CRÔNICAS

Conselhos para o Negão da Casa Branca

Em: 09 de Novembro de 2008 Visualizações: 9193
Conselhos para o Negão da Casa Branca

 

(De Angra dos Reis – RJ) A casa é branca, mas o inquilino, agora, vai ser um negão. Barack Hussein Obama Junior, 47 anos, é o primeiro negro eleito presidente dos Estados Unidos da América do Norte. Até ai morreu Neves.  O importante a destacar, porém, é que sua eleição nos permitiu conhecer uma safra de especialistas em política internacional, até então desconhecidos. Nem o campeonato brasileiro produziu tantos comentaristas e experts como a eleição de Obama. É impressionante a quantidade de neguinho que entende do assunto.

Nos jornais, rádios e canais de televisão, indivíduos sisudos, em geral de paletó e gravata, aparecem, de repente, como analistas da política norte-americana. Um deles fuma cachimbo, o que lhe dá um ar de sabichão. Com pose de entendidos, falam, explicam, comentam e opinam, alguns chegam até mesmo a dizer como é que o novo presidente deve governar. Eles nos fazem lembrar o pai do ex-governador Arthur Reis, Vicente Reis, colunista do velho Jornal do Commércio, de Manaus, fundado em 1904.

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Vicente Reis escrevia artigos inflamados sobre o conflito que matou 50 milhões e mutilou 28 milhões de pessoas. Ali, naquele jornal de Manaus, ele dava conselhos aos generais americanos e ingleses, com sugestões de tática e estratégia militar. Um dia ousou escrever, deplorando:

“Se Winston Churchill, primeiro ministro britânico, tivesse seguido as minhas recomendações da semana passada, Londres não teria sido bombardeada pelos alemães”.

Bem feito! Quem manda o Churchill não ler, na época, o jornal de maior circulação de Manaus!

Acontece que aquele jornalista aparentemente pretensioso, escrevendo num pequeno jornal provinciano, se sentia um cidadão do mundo e não renunciava ao direito de formar opiniões e de interferir na realidade. O precedente do velho Vicente e os posudos comentaristas da mídia constituem um estímulo para qualquer um dar pitaco. É como no futebol: a paixão faz que qualquer Zé Mané se transforme num Felipão. Por isso, daqui de Angra dos Reis, onde estou ministrando um curso, também meto a minha colher nessa sopa, aconselhando Barack Obama.

O Negão de lá

Antes dos conselhos, convém destacar algumas particularidades já registradas pelo noticiário internacional. O Negão de lá viveu parte de sua vida numa área pobre de Chicago. Altgeld Gardens é um bairro operário com 1.500 casas, cujos moradores foram vítimas de um crime ambiental. As fábricas ali instaladas contaminaram quimicamente a vizinhança com o arbesto, substância que causa câncer. Hoje, ele vive no Hyde Park, bairro de classe média. Não é nenhuma mansão como a do Tarumã, de propriedade do Negão de cá. Trata-se de uma casa confortável de dois andares, de tijolo marrom e janelas brancas.  O Negão de lá vive bem, mas não ostenta.

Sua mulher, Michelle Obama, é uma mulher simples, de classe média, com a beleza de uma tacacazeira da Praça XIV dos anos 1950.  Ela também foi criada num bairro pobre e violento de Chicago, mas os dois se conheceram em Harvard, universidade da elite, onde ambos estudaram direito, graças a bolsas de estudo que obtiveram com talento e inteligência. Hoje, as duas filhas – Malia (10 anos) e Natasha (7 anos) estudam na Escola Laboratório da Universidade de Chicago, uma espécie de Colégio de Aplicação.

O Negão de lá, antes de ser um político, é um intelectual. Gosta de ler e de escrever, publicou alguns livros e foi o primeiro editor negro da Harvard Law Review, a revista de Direito da Universidade de Harvard. Escreveu “Sonhos vindos do meu pai”, editado no Brasil com o título A origem dos meus sonhos (1992-1995). Em Chicago, freqüenta a Livraria 57th Street Bookstore. Seu gosto musical mostra que o Negão de lá era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones. Curte ainda Bob Dylan, Joan Baez, Stevie Wonder, Aretha Franklin.

O Negão de lá é honesto. Arrecadou dinheiro para sua campanha através da internet. Recebeu contribuições de milhares de pessoas, num total de US$ 660 milhões. Mas prestou contas de cada centavo. O Negão de lá não responde a processos. Não existe qualquer denúncia ou suspeita de corrupção. Não surgiu nenhum Marcos Valério com caixa 2 em sua vida política.

Guerra e paz

A vitória do Negão de lá despertou esperanças em todos nós. Ele assume o comando de um país em frangalhos, material e moralmente, desacreditado nacional e internacionalmente, que está à beira de uma profunda recessão, com um déficit publico de 3 trilhões de dólares, envolvido em três guerras com o Iraque, o Afeganistão e o Paquistão, ameaçando se alastrar pelo Kudomundistão e pelo resto do planeta.

O que entusiasma a todos nós, comentaristas amadores, é o fato de se tratar de um Negão, que ganhou as eleições num país onde a segregação racial era política de Estado há menos de 40 anos. Ou seja, até meados dos anos 1960 era absolutamente legal discriminar os negros, que não podiam usar os mesmos ônibus dos brancos, freqüentar as mesmas escolas, as mesmas lojas, os mesmos banheiros e lugares públicos. A estupidez racista era a lei dominante. A vitória de Obama lava a alma de todos os que somos, visceralmente, anti-racistas.

No entanto, é preciso chamar a atenção para o fato de que não se trata de um Negão qualquer, mas de um herdeiro político de Martin Luther King, que traz com ele a palavra de ordem da mudança. É isso que está emocionando o mundo que - como a Tereza Batista - está cansado de guerras. Se o novo presidente da República fosse uma negra, como Condoleezza Rice, responsável pela política belicista de George Bush, o papo era outro, porque não haveria luz no fim do túnel. Não estaríamos esperançosos.   

No dia em que se comemorava a vitória de Obama, uma noticia ocupava discretamente um pequeno espaço nos jornais. As tropas americanas, num pretenso bombardeio aos rebeldes talibãs, mataram 40 civis, feriram dezenas de pessoas, entre elas muitas crianças, num ataque aéreo a uma festa de casamento no sul do Afeganistão. Mataram o noivo e a família toda da noiva. Neste ano, foram assassinados mais de 4.000 civis naquele país pelo exército de ocupação americano. O Brasil inteiro se emociona com o assassinato de uma Eloá, mas permanece entorpecido com esses crimes em massa.

Então, imitando a Vicente Reis, o conselho que nós, daqui desse Diário do Amazonas damos ao novo presidente Barak Obama é que ordene a retirada imediata das tropas americanas daqueles três países e acabe com essa guerra estúpida, que envergonha e enlameia a nação americana. Um país que elege alguém como Obama como presidente da República não merece dar continuidade ao terrorismo de Estado sustentado por Bush, o maior carniceiro da história contemporânea. Espero que Obama siga meus conselhos e não faça comigo o que Winston Churchill fez com Vicente Reis.

P.S. – Eu ia comentar aqui o livro “O homem invisível”, do escritor negro norte-americano Ralph Ellison, mas não deu tempo de terminar a leitura. Fica pra próxima.  

 

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