CRÔNICAS

Quem tem medo de coronel?

Em: 10 de Março de 1992 Visualizações: 1967
Quem tem medo de coronel?

- Publio, o coronel quer falar contigo lá na sacristia.

 Pronunciada assim, naquele contexto, por um colega com o peito ofegante, em extremo nervosismo, quase em pânico, com os olhos lacrimejantes de bombas de gás, a frase era para meter medo em qualquer um.

Públio Caio não era qualquer um. Era líder do movimento estudantil e presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade do Amazonas. Mesmo assim, ficou pálido de medo. Fechou um olho, o lá de baixo, apertando-o bem. Não cabia um só cabelinho no fiofó. O regime ditatorial vigente explicava sua reação. Quem tem tu, tem medo, cuidado com o Figueiredo.

A ditadura militar estava ainda firme e forte, com o Brasil presidido pelo ditador, o general Figueiredo. Governava o Amazonas José Lindoso, ex-líder biônico da ARENA no Senado. Os estudantes haviam organizados uma passeata e haviam se concentrado na Praça São Sebastião.  Reivindicavam qualquer coisa que não lembro mais o que era. Só sei que não era o direito de jogar dominó. Era liberdade mesmo o que queriam. De verdade.

O Largo de São Sebastião se converteu numa praça de guerra, vocês se lembram? Havia meganha infiltrado até no bar do Armando.  Os soldados da PM invadiram a igreja e ocuparam a sacristia, onde instalaram o seu quartel-general.

Vandalismo policial

Dentro da igreja, arrombaram confessionários, pisotearam o altar-mor.  Baixaram o cacete no lombo dos estudantes. Fizeram o diabo. Até a imagem de São Sebastião ficou com um buraco no peito e não era de flechadas dos romanos, mas de bala de borracha da PM. Um deles assoou o nariz encatarrado com a estola de renda dos frades capuchinhos.

Por isso quando o colega repetiu: “Públio, o coronel quer falar contigo lá na sacristia" - era natural que o presidente do DCE começasse a rezar algumas jaculatórias ensinadas por dona Helena, sua mãe:

- Doce coração de Maria sede minha salvação e Jesus, Maria, José, minha alma vossa é". Ele já se imaginava interrogado, preso e torturado pelo coronel.

 A situação se tornava mais preocupante, porque agora não era só um, mas uma multidão de colegas que, nervosos, gritavam:

  •  Públio, vai lá na sacristia que o coronel quer falar contigo.

É. O interrogatório ia começar. Públio Caio, imbatível numa polêmica, com seu vozeirão empostado, sua retórica bem articulada e sua agilidade de raciocínio, é robusto de mente, mas franzino de corpo. Ele não foi gerado para sair no tapa com ninguém. Mesmo assim armou-se de coragem, aquela mesma intrepidez suicida com que, anos mais tarde, sozinho, enfrentaria o Mike-Tyson-de-Igarapé, o raivoso e agressivo Carrel Benevides. E saiu para o sacrifício, pronto para ser preso, espancado e interrogado.

 Mas o coronel que queria gravar o seu depoimento não era da PM, nem do SNI. Era um Coronel com “c” maiúsculo: Jefferson Coronel, hoje secretário municipal de Comunicação, na época repórter de uma emissora local de TV, que cobria a passeata e queria ouvir o outro lado.

As maracutaias

Públio Caio respirou aliviado, abriu o olho – aquele olho – e rezou mais algumas jaculatórias de agradecimento, encheu-se de bravura e aproveitou o microfone da emissora para esculhambar a ditadura militar. Macho pacas!

 Égua!  Nem sei mais porque estou contando essa história! Ah, já me lembrei. O episódio que acabo de narrar, absolutamente verídico, me boiou na memória, porque li a notícia de jornal intitulado: "Coronel Denuncia Amazonino".

 Olha só o lance. O Coronel denunciou as maracutaias da Suframa, que acaba de beneficiar duas empresas ligadas ao grupo do senador de Eirunepé, Amazonino Mendes (PDC vixe Maria) – a Exata e a Setentrional - com contratos de mais de um bilhão e meio de cruzeiros. Eles querem usar a grana para montar um jornal diário, em cores, uma emissora de rádio e dois canais de TV, tudo isso com dinheiro do contribuinte. Agora, o Coronel queria ouvir o outro lado.

Estou certo de que o suplente de vereador, Omar Aziz (PDC – vixe vixe) cumpriu sua função de moleque de recados e foi correndinho avisar:

- Amazonino, o Coronel quer falar contigo.

Acontece que no dia seguinte, terça-feira de carnaval, o Amazonino não teve coragem de dar uma entrevista ao Coronel, dando razão a Gabriel Garcia Márquez: o Coronel não tem quem lhe escreva e responda suas perguntas. E quem apareceu na redação do jornal foi o “general” – o prefeito Arthur Neto, que deu várias bicancas na canela do senador, aplicou-lhe catiripapos e terminou com um soco no fígado. Foi um verdadeiro sabacu.

Arthur Neto reforçou o que havia dito o Coronel e acusou Amazonino de enriquecer ilegalmente, através de roubo, lavagem de dólares e outras ações fraudulentas, além de usar pé-de-cabra para arrombar os cofres da Suframa.

 Aí eu pensei o mesmo que você pensou, leitor: um dos dois vai para cadeia. Ou Arthur por crime de calúnia, ou Amazonino como ladrão. Quem é que, tendo um mínimo de vergonha e decência - um tiquinho só, não processaria o autor de uma acusação grave como essa?  A não ser que tenha mesmo culpa no cartório.

Time is money

 Mas espia só o lance:  na sexta-feira passada, o senador de Eurunepé deu uma entrevista coletiva. Confirmou que está montando uma estrutura de comunicação, que comprou a TV Record e que agora, “neste ensejamento (sic) estou amealhando recursos entre meus amigos para comprar a RBN e implantar um jornal”. Anunciou, “no entretanto (sic), que "para não perder tempo", não iria interpelar judicialmente o prefeito Arthur Neto.

Parece que o senador não quer perder é a grana, porque a vergonha é dignidade já foram para as cucuias há muito tempo. Como é que alguém pode achar que se defender da acusação de ladrão é "perda de tempo"? E o tempo perdido para amealhar (que eufemismo cretino) 20 milhões de dólares com os amigos? Que amigos são esses? De onde eles tiram tanto dinheiro? Qual o interesse em fazer doações ao senador? Hein? Me diz, Otávio Raman, se a Exata passa pelo “teste heterodoxo da honestidade”, inventado por Antônio Magri, ministro do Trabalho de Collor de Mello.

Confesso que uma das tantas afinidades que tenho, mesmo de longe, com Félix Valois, é compartilhar com ele esse horror santo, esse nojo sagrado em relação ao que simboliza a figura emblemática de Amazonino. Não é nada pessoal. Não o conheço. Até agora, nunca fez nada de pessoal contra mim, ainda que tenha maltratado muito a cidade onde nasci. O asco é pelo que ele representa na vida pública amazonense.

O senador de Eirunepé representa o aviltamento da política, sua transformação de uma coisa pública em privada. Política, para ele é um negócio. Ele afasta as pessoas honradas dessa atividade, porque elas ficam horrorizadas, pensando que política é aquilo que o Amazonino faz. A política, leitor, é busca de respostas aos grandes desafios de nosso tempo, é uma arte bonita. Feio é o Amazonino, que conspurca, suja e polui uma atividade tão nobre.

Dentadura para pobre

As dentaduras tamanho padrão distribuídas demagogicamente por Amazonino entre os desdentados e os enlombrigados, que nunca a usarão para mastigar um naco de carne, isso é o Amazonino.  Ele mercadeja com a esperança dos famintos e despossuídos e, dessa forma, comete um pecado que brada aos céus e clama a Deus vingança.

 Quanta enganação! Quanto escárnio comete ele, quando entra numa favela, faz promessas mirabolantes e, banhado de suor, contamina-se com cecê popular para ganhar votos, que garantirão o desfrute de seu iate luxuoso, a mansão cinematográfica e as negociatas escusas. Ele usa, mantém e amplia a miséria e a ignorância do povo pobre para obter vantagens pessoais. O seu contato, na verdade, não é com o povão, cujos interesses legítimos ele pisoteia, mas com as "galeras e com o lumpesinato.

Amazonino, que simboliza um enorme atraso na vida publica do Amazonas, a ausência de debate e de circulação de ideias, bloqueia as discussões sobre os nossos problemas.

Quer ver um exemplo? A gente quer questionar as alianças do Arthur Neto, polemizar com ele, mas o fantasma do Amazonino não deixa. O medo de que as críticas ao PSDB possam fortalecer o projeto pessoal de Amazonino é maior do que o desejo e a necessidade da polêmica. O Arthur tem um projeto político com o qual divergimos, mas o Amazonino só tem projeto pessoal e aí só dá para tapar o nariz com os dois dedos para não sentir o fedor.

Intelectualmente medíocre, moralmente em estado de putrefação, o senador de Eirunepé simboliza tudo aquilo que a gente combate na luta política: a falta de ética, o gangsterismo social e a escrotidão mafiosa (desculpem-me, mas esse é o termo mais apropriado para o caso). Ele é o mais legítimo representante da lumpen-burguesia-de-igarapé.

É. O tom é esse mesmo. Todos os homens e mulheres de bem do Amazonas devem dar-se as mãos para barrar o Amazonino. O resto, as nossas diferenças, a gente discute logo depois. Olha só, maninha. Só em falar no nome dele, eu fico arrepiadinho. Passa a mão aqui no meu braço, passa. Vê como os cabelinhos estão todos em pé.

 O Amazonino rouba o nosso humor, o nosso riso a nossa alegria. Eu havia planejado escrever uma crônica divertida e leve - estava até legal, não estava essa história do Públio? Aí, o Amazonino se infiltrou nela sorrateiramente, ocupou o espaço e olha só o que saiu: pura indignação.

Por isso, acuso publicamente o senador do PDC de ser ladrão, também, de crônicas. Ele roubou a nossa crônica de hoje. E desafio a processar-nos. Será a primeira vez - perdão, a segunda - que um processador vira réu.

PS. O suplente de vereador Omar Aziz ameaçou dar um pau no jornalista Orlando Farias, porque não gostou de matéria publicada em A CRÍTICA. Recadinho para o Omar: se frescar com Orlando Faria,s tu vais te arrepender, bicho! Todos os jornalistas do Amazonas estão de olho em ti, bicho.

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1 Comentário(s)

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Luiz Pucú comentou:
01/11/2024
Tua crônica tem borduna...e pétalas...
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