É crime alguém escrever um bilhete para um amigo pedindo que pague suas contas? O PC Farias, através de seu advogado, acha que não e com isso admitiu que pagou as contas do presidente Fernando Collor e as despesas com a Casa da Dinda.
Neste caso concreto existe uma atenuante. Todo mundo sabe, como disse o próprio Collor na TV, que ele poderia muito bem estar morando no Palácio do Planalto com todas as despesas custeadas pelo povo brasileiro. Preferiu o imóvel particular da Casa da Dinda, cujas contas são pagas por PC Farias, a quem ele chama carinhosamente de Paulinho, de acordo com as provas apresentadas pelo motorista Eriberto França.
Ora, se o povo devia custear as despesas de Collor e se o dinheiro usado por PC era verba desviada do Ministério da Saúde - portanto do contribuinte – o que o PC está fazendo é apenas dar destino correto e adequado à verba pública. O povo, que havia sido poupado, volta a cumprir suas obrigações de manter o inquilino no Palácio. Seria algo assim como se o Sérgio Frota pagasse as contas particulares da mansão do então governador Amazonino Mendes na rua Belo Horizonte?
O presidente Collor, aliás, decidiu esclarecer a questão, exibindo provas contundentes. À semelhança do finado Jânio Quadros, o atual presidente, vivo – vivíssimo – está escrevendo diariamente uma profusão de bilhetinhos aos seus assessores, alguns dos quais foram publicados pelos jornais. Nem todos para orientar falcatruas, como foi o caso do bilhete lírico para o jornalista Etevaldo Dias, no qual cita o poema do francês Sully Prud´Homme traduzido assim ao português:
“Sejamos como o pássaro / Pousado por um instante / No ramo mais frágil / que sente tremer o galho / e que, no entanto, canta / porque sabe que tem asas”.
O pássaro Collor tem asas?
Alguns bilhetes confidenciais e suas respostas não foram divulgados pela imprensa. Num furo jornalístico, a coluna Taquiprati passou a perna na Istoé e na Veja e revela agora, em primeiríssima mão o conteúdo dessas trocas de mensagens, esperando que possam fornecer subsídios à CPI do PC Farias
Não deposita
Casa da Dinda, 30/06/92
Paulinho,
O Eriberto botou a boca no trombone e criou a maior confusão. Tua conta fantasma que comprou o Fiat Elba para mim não deve mais ser usada. Para evitar qualquer tipo de suspeita, solicito encarecidamente que, a partir da data de hoje, você não deposite mais qualquer centavo nas três contas que estão no nome da minha secretária Ana Acioli, Maria Gomes ou Maria Acioli para não chamar a atenção do Tribunal de Contas. Também não precisa mais pagar as contas da primeira dama Rosane, a Quinha. Não se preocupe, que eu me viro. Enquanto não abrirmos outra conta no nome de Affonso Mello, fome não passaremos. Já tomei providências nesse sentido. Do amigo de A, B e C.
F. Collor
Racionamento
Casa da Dinda, 30/06
Quinha,
Precisamos racionar os gastos da casa, participando do sacrifício coletivo dos descamisados. Já é mais do que hora de assumir as tuas obrigações de dona de casa. Te matriculei no Curso de Economia Doméstica da Escola Rainha do Lar. Vamos ter de abolir a manteiga francesa Bordier da Normandia e substitui-la pela margarina Becel. Teremos de fazer as compras da semana na feira de Ceilândia, onde a verdura é mais barata. Também não convide mais os seus irmãos e primos para almoçar. A família Malta, insaciável, come muito e dá enorme prejuízo, sobretudo a Claudete. Precisamos conter os gastos. Do sempre
Quinho.
Mala Preta
Palácio do Planalto, 03/07/92
Meu caro Jorge Bornhausen,
Você é o catarinense mais horado do mundo. A divulgação da fita onde apareço chamando você de “o homem da mala preta”, capaz de comprar e corromper todo mundo, é uma trama do Sindicato do Golpe para nos dividir. Isso foi dito no calor da campanha eleitoral, onde a gente diz qualquer coisa para ganhar votos. O Brizola não falou na campanha que eu era filhote da ditadura? Eu não disse que o Lula iria confiscar a poupança popular? Jorge, I am not dog no. Sei que nos próximos dois anos e meio, você e o PFL não me abandonarão. Sincerely yours
Fernando Collor
Estou frito
Casa da Dinda, 05/07/92
À Secretaria de Imprensa da Presidência
Meu caro Pedro Luíz,
A CPI descobriu que os depósitos a meu favor não foram feitos pelo Cláudio Vieira, mas pelo próprio PC Farias. A “minha gente” entende numa boa que o dinheiro depositado pelo PC é dinheiro do povo, mas os golpistas da oposição tergiversam. Estou frito. O Getúlio Vargas, quando se suicidou, deixou uma mensagem: “Deixo essa vida para entrar na História”. O Jânio Quadros, quando renunciou, foi incisivo: “Deixa essa história para sair com vida”. E eu, Pedro Luíz, o que faço, o que digo?
Milagre
Secretaria de Imprensa, 05/07/92
Senhor Presidente
Agora só um milagre pode nos salvar. Sugiro que procure alguém que tenha a mesma intimidade com Deus que Vossa Excelência mantém com o PC Farias. Quem sabe o bispo Macedo? Se não der certo, lembro que o fotógrafo amazonense João Rodrigues, conhecido como Pinducão, tirou fotos dessa senhora, que mora no bairro de Aparecida, em Manaus, no maior papo com Deus na banca de tacacá da dona Alvina, em frente à igreja. Pinducão disse que ela tanta intimidade com Nossa Senhora Aparecida, que a trata de Cidinha.
Pedro Luiz
A coroa
Casa da Dinda, 06/07/92
Dona Elisa
Preciso urgentemente de sua ajuda. Levantamos informação no céu e descobrimos que o bispo Macedo não tem nenhum prestígio lá em cima. Em fax enviado ao seu xará PC Farias, São Pedro comunicou que a senhora tem o hábito de falar diariamente com Deus, Como a senhora sabe, a Nação vive momentos conturbados, assediada por invejosos e golpistas de uma minoria derrotada. Para o bem de todos e felicidade geral da Nação, peça a Deus que eu fique. Diga a Deus, não adeus. Ponho a coroa na minha cabeça, antes que algum aventureiro, do tipo Itamar, lance mão dela. Quem for brasileiro que me siga! Independência ou Morte! Peça à sua Cidinha que dê um jeitinho. Reze por mim.
Fernando Collor, o caçador de marajás
A resposta
Bairro de Aparecida, Beco da Bosta, 06/07/92
Presidente Collor,
Já que o senhor descobriu, não vou mentir. Realmente, todos os dias bato o maior papo com Deus. O esquema Elisa é tão eficiente quanto o esquema PC. Consigo tudo o que eu quero sem gastar um centavo, só na base do rosário, da missa e da jaculatória. Imagine que minhas orações foram capazes de desencalhar a minha filha Tequinha, que casou e casou bem. Com um arigó da peste, mas casou. Um rapaz honrado, igrejeiro, não perde uma novena. Agora, na questão política, não gosto de pressionar o Papai do Céu. Só fiz isso uma vez e não me arrependo: foi quando queriam impedir a candidatura à Câmara de Deputados daquela menina combativa, a Beth Azize. Graças aos céus, Deus me atendeu. Agora, o seu caso é muito complicado. A única coisa que posso pedir a ELE é que faça o que achar melhor para o povo brasileiro. E sinceramente não creio que o que é melhor para o Brasil e para o Senhor, é melhor para o senhor.
Elisa
P.S. Ah, esqueci de falar. Não votei no senhor, mas no Lula da Silva, em quem minhas 9 filhas e meus 3 filhos também votaram. O padre Clemente disse no sermão que é mentira: Lula não é comunista, ele só quer dividir o pão com quem tem fome.