CRÔNICAS

O urucu: da Bixa Orellana ao Capa-Homem

Em: 16 de Setembro de 1991 Visualizações: 1687
O urucu: da Bixa Orellana ao Capa-Homem

O urucu: da Bixa Orellana ao Capa-Homem

Quando Francisco de Orellana navegou pelo rio Amazonas, em 1542, viu pela primeira vez a Bixa, que hoje leva seu nome e ficou deslumbrado com suas flores rosadas. A Bixa, da família das bixáceas, estava enfeitada com folhas ovais hermafroditas e actinomorfas dotadas de pecíolos eretos e lanceadas com cinco nervuras. É preciso não esquecer que sua raiz tem propriedade béquica, ou seja, acalma a tosse.

Esta é uma das espécies medicinais da floresta amazônica, catalogadas em um das três publicações que a Bienal do Livro do Rio de Janeiro ofereceu ao público na semana passada.

Uma delas. “Plantas medicinais de uso na Amazônia” editada em Belém, é de autoria de José Evandro Carneiro Martins, membro titular da Academia Nacional de Farmácia. Os outros dois livros. com títulos similares, são de autoria, o primeiro de Maria Elisabeth Van Den Berg, pesquisadora do Museu Paraense Emilio Goeldi e o segundo escrito por quatro pesquisadores da UNESP, foi organizado por Luiz Cláudio Di Stassi.

Se você é um não iniciado e, como eu, não entendeu bulhufas do primeiro parágrafo, não precisa se preocupar. Pelo menos um desses livros, o da UNESP, apresenta no final uma lista de termos botânicos, químicos e médicos, além dos apêndices sobre folhas, flor e inflorescência, com desenhos bem didáticos, que até eu entendo.

Desta forma, ficamos sabendo que a Bixa Orellana é o nome científico da árvore denominada pelos povos Tupi de urucu (vermelho) usado na pintura corporal e em outras obras de arte, além de combater as irritações da faringe. Suas sementes trituradas são usadas como condimento: o popular colorau ou açafrão.

Papo-de-peru

Aprendemos ainda que a Aristolochia Trilobata conhecida pelos cabocos e ribeirinhos como urubucaá, capa-homem ou papo-de-peru tem diversas aplicações na medicina indígena especialmente no tratamento de dores e cólicas estomacais e até em picadas de cobra. O chá de suas raízes é emenagogo, isto é, regulariza a menstruação.

O estudo da Unesp foi realizado durante dois anos (1987-1989) em um trabalho de pesquisa e extensão realizado com os índios Tenharim e com os cabocos e ribeirinhos de Humaitá, no rio Madeira (AM). Além dos nomes científicos das plantas, a pesquisa recuperou as riquíssimas denominações populares das plantas, algumas já com indicações do seu uso.

Por exemplo, o popularíssimo Picão preto ou piolho-de-padre, cujo chá é usado no tratamento da hepatite, responde pelo nome científico de Bidens Bipinnata e fica todo besta quando se menciona sua família Asteraceae. Já o bucho-de-rã ou mata-fome, tiro e queda contra a malária e usado no tratamento de doenças imuno-inflamatórias, tem o nome aristocrático de Physalis Angulata.

Quando algum estudioso usa o nome europeu e diz: “Oi Leucas Martinicensis, por favor me ajuda a curar meus problemas digestivos”, a planta nem-te-ligo, nem vira a cabeça. Mas se chama pelo nome de batismo local - catinga-de-mulata ou pau-de-praga ou ainda cordão-de-frade, é atendido na hora e cura.

Elisabeth Van Den Berg catalogou durante doze anos por toda a Amazônia cerca de mil plantas com fins terapêuticos. Para isso, bebeu na sabedoria popular, entrevistando feirantes, mateiros, interioranos, indígenas e combinando essas informações com o que existe nos herbários do Museu Goeldi. 

O José Evandro, que durante 50 anos vem observando o uso das plantas, rende o seu tributo à sabedoria das culturas indígenas, responsável pela primeira leitura no uso de muitas plantas.

Jacaré e doenças

A Amazônia é o maior celeiro de biodiversidade do planeta. Na maior farmácia do mundo, os títulos de algumas notícias de jornais de Manaus, só na semana passada, foram:

* Malária está matando índios Mundurucus.

* Lepra avançou na Zona Franca de Manaus.

* Cinco mil casos de câncer no Amazonas

* Hepatite B mata em Codajás.

* Nanismo dispara no país, sobretudo na Região Norte.

Sem falar do ou da cólera (ainda se está discutindo o sexo do vibrião).

A atenção da população é desviada de seus problemas reais de saúde, quando o governador e seus secretários insistem em falar besteiras, dizendo que “o jacaré é o maior inimigo do Amazonas”. Por que não deixar o jacaré de lado e criar políticas para minorar a dor e as moléstias do povo amazonense?

O bispo da Prelazia de Itacoatiara, dom Jorge Marskell, numa iniciativa exemplar, publicou em edição mimeografada e artesanal, um receituário contendo os nomes das principais plantas de uso medicinal.

Em suas visitas semanais aos doentes do bairro de Aparecida, em sua militância na Pastoral da Saúde, dona Elisa não sai sem levar este livro debaixo do braço: é a sua Bíblia. Não é por coincidência que o Ministério da Saúde resolveu utilizar 15 mil agentes de saúde, recrutados voluntariamente pela Igreja e a CNBB, para tentar diminuir o sofrimento dos doentes.

Devotos de Etelvina

Depois de quatro anos de pesquisa, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e a Universidade do Amazonas, segundo noticiado aqui neste jornal, acabam de criar uma loção antimicose a partir da fava amarga.  E o New Drug Development Office de Amsterdã (Holanda) - registra o Jornal do Brasil - já liberou um milhão de dólares para a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) analisarem 1.200 extratos vegetais, levando plantas tropicais para os seus laboratórios.

E por favor, senhores deputado Átila Lins e governador Gilberto Mestrinho, não me venham com a conversa fiada de que isso representa a “internacionalização da Amazônia”, porque nesse papo, da forma como é colocado, ninguém mais acredita. Nem os mais fervorosos devotos de Santa Etelvina.

NOTAS

Gato e salsicha

Quando o gato some e a salsicha fica miando é porque alguma coisa está enganando – dizia o velho Manoel Tibúrcio, meu avô. No caso da histeria xenófoba, o senador Ronan Tito (PMDB-MG), integrante da CPI da Amazônia, revelou na semana passada ao jornalista Orlando Farias, em Boa Vista (RR), quem é que está enganando. Para o senador, quem está orquestrando toda essa campanha – onde o Átila Lins toca o bumbo – é a holding multinacional Paranapanema, interessada no monopólio da mineração em terras indígenas. Em 1987, a mesma empresa andou atacando o CIMI e a Igreja, através do “Estadão” e de outros jornais, que deviam ser excomungados pela mentira divulgada.

Tempo quente

Setembro é o mês mais quente do ano no Amazonas. Por que? Adivinhem as respostas dadas por quem não estudou o assunto. O culpado de tudo é o jacaré.

O deputado e “meteorologista” Eduardo Braga (PDC-Am vixe vixe) jura que jacarés e onças influenciam a temperatura alta que afeta a vida do caboclo amazonense. Sem o menor desconfiômetro, ele declarou aos jornais: “O forte calor e a grande umidade estarão presentes durante todo o mês devido às onças e aos jacarés que, nesta época, estão mais próximos das cidades e das vilas”. Juro que ele disse isso. E haja termômetro. E haja preces à Santa Etelvina, a padroeira dos lesos e abestalhados.

Ivo viu a uva

Funcionários da Companhia de Saneamento do Amazonas (Cosama) enviaram uma carta para esta coluna, informando sobre irregularidades cometidas pelo seu presidente Ivo Brasil. Primeiro, Ivo mudou o regulamento de pessoal da empresa para poder nomear o seu cupincha Pedro Marques do Nascimento Netto para o cargo de auditor chefe. Pedroca entrou pela janela, sem concurso ou qualquer tipo de seleção. Depois, Ivo passou a usar o motorista particular, cujo salário é pago pela firma de segurança Servis, prestadora de serviços contratada pela Cosama. Ivo, te cuida! Olha o que aconteceu com a dona Rosane Collor na LBA. Quem avisa amigo é?

Cartilha da Naná

- “As crianças de Manaus não nascem marginais. Elas são levadas ao erro pela fome, miséria, desnutrição, pobreza extrema e pelo comportamento de adultos irresponsáveis. Os verdadeiros marginais têm belas mansões, contas bancárias milionárias e só pensam nas crianças para engraxar seus sapatos ou lavar seus belos carros”.

Você ouviu bem, Euler Ribeiro? Escutou, Fernando Nicolau? Concorda, Átila Lins? A frase é da Secretária de Ação Social, Nazaré Soeiro, durante a entrega do restaurante do menor no bairro da Compensa.

Pombos

Em São Paulo, será implantado um sistema que combaterá a superpopulação de pombos, que “infestam as praças e os parques”. Os alimentos distribuídos às aves terão adicionados anticoncepcionais para reduzir a população das aves.

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3 Comentário(s)

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Mensagem do Taquiprati comentou:
25/10/2024
Oi Bacurau, não foi esquecimento não, eu não sabia que você havia publicado este livro. Só agora um exemplar me foi enviado pelo reitor Marcus Barros. O livro é graficamente atraente. Você e a UA merecem os parabéns. Nossos rivais, os bucheiros de São Raimundo que me perdoem, mas foi mais um gol do bairro de Aparecida, que botou nos Tocos.
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Marcus Barros comentou:
25/10/2024
Saudações universitárias. Depois de ler este artigo, aproveito para te enviar um exemplar do livro Plantas Medicinais Nativas e Aclimatadas da Região Amazônica de autoria do professor Paulo Roberto Castro da Costa, que você conhece.
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Paulo Roberto Castro da Costa comentou:
25/10/2024
Prezado Babá, quem te escreve é o Paulo Bacurau, teu vizinho do bairro de Aparecida e amigo de infância. Você esqueceu de mencionar o meu livro Plantas Medicinais Nativas e Aclimatadas da Região Amazônica, que acaba de ser publicado pela Universidade do Amazonas, instituição da qual sou professor e pesquisador.
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