CRÔNICAS

Voto nulo: Manaus que se lixe

Em: 11 de Novembro de 1992 Visualizações: 2319
Voto nulo: Manaus que se lixe

A cúpula do PCdoB, primeiro, e depois a direção do PT, já decidiram: no dia 15 de novembro, os seus militantes de Manaus devem votar nulo. A combativa vereadora Vanessa Grazziotin, com sua cara de anjo luciferina, justificou candidamente a posição do seu partido:

- Vamos votar nulo, porque não existem diferenças entre Dutra e Amazonino.

Não sei se debaixo dos caracóis de seus cabelos existe alguma reflexão. Sua – digamos assim – avaliação, foi confirmada pelo presidente do Diretório Regional do PCdoB, deputado estadual Eronildo Bezerra, cuja fala eu aqui traduzo com minhas palavras:

- Puxa vida! Como é que eu não tinha reparado antes? É impressionante como o Dutra e o Amazonino são iguaizinhos. A cara de um é o focinho do outro. São farinha do mesmo saco.

Diferenças éticas

Na minha modesta opinião, eles estão equivocados, leitor (a). Estão confundindo cinto com bunda e cipó com jerimum. Não entra nessa que é fria.

Eu já te contei, leitor (a) que fui fundador do PT no Amazonas e duas vezes seu presidente regional. Fui sim. Ajudei a fundar o PT Nacional em congressos em São Paulo com o Márcio Souza e o Aloysio Nogueira. Pois é. Continuo um petista convicto, mas não posso acompanhar este erro gravíssimo, que pode trazer consequências nefastas para a nossa cidade e debilitar ainda mais o próprio partido.

Eu me explico.

Não é verdade que você, leitor (a) não tem escolha. Tem sim. O Dutra e o Amazonino não são irmãos gêmeos. Não precisa atar um fio vermelho no pescoço de um para evitar confundi-los. As diferenças são gritantes: individuais, éticas e políticas, visíveis para quem quer ver. Quer ver?

O Amazonino nasceu pobre, mas declarou-se – e isto está gravado – como o homem mais rico do Amazonas, proprietário de mais de cinco quilômetros de praia no litoral paulista. A sua fortuna foi conseguida por métodos escusos, usando os cofres do Estado para tal fim.

O Dutra não é rico, é honrado. Foi coroinha na igreja de Barreirinha (aliás, por isso é que dona Elisa, que votou no Praciano, vai votar em Dutra). Numa campanha eleitoral com tanta baixaria, onde vasculharam toda sua vida para ver se ele bebia escondido o vinho que sobrava da missa, não conseguiram descobrir nada, sequer roubo de talher de avião ou que fez trapaça jogando dominó. Não rouba nem brincando. Então, se não pudemos escolher o nosso candidato no primeiro turno, pelo menos vamos escolher, no segundo turno, qual é o adversário que a gente prefere combater.

Essa diferença, por si só, já seria suficiente para tomar uma decisão, porque o Amazonino, que será favorecido com o voto nulo, representa tudo aquilo rejeitado pelo lado sadio do Brasil, entre outros elementos, a corrupção, que é por ele realizada com o sorriso nos lábios, apoiado por setores do lumpensinato, as massas miseráveis, famintas e desinformadas e agora – incrível! – com a indulgência complacente de certos setores de esquerda.

Em relação ao dinheiro público, Amazonino tem demonstrado  a mesma voracidade insaciável de Collor de Mello e PC Farias e a mesma inteligência de Rosane Canapi para justificar as bandalheiras cometidas para enriquecimento ilícito.

Diferenças políticas

Além dessa diferença ética – fundamental – existem diferenças no plano político. Se Manaus é uma noivinha, para usar a imagem de Josué Filho, podemos dizer que os dois pretendentes queriam enfiar no dedo da novinha uma aliança.

De um lado, existe a autodenominada Aliança do Povo congregando três partidos vixevixeados: PDC (vixe vixe), PRN (Deus me livre!) e o PDS (Mãezinha do céu, eu não sei rezar, só sei repetir que eu quero te amar). Justamente aqueles partidos políticos que deram sustentação a Collor. Essa é uma aliança roubada.

De outro lado, temos a Aliança Democrática, que inclui, é verdade, o PFL (vixe vixe) do ressarcido César Bonfim e do Átila Tribulins (por isso é que no primeiro turno não devíamos e nem podíamos votar no seu candidato), mas cujo núcleo central é o PSDB e o PMDB do velho Ulysses, que tem uma tradição de luta contra a ditadura militar, com participação ativa e decisiva no afastamento do Collor (por isso nele votaremos no segundo turno). Aliás PMDB e PSDB são quase sempre aliados dos partidos de esquerda, quando se trata de enfrentar a direita cavernária fascitóide nos segundos turnos da vida eleitoral. E nem o candidato a prefeito, nem seu vice Wilson Alecrim pertencem ou jamais pertenceram ao PFL  (Vade retro, capiroto!)

Eu te pergunto, leitor (a), faz um exame de consciência, olha para a câmara indiscreta do Clodovil e me responde com sinceridade: os dois são iguais? Como és bem informado (a) respondes: Nãããão. Ora, se não são iguais e só existem dois candidatos, então nós podemos e devemos escolher entre um e outro. O próprio voto nulo já é uma escolha. Por que, então, esses dois partidos pregam o voto nulo?

Cidadania anulada

Acho que suspeito o porquê. Não posso responder por meus amigos – o casal 20, comandante Eron e Vanessa – mas não tenho dúvidas de que muitas pessoas que pretendem anular o voto são puras, apesar de equivocadas no meu entender. Elas querem transformar radicalmente a sociedade. Como nenhum dos dois candidatos se enquadram nessa perspectiva e ambos defendem o sistema que aí está, esses eleitores preferem votar nulo, acreditando que assim estão firmando uma postura revolucionária de esquerda.

No entanto, como diz o filósofo marxista alemão Walter Benjamin, esse sectarismo de esquerda é uma postura à qual não corresponde mais ação política alguma. Essa omissão não está à esquerda dessa ou daquela tendência, mas simplesmente à esquerda de qualquer possibilidade. É de um individualismo e alarmismo gritantes, porque não pensa em outra coisa a não ser em deleitar-se consigo mesmo, numa tranquilidade negativista. Não está considerando a dinâmica do processo político, nem o destino da cidade de Manaus, mas única e exclusivamente a autoimagem pessoal. É como se dissessem: desde que eu conserve a minha imagem de revolucionário puro-sangue, Manaus que se lixe.

Tu pensas, leitor (a) que eu não gostaria de esculhambar com as duas chapas e lavar as minhas mãos? Declarar a pretensão de anular o voto é mais cômodo, a gente não se compromete com o resultado final e não se “suja” lavando as mãos como Pilatos. Nenhum cretino de chamará de “pena-de-aluguel”. No entanto, do ponto de vista político, da educação e do exercício da cidadania, o que é que se ganha com o voto nulo?

Em situações muito extremas, quando o jogo eleitoral está previamente fraudado e determinados candidatos estão proibidos de se inscrever, as esquerdas tem lançado mão corretamente do voto nulo, como ocorreu nas primeiras eleições organizadas no Chile por Pinochet, ou no Vietnã, nos anos 60. Neste caso, a perspectiva de obter um grande número de votos nulos serve para denunciar a farsa eleitoral e manifestar o descontentamento popular. É uma forma de luta.

Não é o nosso caso. Saímos às ruas para lutar pelas Diretas Já, pelo direito do voto que nos havia sido roubado pela ditadura militar. Interferimos, através de parlamentares de esquerda, na definição das regras eleitorais. Participamos das eleições no primeiro turno. E agora, dizemos às pessoas: - Olha, maninho¨, não usa teu direito de escolha não. Anula o teu voto”. Que papagaiada é essa?

Neste caso, quem vota nulo, não está anulando apenas o seu voto. Anula a sua própria cidadania, a possibilidade de interferir na escolha de seus representantes e de aperfeiçoar as instituições democráticas. Anula-se a si próprio.

Baita incompetência

No caso das atuais eleições para prefeito de Manaus, a situação é mais grave. Quem votar nulo, vai ter que assumir que ajudou a eleger o Amazonino. Não dá para alegar inocência e dizer depois: “Eu não sabia. Eu queria apenas ser neutro”. Isso vai ser cobrado com juros altos.

A neutralidade é mentirosa, quando não é expressão totalmente enganosa de uma baita incompetência. Falta competência para olhar no olho do eleitor e dizer:

- Escuta. Como vocês sabem o Dutra não era o nosso candidato e nem é. Ele participa de uma aliança contraditória, que tem um lado podre – o PFL – mas que engloba também outros partidos como o PMDB e o PSDB que, em outras cidades de outros estados, estão conosco para defender a democracia. O Dutra é honrado. Apesar de termos contradições e divergências, agora temos que assumir sua candidatura no segundo turno, como consequência do nosso fracasso, porque perdemos no primeiro.

Diremos ainda ao eleitor:

- Nós sabemos perder e tirar lições da derrota. Nós não queremos que aumente ainda mais o sofrimento da população.  Por isso, não vamos fazer como o Hadam Hussein que, ao perder, tocou fogo nos poços de petróleo. Vamos votar no Dutra e cobrar dele um compromisso com a população sofrida da cidade. Vamos fiscalizar, exercer o nosso direito de crítica e pressioná-lo. Não podemos entregar o patrimônio da cidade a uma quadrilha chefiada pelo outro candidato. Quando o Dutra se afastar da linha, nós faremos oposição a ele.

Da mesma forma que o reitor da Universidade do Amazonas, Marcus Barros, eu voto no Dutra por uma questão emocional: nasci em Manaus. E por uma questão de racionalidade política: sou filiado ao PT. Não quero ver minha cidade saqueada e pilhada. Quero ver Irene rir, quero ver Irene dar sua risada. Lamentavelmente, não posso acompanhar a posição oficial do PT local, reação medrosa a uma tomada de posição política, que além de ser prejudicial a Manaus, fragiliza ainda mais o partido. A esperança é que os eleitores do PT e do PCdoB sejam mais maduros do que a sua direção local e não anulem o voto.

Até a próxima terça-feira, quando o Dutra já será o prefeito eleito de Manaus, se Deus quiser. E Ele há de querer (Sentiu firmeza nesse final, leitora?)

P.S. - O leitor Osório, que recorta e coleciona os artigos da coluna Taquiprati, me mandou uma carta, onde faz críticas inteligentes e formula algumas perguntas. Tentei respondê-las hoje no texto acima, mas não sei se consegui. Duas observações deles, porém, ficaram de fora.

Na primeira, Osório indaga:

- “Será que o candidato Dutra é mesmo honesto ou não roubou ainda como o Amazonino por falta de oportunidade”.

Olha, Osório, eu só meto a mão no fogo pela dona Elisa, com exceção do dominó, lá ela trapaceia. Agora, nós só temos uma das duas escolhas: uma é a desonestidade comprovada, que nós rejeitamos. A outra é a honradez, pelo menos até agora. A gente fica com a última, porque pelo menos temos alguma chance. Nós não temos nenhum compromisso pessoal com o Dutra, mas com os princípios de honradez que, neste segundo turno, ele encarna. Se por acaso deixar de representá-la, invocamos o Botinelly: “Pau nele, companheiros”.

 Na segunda observação, Osório manifesta certa estranheza sobre a coincidência, nesse caso, entre a linha editorial de A Crítica e a coluna Takiprati em relação ao Amazonino. Como você sabe, Osório, este jornal já publicou textos meus que, às vezes, discordam da sua linha editorial. Alguns deles causaram problemas ao jornal, que é uma empresa com interesses, às vezes, diversos dos meus e aí eu recebo um “chega pra lá”, com uma sugestão de maneirar e mudar de assunto. Portanto, só temos a comemorar e soltar foguetes – e não a estranhar – quando as linhas coincidem. Você não acha?  

P.S. Dona Elisa, minha mãe, amiga de dona Maria, mãe de Umberto Calderaro, chamava-o de Umbertinho. Isso criou laços afetivos que ia muito além da relação profissional. Diante da censura feita por A Crítica a um artigo meu, enviei a carta abaixo.

CARTA A UMBERTO CALDERARO FILHO

De: José Ribamar Bessa

Para: Umberto Calderaro Filho

Caro Umberto,

No nosso relacionamento, por vezes contraditório, sempre mantivemos uma atitude de respeito mútuo e até mesmo de afeto. Minha opinião nem sempre coincide com a do jornal. A Crítica, frequentemente, num exemplo de pluralismo e democracia, publicou o que penso, mesmo contrariando sua linha editorial, o que no meu entender, dignifica e fortalece este jornal.

Outras vezes, A Crítica deixou de publicar meus artigos, como ocorreu recentemente, o que, como é natural, gera uma insatisfação profissional. Mesmo assim, ainda que não concordando, tento me colocar na tua pele e compreender as razões dos interesses da empresa. Nesses casos, avalio e reavalio o papel da minha coluna e me reprogramo, buscando encontrar uma linha de convergência, com a confluência de interesses, onde o espaço possa ser usado de forma inteligente, atendendo ao que penso, sem ferir a rede relações de A Crítica, compatibilizando-a com meus princípios.  

Ambos temos dado provas de tolerância, de compreensão e de negociação, não é verdade? Agora, pela primeira vez nesses últimos 15 anos de convivência, ocorreu algo que considero extremamente grave: meu artigo publicado no dia 06/10/1992 intitulado How do you do, Dutra, foi criminosamente mutilado.

Leitores amigos me telefonaram, sem saber do corte, protestando contra a publicação. Eu, sem saber do corte, defendi o artigo. A mutilação foi criminosa porque os meus leitores têm as suas expectativas sobre as crônicas e eu tenho as minhas sobre a conduta do jornal. Ambas foram violadas. Tudo isto ocorreu num contexto em que fiquei 21 dias emudecido, no período que antecede às eleições municipais e onde não pude manifestar minha opinião.

Você sabe muito bem, amigo Umberto, que o que me move a escrever não pode ser o salário, que é inexistente – e apenas nesse sentido não sou profissional. Minha sobrevivência e a de minha família sempre foi garantida pelo meu salário de professor concursado. Política, jornalismo e sexo, não faço por dinheiro. Faço por amor. Escrevo por prazer e pelo convencimento (ou talvez a autoilusão) de que posso contribuir para o pensamento e a reflexão dos leitores, para o debate das questões regionais e nacionais, para aperfeiçoar as instituições e ajudar nas transformações sociais que o País e o Amazonas tanto precisam com tanta urgência.

Somente hoje, dia 10 de abril, sábado, recebi o exemplar de A Crítica que meu cunhado me envia pelo Correio. Fiquei chocado ao ler minha coluna e verificar que um trecho de quatro parágrafos que eu havia escrito, foi suprimido.

O trecho suprimido foi o seguinte:

Pessoalmente, não enfrento este problema, porque mudei de domicílio eleitoral para o Rio. Votei na Benedita da Silva para prefeita e no Jorge Bittar para vereador, ambos do PT. Mas como amazonense, com o umbigo enterrado no Beco da Bosta, em Aparecida, confesso estar mais ligado nas eleições de Manaus, onde no primeiro turno cravei um “x” na proposta mais radicalmente transformadora que se apresentou. Minha cabeça e meu coração torceram pela Beth Azize: boa de briga, competente, honesta. Votei três vezes para vereador: Aloysio Nogueira, João Pedro e Praciano. Votaria também uma quarta em Nelson Fraiji, se ele fosse candidato.

Os “caras pintadas”, dona Elisa, minhas irmãs e eu estamos convencidos de que o programa defendido por Beth Azize e pelas forças políticas que a apoiam é o melhor para a nossa cidade. O diabo é que não conseguimos convencer a maioria da população oprimida e desinformada, tarefa essa que não se realiza da noite para o dia, inclusive porque nem sempre contamos com os meios necessários para executá-la. Quantas derrotas eleitorais sofremos no RJ e quantas lições delas extraímos, antes de dar Bené na cabeça?

Pois é, rapaz. O processo de educação política é mais demorado do que desejaríamos. A eleição é um episódio – importante – deste processo. A luta continua. Depende do nosso comportamento nesse segundo turno o avanço da educação política, nossa e dos demais eleitores. Depende do nosso comportamento, hoje, o resultado das eleições em 1994.

O que fazer? O melhor programa, do nosso ponto de vista, foi derrotado: Beth Azize não é mais candidata. Agora, é outra eleição. Temos apenas dois na disputa. De um lado, o atraso absoluto: o senhor do Castelo (PDC vixe vixe), “o homem mais rico do Amazonas”, com sua fortuna duvidosa acumulada à custa dos cofres públicos, da fome e da miséria do povo, com uma carreira política cimentada sobre a ignorância e a falta de informação.

Suprimida e censurada essa parte, o artigo continua como foi publicado originalmente.

Como você pode perceber, caro Umberto, a supressão acabou traindo o sentido global do texto, ao excluir a identidade política a partir da qual faço o resto da análise. Espero que tenha sido apenas um erro de composição, como fui informado por telefone ao me queixar. Neste caso, para recuperar o sentido original, basta publicar o artigo na íntegra, na próxima terça-feira, dia 15, com a observação pública de que houve um erro de composição, tal como feito recentemente com um artigo do Almino Affonso.

Da mesma forma que procuro, às vezes, me colocar na tua pele, você compreenderá, colocando-se na minha, que esta é uma condição profissional, política e ética para que eu possa continuar com minha colaboração semanal.

Caso não tenha sido um erro de composição, mas uma censura do jornal, entendo que estou sendo excluído do quadro de colaboradores de A Crítica. E aí, respeito a tua decisão e apenas lamento não poder mais continuar colaborando. Se essa segunda hipótese for a correta – o que espero não ser – cessa definitivamente a minha colaboração semanal, mas não cessa a nossa velha amizade e o afeto sincero que tenho por você.

Um grande abraço

José R. Bessa Freire, em 10-10-1992

Ver também: Adeus, amigo Umberto Calderaro -  https://www.taquiprati.com.br/cronica/464-adeus-amigo-umberto-calderaro

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