CRÔNICAS

O batelão de Noé no dilúvio baré

Em: 24 de Março de 1992 Visualizações: 1536
O batelão de Noé no dilúvio baré

Deus olhou para a terra e viu que a Zona Franca de Manaus (ZFM) estava apodrecendo: corrupção, violência, lucros desenfreados e demissões mesquinhas de milhares de trabalhadores. Pensou em ligar todos os ventiladores de Manaus no mesmo momento e, dessa forma, mandar a cidade pro espaço. Mas leu o "Gênesis" e optou pela água.  Então, disse o senhor a Noé:

-  Eis que chegado é o momento do grande castigo. Faze para ti um batelão de madeira resinosa. Dividi-lo-ás em compartimentos e o calafetarás com breu e piche por dentro e por fora. Farás no cimo do batalhão uma janela com abertura de meio metro. Eis que vou fazer cair o dilúvio sobre a Zona Franca de Manaus, uma inundação em que exterminará todo ser que tenha sopro de vida debaixo do céu. Tudo que está sobre a terra morrerá. No entanto, farei uma aliança contigo: entrarás no batelão com tua família com as pessoas probas e íntegras e com o casal de cada espécie de animal.

Apesar de Deus falar com próclises, ênclises e mesóclises, Noé entendeu tudo e não pensou duas vezes. mas quando quis agir, foi informado por um advogado que o negócio não era bem assim, tinha de cumprir trâmites legais burocráticos. Contratou um despachante credenciado, criou a empresa Bateleichon Náutica da Amazônia Ltda. Registrou-a, pegou carimbos e assinaturas, reconheceu firmas em cartórios e encaminhou o seu projeto ao Conselho de Administração da SUFRAMA para obter incentivos fiscais. O projeto não foi colocado em pauta, porque Noé não tinha como comprovar a cessão tecnológica para construir batelões. O despachante esclareceu:

- O senhor precisa de um lobby, doutor Noé!

 Angustiado pela proximidade do dilúvio, Noé sem o consentimento de Deus, colocou o Diabo na jogada, associando-se então a Octávio Raman Neves, da Exata, que se ofereceu para “limpar a área”. Octávio deu um toque no senador de Eirunepé, que deu ordem ao capachildo governador Alfredo Nascimento, superintendente da Suframa. Assim, apesar das irregularidades, o projeto foi aprovado. Para ninguém desconfiar da mutreta, o deputado Ronaldo Tiradentes (PDC - viche! viche!) obteve da Assembleia Legislativa a concessão para Noé do título de Cidadão Honorário no Amazonas.

 Com a ajuda de seus filhos Sem, Cam e Jafet, Noé começou a cortar a madeira para construir o batelão, mas foi multado pelos fiscais do IBAMA, irritados com as denúncias do secretário do Meio Ambiente do governo Collor, José Lutzenberger, que ainda não havia sido demitido. Uma vez mais houve a intervenção do senador de Eirunepé, que obteve guias em branco do IBAMA para Noé terminar a construção de sua arca. Final de arca, o senador entendia muito bem. Então, disso o Senhor a Noé:

-Entra no batelão tu, toda a tua família e as pessoas honestas. De tudo que vive, de cada espécie de animal farais entrar no batelão um casal. Dentro de sete dias farei chover sobre a ZFM exterminarei da sua superfície todos os seres corrompidos e corruptos.

Noé fez tudo que o Senhor lhe tinha ordenado. No entanto, no momento da entrada dos animais, o advogado da Construtora Colmeia pediu data venia, enrolou um latinorum e demonstrou que quando Deus havia dito "um casal de animais", queria referir-se ao "animal político", no sentido aristotélico do termo.

Aí, forçado por uma liminar concedida por uma das Varas do Poder Judiciário, Noé colocou para dentro do batelão apenas os animais políticos: os répteis e ratos do PDC , os quadrúpedes do PFL, os urubus do PRN, os cetáceos do PMDB, as antas do PST, os tucanos do PSDB, as tartarugas do PCdoB, as araras do PDT e as pombas do PT. Aproveitaram a carona todos os vereadores ressarcidos e a parentada do César Bonfim, habituados a entrar pela janela, sob os veementes protestos do juiz Benedito Lira, que queria salvaguardar o bom nome do seu honrado irmão conhecido pelo apelido de "Batelão”.

Deus, ocupado com os escândalos federais, não tomou conhecimento dos arranjos locais. Estalou os dedos e mandou raios, relâmpagos, trovões e temporais sobre Manaus. Foi chuva que não acabava mais. O nível dos igarapés subiu, as águas foram engrossando sem poder escoar pelos esgotos entupidos, inundando tudo com violência.

Arrastaram as casas de Igarapé do Quarenta, deixando milhares de famílias desabrigadas. Provocaram o desmoronamento da favela "Meu-Bem, Meu-Mal". Invadiram os casebres do igarapé do Bodó no bairro da Raiz. Alagaram a Sapolândia, a Cachoeirinha, o Pantanal, desceram pela av. Eduardo Ribeiro, se espalharam pelas ruas Barroso, Saldanha Marinho e Lobo D’Almada, arrebentando suas lojas e enchendo-as de lodo e lama.  Carros, eletrodomésticos, móveis, panelas e penicos boiavam por toda a cidade.

Pela decisão divina, devia chover 40 dias e 40 noites, findos os quais Noé soltaria uma pombinha para verificar se a água havia baixado. Se ela voltasse com uma folha verde de copaíba no bico, é porque todo mundo podia sair.

 No entanto, Deus olhou para a terra e comprovou que na ZFM nem os desígnios do Senhor escapam da corrupção. Dolorido, constatou que por uma falha técnica ou perversão política, quem estava morrendo afogado eram os pobres de Jesus Cristo, os justos, os fracos e os humildes, desconhecendo que Ele havia feito a opção preferencial pelos lascados.

Seu Sagrado Coração ficou mais ferido ainda quando viu uma grande devota sua, dona Elisa (que por sinal fez aniversário ontem),  de bubuia, nadando pelo Beco da Bosta, coitadinha com o único braço que não fora atacado pela bursite, acompanhada de outras fiéis paroquianas de Aparecida, que se debateu nas águas: Glória do Brígido, Teresa Paixão, Dandãe, Suely Simões, Odete irmã da Mazoca, dona Maria Buriti, seu Agostinho, seu Zany dos Reis homeopata, o Padre Marcos e outros justos, leitores desta coluna.

- Isto não é justo - trovejou o Senhor. E com muita compaixão dos seus fiéis, Deus, então, fez soprar um vento sobre a terra e as águas começaram a baixar, abreviando assim o tempo do dilúvio.

Viu só, maninha? Por isso é que depois de uma semana de chuva, nesse último domingo um belo sol brilhou sobre Manaus. Agora nós precisamos de muito discernimento político para desalojarmos do batelão, nas próximas eleições, os répteis, os quadrúpedes e todos os bichos corrompidos. A desmontagem da engrenagem da máquina corruptora requer organização, lucidez e avaliação correta das possibilidades. Como Noé, é preciso soltar a pombinha pela janela para ver se dá a pé. Vamos ver se ela volta com o bálsamo da floresta no bico: uma folhinha verde de copaíba.

NOTAS

UM EM UM - O suplente ressarcido de vereador ressarcido Omar Aziz (PDC - vixe vixe) apareceu na coluna "Sim e Não" afirmando: “O meu partido tem força suficiente para sair sorrindo, com ou sem o apoio do governo do estado. Com o PSDB que nós jamais sairemos juntos”.  Macho pacas!  Vai fundo, Omar! Vai fundo, bicho!

TRÊS EM UM - Do deputado Ézio Ferreira (PFL vixe Maria)) em matéria publicada aqui em A Crítica: "PMDB-PSDB e PFL são três partidos num só coração". Oxente! Parece até o mistério da Santíssima Trindade.

QUATRO EM UM- O coração do vereador ressarcido Robério Braga (PFL, vixe vixe) é ainda maior que o coração de mãe. Na mesma coluna "Sim e Não"  ele Alerta: "Na aliança formalizada entre o meu partido com o PMDB e o PSDB tem lugar para o PDC, partido que já tem tradição da aliança e pode ser um bom aliado". O que é que o ressarcido ainda está querendo, hein?

SÓ PORQUE - "Arthur, tu fechaste o jornal só porque é do Amazonino?" - perguntou se em frase bombástica o deputado Raimundo Nonato Lopes (PDC-vixe viche) contra o embargo da obra pela Prefeitura. E tu, Nonatinho, estás defendendo o jornal só porque é do Amazonino? Ou não estás preocupado com os operários da obra que estão fazendo cocô debaixo de um tucumãzeiro?

BOM PARTO - Desde Domingo, dona Elisa começou as suas orações para Nossa Senhora do Bom Parto.

EL NINO -  Negando todas as evidências, José Belfort, secretário estadual do Meio Ambiente, declarou que as chuvas que castigaram Manaus são consequências "de uma provável demanda reprimida de chuvas ainda gerada pelos efeitos do fenômeno "El Nino”, que superaqueceu a atmosfera na Amazônia". Ah, bom! Agora sim, nós entendemos, não é leitor?

Endereço para correspondente: José R. Bessa Freire, Caixa Postal no. 105094, CEP - 24231 - Niterói – RJ

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