... pois é, rapaz, e o Berinho, einh! Alguns leitores andam reclamando que a coluna há bastante tempo não implica com o Secretário de Estado de Cultura do Amazonas (SEC), Robério Braga, conhecido nas paradas como Berinho. Uma leitora, Adelaide Pessanha, cobrou:
- “Você, que odiava o cara, de repente ficou calado. O que aconteceu? O Taquiprati também se vendeu? Ou está com medo?”.
O também é ótimo (o grifo é meu). Publico aqui a resposta enviada para o e-mail dela:
“Prezada Adelaide, você está equivocada. Não odeio o Berinho, não tenho qualquer motivo para isso, não o conheço pessoalmente, ele nunca me fez qualquer dano ou desfeita. A bronca que tenho não é com o indivíduo, a quem desejo, sinceramente, tudo de bom, e não digo isso para parecer um cara bonzinho, sai do fundo do meu coração. É com o homem público, que tem uma visão estreita e limitada da cultura e da Amazônia. Vou tratar disso na coluna do próximo domingo. Abraços”.
Conforme o prometido, aqui estou me explicando para a Adelaide e para alguns eventuais leitores. O objeto da crítica ao eterno Secretário de Cultura reside nas políticas culturais que ele vem executando no Amazonas durante vários governos e a forma como vem gastando o dinheiro público. Para o Berinho, cultura é pirotecnia, ornamento, verniz. Ele só gasta grana com o enfeite brilhoso, o fogo de artifício, o colunismo social.
Essa atuação da SEC me fez passar, na qualidade de amazonense, muita vergonha, num recente congresso sobre o sistema nacional de bibliotecas públicas, realizado em São Paulo. A conferencista informou que entre os estados brasileiros carentes de bibliotecas, o Amazonas é o campeão. Quase 50% dos municípios do Amazonas não contam com uma biblioteca, sequer com uma prateleira de livros. Francamente: nem o Haiti submetido à extrema pobreza.
No entanto, segundo este Diário do Amazonas na nota intitulada ‘Mordomias’, a SEC está pagando 604,6 mil para a Uatumã Empreendimentos Turísticos Ltda. por hospedagens em hotéis, barcos de luxo, pousadas e casas, em Parintins, incluindo alimentação, para jornalistas, artistas, autoridades, jurados, convidados oficiais e técnicos que participam do Festival de Parintins.
Quantas bibliotecas poderiam ser construídas com essa grana? O Berinho organiza o tal do Amazon Film Festival, o Festival Amazonas Jazz e outros que tais. Entre os seus convidados, algumas pessoas sérias, talentosas e trabalhadoras – é verdade - mas de contrapeso uma cambada de vagabundos, cujo único mérito é ter participado do Big Brother Brasil. O pobre contribuinte amazonense, que não conta sequer com uma prateleira de livros, paga hotel cinco estrelas, uísque e tartarugada pra essa gente.
Confesso ainda que me incomoda no homem público Berinho a sua radicalidade. Ele é um extremista, um xiita, no que diz respeito à subserviência ao governante de turno. Não transige jamais. Não importa quem é o governador, pelo simples fato de sê-lo, merece o puxa-saquismo e a devoção do nosso herói. Ao contrário do anarquista espanhol, Berinho grita: “Hay gobierno? Soy a favor”. Ele entende que a Secretaria de Cultura existe para ser fiel ao Governo e não ao povo, ao palácio e não ao tapiri.
Daí, Berinho generaliza sua posição. Se ele, Berinho, serve a qualquer governo, a obrigação de todos os produtores culturais é também fazer o mesmo. Durante sua gestão na SEC, ao longo de sucessivas administrações, ele tem procurado servir de ponte, de elo, para essa operação de cooptar artistas, músicos, escritores, jornalistas, poetas, pintores. Felizmente alguns resistem bravamente.
A carta de Adelaide acabou me motivando a traduzir a letra de uma música de Georges Brassens, intitulada ‘Le petit joueur de flûteau´, com a qual venho namorando desde 1970. Não é bem uma tradução, mas uma versão livre. Nela, o cantor e compositor francês discute a relação do artista com o Poder. Afinal, qual o compromisso social do artista e do intelectual? A quem ele deve servir?
Acho essa canção tão comovente que gostaria de compartilhar contigo, leitor (a). Se conseguir transmitir dez por cento da emoção que senti, e contribuir para refletir sobre o papel da arte e do artista na sociedade, já estamos no lucro. Ai vai a versão que adaptei.
Trocaria minha cabana de palha
Teria vergonha de meus ancestrais,
Então, o flautista, humilde jogral,