CRÔNICAS

No 2º turno: vota em quem preferes combater

Em: 24 de Novembro de 1992 Visualizações: 2172
No 2º turno: vota em quem preferes combater

.Pé-frio! É. É isso mesmo: pé-frio. Igual à Fafá de Belém, a musa das “Diretas Já”. Todos os candidatos apoiados por Fafá de Belém sempre perdem. Foram para o balatal: Ulysses Guimarães, Severino Tundis, candidato a vereador em Urucurituba e até mesmo um primo da cantora, Rosendo Júnior, que perdeu a eleição – dizem, dizem, não sei - para chefe de Departamento de Biblioteconomia na Faculdade de Ananindeua. Entre outros.

Igual a Fafá de Belém, o Babá de Manaus é um pé-frio. Perdi todas as eleições com as quais estive envolvido direta ou indiretamente. O Godofredo, candidato a prefeito em Niterói pelo PT, levou chumbo. Benedita no Rio de Janeiro morreu na praia. Em Manaus, Beth Azize se lascou no primeiro turno e o Dutra se ferrou no segundo, apesar de apoiado por Gilberto Mestrinho e por Arthur Neto. O nosso pastor em Itacoatiara foi garfado pelo Mamudinho. O Praciano e o João Pedro não conseguiram se eleger vereador e o último ainda ficou um pouco zangado comigo.

É muito pé-frio. A Fafá perde, mas pelo menos tem duas compensações: canta bem e tem dois respeitáveis peitões. Eu perco, canto mal e não tenho toda aquela petulância.

Que pena!

Ah, leitor (a), estou com muita peninha de mim. Você também vai morrer de pena, se te confesso que não consigo assimilar derrotas. Outro dia fiquei transtornado porque o Ferreti – genro preferido da Maria Edina – me deu uma surra de dominó, deu passe geral e ainda bateu com a carroça de sena. Bater com o chambão de sena é muita humilhação para o perdedor. E que humilhação!

Aliás, nós dois, eu e você, leitor (a), podemos morrer de peninha de Manaus: uma cidade que elege o César Bonfim, Robério Braga e toda a enfiada de ressarcidos, deixando de fora dois combatentes de valor como o Praciano e o João Pedro, merece o Amazonino que tem. Ai de ti, Manaus!

Amazonino, o pescoço de mola, infelizmente “passa gato” e também bate com a carroça de sena. E ainda esnoba: “Não quero quebrar a perna do adversário, quero fazer gols”. Mentira! Eu, pelo menos, já estou andando em cadeira de rodas.

Fiquei tão desesperado que nem consegui acompanhar ontem “Topázio” – a novela preferida da dona Elisa. Não encontro explicações para minhas derrotas políticas. Por que? Por que? Me diz, leitor (a), me dá uma luz pelo amor de Deus. Já li mais livros de ciências políticas que o Amazonino e o Alferes Tiradentes (o que não é nenhuma vantagem), mas não consigo encontrar uma explicação.

Ah, leitorazinha de minh ‘alma, como eu gostaria de ser o Luís Carlos Molión, que tem uma única explicação para tudo. Faz uns trocentos anos que acompanho o Molión pelos jornais. Terremoto no Peru? O culpado é El Niño. Enchentes no Amazonas e no Paraná? Foi um superaquecimento causado por El Niño.

- Como o sr. explica o furacão em Miami, dr. Molión?

- Trata-se de uma contrafação do El Niño.

- E o Tufão na Indonésia e na Malásia?

- El Niño se rebimbocou na parafuseta.

- E a seca no Nordeste do Brasil e as queimadas na África?

- El Niño se retraiu.

Molión, maninho, me empresta El Niño para explicar as minhas derrotas. Como eu queria ter aquela certeza quase fanática do Salgado da Convergência Socialista. Ele também tem uma única explicação para tudo. Basta colar a etiqueta de “direita” em quem não pensa como ele e pronto. El Niño resolve tudo.

Anjo luciferino

Sabe, leitor (a), num certo sentido, estou fazendo charminho. Nem tudo foi derrota. Ganhei algo com os meus artigos no Taquiprati. Ganhei sim: algumas incompreensões de leitores às vezes enfurecidos e de vereadores que atuam no mesmo campo que eu.

Você é testemunha, leitor (a), você viu como desenvolvi em crônicas anteriores uma argumentação contra o voto nulo. Ela podia estar equivocada, mas tinha que ser derrubada com ponderações e raciocínio. Diante de um bom argumento convincente, passo de mala e cuia para o outro lado. Acontece que os vereadores que querem anular o voto, no lugar de reflexões em favor do nulo, se agarraram numa questão superficial.

Numa brincadeira en passant, afirmei no meio do meu arrazoado contra o voto nulo, que a vereadora Vanessa, por quem tenho admiração e carinho, tinha “cara de anjo luciferino”. João Pedro e Aloysio Nogueira (PT), Jefferson Peres (PSDB) e a própria Vanessa se zangaram. Acharam que era “baixaria”. Não contra-argumentaram sobre o voto nulo e focaram apenas nessa brincadeira, para eles, de mau gosto.

Tudo bem. Ninguém é obrigado a compartilhar o mesmo tipo de humor. Se isso atrapalha a discussão, peço desculpas, retiro o que disse, dou meia-volta-volver e afirmo: Vanessa tem cara de querubim e de serafim. Agora, superado o óbice, espero que a discussão se torne exequível, como diria Dutra, para quem pedi votos no segundo turno.

Lucimar Mamão

Meu amigo João Pedro, com um humor involuntário, declarou que minha postura neste segundo turno me credenciava a ser um cabo eleitoral do Mestrinho, mais aguerrido ainda que a Lucimar Mamão. Será que preciso lembrar que quem apelidou de Mamão a Lucimar fui eu, numa época em que o João Pedro, o PCdoB ao qual era filiado e a Lucimar Mamão, na mesma salada de frutas, apoiavam, em 1982, na eleição de um turno o Mestrinho para governador? O nosso candidato do PT, Oswaldo Coelho, obteve 1.43% dos votos.

Por que em vez de me comparar a um simples cabo eleitoral não me compara a um general, o que é pior ainda? Claro, derrotado no primeiro turno sou obrigado a ficar ombro a ombro com o general Thaumaturgo, aquele que chamou Mitterand de “babaca” e ameaçou dar porrada em ecologista. E mais: estive no segundo turno com César Bonfim, Átila Tribulins, Robério Braga, Ézio Ferreira e todo o fisiologismo. Estivemos juntos no voto. Juntos, mas não misturados. E daí?

Toda essa corriola acima citada me saca, eles acham que não sou “flor-que-se-cheire” (e vice-versa), que abertas as urnas, cada um vai combater na sua própria trincheira. Todos eles fritariam a mim e ao João Pedro, se pudessem, porque sabem que ambos lutamos contra a injustiça social e por uma sociedade sem exploração e sem corrupção, e que depois, como sempre, estarei do lado de quem agora prega o voto nulo. Só João Pedro finge acreditar o contrário. Sossega, menino. Deixa de tolice. Aprende a perder, a reconhecer teus aliados eventuais e teus adversários.

João Pedro, no fundo no fundo é bom, inteligente e combativo, mas parece não entender bulhufas da função política do segundo turno. Confunde alianças táticas com estratégicas. Acha que pode se contaminar porque coloca um “x” no mesmo quadrinho que o César Bonfim. Esquece que o Lula, para derrubar o Collor e seu tesoureiro corrupto PC Farias, buscou corretamente o Roberto Marinho e que o Lênin, em julho de 1917, se aliou circunstancialmente ao seu adversário general Protopópov para impedir que o general Kornilov derrubasse o governo de Kerenski e com ele as liberdades democráticas.

Reparem bem: Lênin se aliou com Protopópov um nome mais esdrúxulo ainda do que Dutra, candidato a prefeito de Manaus.

Contra o atraso do Amazonino, que ontem na TV declarou arrogantemente, igual ao Collor, “meu partido é o povo”, faço alianças episódicas, eventuais, esporádicas e conjunturais com quem quiser, com o capiroto, à sogra do capiroto e até com o Átila Tribulins.  

Olha só, eleitor (a). Se o nosso candidato foi derrotado no primeiro turno, não podemos nos omitir em poder escolher no segundo turno o adversário mais conveniente para combatermos.

Éguate, Bob!

Aloysio e Jefferson Peres se enfezaram porque critiquei a direção local do PT. “Você está contribuindo para destruir o Partido” – disse meu velho amigo Aloysio. Peres (PSDB) confirmou: “Você não tem o direito de atacar o PT”.

O que que é isso, companheiro. O Aloysio, com um ranço stalinista, ainda acredita que “roupa suja se lava em casa”, o que acaba engessando o pensamento e abafando o direito à crítica. O Peres que me perdoe, mas criticar a direção local do PT não significa “atacar o partido”. Além disso, não preciso que ninguém me conceda o direito de opinar, avaliar e me pronunciar. Simplesmente, exerço a minha função que é a de qualquer cidadão.

Todos os quatro vereadores com quem temos divergência em relação ao voto nulo, são íntegros e honram qualquer Câmara Municipal. Não é o caso de um quinto edil, o ressarcido Roberto Alexandre, que tentou tirar uma casquinha da discussão e me acusou de “estar coagindo o eleitor a votar no Dutra”.

Éguate. Eu, Ein. Coação é um ato de força. Não tenho nenhum canivete, nenhuma baladeira, quanto mais metralhadora. Será que o Bob Alexandre falou isso porque avaliou que meus argumentos eram muito fortes? De qualquer forma, a conversa está na sala de visitas e ainda não chegou na privada dos ressarcidos. Vai te enxergar, Bob. Vai cheirar teu pé. Devolve primeiro a grana do contribuinte e aí, então, podemos conversar.

Fala, leitor

Seu Hilário é um (e) leitor que em janeiro vai completar 90 anos. Sei que ao ler isso, ele vai resmungar como sempre faz, às vezes até desaprovando: “Esse garoto é irreverente, irreverente”. Mas me diga lá, seu Hilário, o Bob Alexandre me deu alternativa? Não deu. Ele é muito enxerido e se meteu onde não devia.

Recebi 18 cartas de leitores com recados malcriados, alguns me esculhambando e pedindo o divórcio da coluna “Taquiprati”. O professor da Faculdade de Direito, Elson Andrade, conhecido como Elson Fininho, porque é gente fina, sensível e cordato, não deu refresco e mandou recado que sintetiza lucidamente a insatisfação de alguns leitores:

- Não vou mais ler a porcaria dessa coluna (parece que ele não falou “porcaria”, mas quem transmitiu o recado carregou nas tintas). Entendo que você tem o direito de defender o voto no Dutra. Mas insinuar que quem vota no Amazonino é burro, constitui uma falta de respeito aos seus leitores, alguns dos quais votam em Amazonino, o que pode não ser necessariamente o meu caso”.

Sei que no texto vale o que está escrito e não a intenção. Afirmar é algo objetivo, insinuar é subjetivo. Se alguns leitores fizeram esse tipo de leitura, então erramos, eu em escrever e o leitor em interpretar. Aceito a crítica. Elson, maninho, vai desculpando. Às vezes, no calor da porrada, a gente fica tão arrogante e prepotente quanto aqueles a quem criticamos.

Burro não! A dona Terezinha, lá da Compensa, com quem converso em casa, votou no Amazonino e é inteligentíssima, repleta de saber popular. O Osório é inteligente. O meu dileto Mário Adolfo é altamente criativo. Agora, a primeira está desinformada e, na minha opinião, os outros dois equivocados.

A Preta, minha irmã, é a Ramicul Oãmam, o extremo oposto da Lucimar Mamão. Sabem o que a Preta me disse? Que diante do Amazonino, Mestrinho é um santo. Um santo! Para o papa canonizar com direito à imagem no altar e figurinha na Folhinha do Sagrado Coração de Jesus. E eu concordo, isto é, se a Lucimar não ficar com ciúmes e o João Pedro tolerar.

P.S. Essa coluna foi publicada em 24 de novembro de 1982 em A CRÍTICA com o título "O pé-frio"

Ver também : https://www.taquiprati.com.br/cronica/570-voto-nulo-manaus-que-se-lixe

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2 Comentário(s)

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César Augusto Queirós comentou:
14/10/2024
"Se o nosso candidato foi derrotado no primeiro turno, não podemos nos omitir em poder escolher no segundo turno o adversário mais conveniente para combatermos". Com alguma tristeza e constrangimento, seguirei a sugestão sempre brilhante de José Bessa . P.S.: A crônica é de 1992!
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Thomazinho comentou:
13/10/2024
Muito bom, volta e meia dou uma zapeada no site. Aliás, muito atual, tapando nariz, vamos de Davi em Manaus.
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