.Quando o compositor e cantor Paulinho Kokay chegou à pequena estação rodoviária da cidadezinha mineira de Passa-Quatro, naquela manhã do dia 25 de abril, fazia um friozinho danado de outono. Kokay teve a impressão de que ele e o ultrafamoso repórter Mauro Roberto, que o acompanhava, eram provavelmente os dois primeiros amazonenses a colocarem os pés ali. A impressão logo se transformou em certeza:
- Eles chegaram!!! Os amazonenses chegaram!!! – gritava assim, com seis pontos de exclamação, um dos integrantes do Comitê de Recepção, que parecia um personagem de uma novela rural da Rede Globo. Se a Jacutinga e o coronel Inocêncio aparecessem ali, ninguém se surpreenderia.
Tivesse o fato ocorrido no início do século XVIII, Kokay seria considerado um “emboaba”, um forasteiro. Daria guerra. Mas como aconteceu na semana passada, deu viola e canto, porque os dois forasteiros chegavam para o Festival Internacional de Música de Passa-Quatro, com 34 inscritos, dos quais 30 eram mineiros, um paulista, um carioca e o amazonense Kokay. Todos foram recebidos com muita festa, numa demonstração da hospitalidade passa-quatrense.
Passa-Quatro
Estância hidromineral encravada no coração da Serra da Mantiqueira (MG), a 20 km da fronteira de São Paulo, a mineira Passa-Quatro, com 15.000 moradores, às vezes é confundida com a paulista Santa Rita do Passa-Quatro. Sua principal atividade econômica é a produção de batata, cultura típica das áreas mais elevadas, onde a temperatura média é relativamente baixa.
- Toda a região de Poço de Caldas da qual faz parte Passa-Quatro– me ensina o repórter Mauro Roberto - é responsável por um terço da produção de batatas de Minas. Mas nem só de batata vive o município. A Prefeitura, depois de vinte anos de inatividade, decidiu reeditar o tradicional festival intitulado “Canto de Minas” para concorrer com o “Festival Zequinha de Abreu” que leva o nome do autor de Tico-Tico no Fubá nascido em Santa Rita. Um palco foi armado na praça central da cidade, para onde converge mais da metade da população da cidadezinha.
Kokay concorreu com a música de sua autoria intitulada “Bailarina” por ele cantada todos os fins de semana naquele bar lá pras bandas do bairro D.Pedro, em Manaus, que tem um nome sugestivo: UTI. Ele subiu ao palco e lavou a égua. Quando terminou, o repórter Mauro Roberto distribuiu a letra impressa da música, acompanhada de um autógrafo do autor. As pessoas fizeram fila. A “Bailarina” foi classificada entre as dez finalistas que disputariam no dia seguinte o primeiro lugar.
No domingo, a disputa foi acirradíssima. O público decidiu antes do júri, aplaudindo e cantando a música do Kokay, que ganhou o primeiro lugar e abiscoitou dois troféus: melhor intérprete e melhor música. O segundo lugar ficou com “Flor da Paixão” de Klaus Maciel e “Disfarce” de Blaun. Há quem diga, mesmo reconhecendo a qualidade da “Bailarina” e de seu autor, que parte da vitória se deve a estratégia marqueteira de Mauro Roberto. O certo é que depois de Célio Cruz, em Santa Catarina, Kokay “é mais um amazonense que vence lá fora”.
As batatas
Por que a cidade é denominada de Passa-Quatro e não de Passa-Cinco? Mistério. Mauro Roberto não conseguiu apurar.
Passa-Quatro podia muito bem ter um vereador chamado Elpídio Magalhães eleito pelo PMDB, nascido em Barbacena. Elpídio poderia muito bem ter feito um projeto para premiar o vencedor do Festival com um caminhão cheio de batatas. Se fosse aprovado, Paulinho Kokay poderia alimentar o público do bar UTI com batatas fritas durante um semestre.
Elpídio justificaria seu projeto, argumentando que o caminhão de batatas, além de valorizar o produto local e projetar para fora as qualidades da batata passa-quatrense, tem suas raízes literárias:
“Rubião, logo que chegou a Barbacena e começou a subir a rua que ora se chama Tiradentes, exclamou parando:
- Ao vencedor, as batatas”.
Desta forma, Machado de Assis começa o capítulo CXCV do seu romance Quincas Borba. Rubião, o personagem central, já completamente delirante e pirado, adota a filosofia do finado Quincas Borba: uma tribo que elimina a outra atravessa a montanha e se apropria das batatas da tribo derrotada.
Paulinho Kokay, ao eliminar os outros 33 concorrentes, produziu na hora uma belíssima música para a cidade de Passa-Quatro colocada no ar de hora em hora pela emissora de rádio local e que, quiçá um dia será o hino municipal. Ela se tornou o maior sucesso da “ Vento Norte Produção”.
- Ao vencedor, pois, as batatas.
As batatas que Kokay ganhou foram: um passeio turístico na maria-fumaça, uma velha locomotiva de 1929 e um banho em companhia de Mauro Roberto na Cachoeira do Andorinhão, no bairro rural Alto Paiolinho, para usufruir de suas fontes de água medicinal.
P.S. – As informações sobre o Festival foram coletadas por Mauro Roberto que, por coincidência, vem a ser irmão de Kokay, Sérgio, Luciana e Ana Paula, que sonha com Estocolmo, os cinco são filhos de Bibi e Helena, netos de dona Elisa, primos de Geraldinho, Amaro e Fabico, que é pai da Malu e Ana Clara e tio do Silvinho e da Leila, sobrinhos de Glória, Regina, Dile, Teca, Tuta, Cado, Preta, Celeste, Bambi e Céu. Te passo essa informação, leitor (a), porque assumo que hoje a coluna Taquiprati virou um verdadeiro Tribulins: só entra quem é da família.