. Mas ninguém quer torturar os torturadores, apenas que respondam, dentro da lei, pelos atos que cometeram, assegurando-lhes um direito que eles não concederam às suas vítimas: o de ampla defesa. A impunidade deles contribui para que, ainda hoje, a tortura continue praticada em nosso país contra presos comuns, de origem pobre.
 
Muitas cabeças ainda vão boiar no lago da memória, até que o Brasil, efetivamente, se redemocratize e tenha consciência de que o futuro só se transforma se encararmos o passado. Por isso é que a memória é tão importante.
 
 

BRASIL: LA LAGUNA DE LOS NEGROS

Texto: José Ribamar Bessa Freire. Tradução: Consuelo Alfaro Lagorio

17/01/2010 - Diário do Amazonas

 

Los indios mapuche y los campesinos que viven a orillas de una laguna, al sur de Chile, juran que de vez en cuando aparecen flotando en el espejo de agua cabezas negras, con el pelo crespo. Dicen que las cabezas van surgiendo, una tras otra. Dicen que se quedan flotando por un instante fugaz y después, vuelven al fondo de la laguna, conocida por eso como Laguna de los Negros. Algunas historias que hasta hoy circulan hablan de ocho cabezas, otras de veinte y otras más.

Ya intentaron retratar las apariciones, pero aparecen una fracción de segundo. Solamente pueden verlas los habitantes de la región, que saben de lo que se trata. Para los que vienen de la capital, desinformados, los forasteros, las cabezas son invisibles. Así, como no ven nada, esos analfabetos de la oralidad creen que tales “visiones” e “historias de fantasmas” no pasan de “fantasía de indio”, “superstición de campesino”, “creencia absurda”, “invención”, “mentira” o, en el mejor de los casos, “puro folclor”, incompatible con la modernidad, la tecnología, el pensamiento científico, la metrópolis, la internet.

Fue ahí que un historiador, para quien solo vale lo que está escrito, investigó archivos en busca de pistas que pudiesen explicar este fenómeno. Descubrió en la documentación antigua que el colonizador español decapitaba los indios o les amarraba una piedra al cuello, tirándolos al fondo de aquella laguna, que todavía guarda el misterio y el encanto del tiempo en que fue mayor y profunda.

El último documento escrito registra un motín ocurrido en enero de 1804 en el navío negrero Prueba, cuando traían de África 72 esclavos que venían en jaulas, como animales, se rebelaron, mataron 18 marineros y exigieron que el capitán llamado Carreño, volviese a Senegal. Al regreso, un navío norteamericano atacó al barco y destrozó a los revoltosos. Ocho sobrevivientes presos – uno de ellos llamado Mure - fueron condenados a muerte y tirados al fondo de la laguna de donde, de tiempo en tiempo, emergen.

Las apariciones

El investigador uruguayo Nestor Ganduglia, que sabe leer oralidades, considera las apariciones como una estrategia de preservación de la memoria popular:

 – Es así como las personas humildes proceden: no escriben libros, sino que graban sus experiencias, casi siempre amargas y dolorosas, en el paisaje, en las costumbres, en los rituales, en los cantos, en las voces que transmiten sus narrativas legendarias, creando redes subterráneas que mantienen la memoria viva en un mundo dominado por versiones oficiales.

La Historia oficial - relato escrito de los vencedores - apaga los crímenes hediondos y sumerge las atrocidades de los poderosos en el lago del olvido. Millares de restos humanos permanecen sin sepultura en las aguas de nuestra América. Para que las recuerden, de vez en cuando suben a la superficie en la voz del pueblo, que resiste al olvido y manifiesta su asombro al repasarlas oralmente de una generación a otra, transponiendo las barreras del tiempo.

Era lo que quería decir: Brasil es una enorme Laguna de los Negros. Se olvidaron los horrores de la esclavitud  y los bandeirantes, que asesinaron indios, se transformaron en héroes. Las narrativas de los palenques, de los pueblos de terrero y de las aldeas indígenas continúan fuera de la sala de clase, del museo, de los monumentos y de los medios de comunicación, a pesar de que una ley reciente obliga su inclusión en las escuelas.

El actual debate sobre la dictadura militar revela como se apaga la memoria. Durante veinte años, la represión política secuestró, prendió, torturó y exiló millares de personas, dejando un saldo de 144 muertos bajo tortura y 125 desaparecidos, cuyos cadáveres no han sido localizados, entre ellos el del amazonense Thomaz Meirelles, citado en esta columna el domingo pasado.

El ministro de la Defensa, Nelson Jobim, ex-ministro de Justicia en el gobierno FHC, para salir del paso declaró ayer que los militares brasileños desaparecidos bajo los escombros en el terremoto de Haití no están vivos.

- “La expresión desaparecido es técnica. Significa cuerpo no encontrado” – dijo, prometiendo localizar los cadáveres. Sin embargo, no quiere tratamiento igual a los desaparecidos políticos, que permanecen soterrados en los inaccesibles archivos de los órganos de represión.

Las memorias

 En la disputa por la memoria, el presidente Lula firmó un decreto que contiene una serie de resoluciones aprobadas en la 11ª. Conferencia Nacional de Derechos Humanos, entre las cuales la creación de la Comisión de la Verdad, encargada de aclarar “las violaciones de derechos humanos practicadas en el  contexto de la represión política” durante la dictadura militar.

Anteayer, Lula explicó en una entrevista a la TV Mirante, en el Maranhão, que el decreto manifiesta solamente una intención: “El gobierno puede aceptar todo, puede aceptar 80% o 30%. Una parte puede  transformarse en ley, otra se queda en el programa”. La propuesta puede o no ser enviada como proyecto de ley al Congreso Nacional, donde va a ser analizada, discutida, emendada y votada, y puede ser aprobada o rechazada. Lo que la Comisión de la Verdad va a hacer depende de todo eso y de los poderes que se le atribuyan.

Aunque la Comisión de la Verdad sea solamente una propuesta indicativa, bastante tímida, sin poder legal, aún así los comandantes militares reaccionaron contra ella como señores y dueños de la memoria nacional, papel que no les cabe constitucionalmente. Ni siquiera aceptan que se discuta la idea. Fueron intransigentes. Exigieron que se apagase la expresión “represión política” en el nuevo decreto. Y así lo hicieron. Los archivos militares continúan inaccesibles. Solamente nos queda resistir, con los torturados flotando en la laguna de nuestra memoria.

La tortura es considerada ilegal aún por la legislación arbitraria de cualquier dictadura. Pero los torturadores solamente fueron juzgados – como Pinochet en Chile, después que fue preso en Londres - cuando los países que practicaron ese crimen hediondo fueron re-democratizados: Chile, Argentina, Uruguay, Portugal, España, Grecia. Los procesos judiciales atestaron la existencia de la democracia y contribuyeron en la recuperación de la memoria.

Argentina acaba de abrir los archivos de la dictadura. Chile invirtió US $20 millones para construir el Museo de la Memoria y de los Derechos Humanos, un edificio de cinco pisos, proyectado – ¡qué ironía! – por una firma paulista de arquitectura. Tiene un archivo en el sótano abierto para consulta, millares de fotos, carteles, textos y testimonios e vídeos con niños en busca de sus padres y abuelos, además de un espacio donde el acrílico reproduce las velas que se prendían en los locales de ejecución.

¿Revanchismo? ¿Insensatez? No, simplemente compromiso con la Historia. ¿Tocar el jaguar con la varilla corta? Puede ser un riesgo, si  no evaluamos bien el tamaño de nuestra varilla. Sucede que nadie quiere torturar a los torturadores, solo queremos que respondan dentro de la ley, por los actos que cometieron, asegurándoles un derecho que ellos no le concedieron a sus víctimas: el de amplia defensa. Esta impunidad hace que hasta el presente, la tortura continúe como una práctica contra presos comunes, de origen pobre en nuestro país.

Muchas cabezas van a flotar en la laguna de la memoria por algún tiempo hasta que Brasil efectivamente se re-democratice y tome conciencia de que el futuro solamente se transforma si encaramos el pasado. Por eso es que la memoria es tan importante.

 

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