CRÔNICAS

Cadê a merenda do Cley?

Em: 10 de Outubro de 1995 Visualizações: 4420
Cadê a merenda do Cley?

.O amazonense Cley Trindade virou celebridade. O garoto de 16 anos, moreno e franzino, residente em Manacapuru, ganhou as primeiras páginas dos jornais, depois de dar um beijo e enfiar um boné na cabeça do presidente Fernando Henrique Cardoso, no final da semana, em Brasília, durante a festa de encerramento do 4º. Encontro de Meninos e Meninas de Rua.

Neste domingo, Cley foi o entrevistado do Jornal do Brasil. Ocupou uma página inteira, contando como era sua relação com o seu pai, sua mãe, seus seis irmãos. Narrou a migração da família do interior para a cidade de Manacapuru e sua experiência traumática como menino de rua, quando tinha onze anos. Cheirou cola, fumou maconha, bebeu cachaça e levou muita porrada da polícia.

A repórter do JB Eliana Lucena perguntou se Cley tinha vontade de deixar Manacapuru para estudar numa cidade maior e por que, aos 11 anos, ele havia começado a andar com os meninos de rua. Bastante lúcido, o menino respondeu:

- Tenho não. Pelo papai eu já teria saído. Ele quer que a gente vá estudar na capital, onde tem mais recursos, mas eu não quero. Em Manacapuru tem muita pobreza, mas em Manaus tem muito mais. Isso me faz muito mal. Eu fico indignado. Às vezes vou para a aula com fome, muita fome, e quando bate a hora do recreio não saio para merendar. Eu não tenho dinheiro, a escola não tem merenda pra dar pra gente.

Não se trata de um caso isolado daquela escola. Tal resposta leva à formulação de outra pergunta:

- Por que não existe merenda nas escolas de Manacapuru?

Desvio de recursos

Há mais de um mês, no final de agosto, o deputado federal Luís Fernando Nicolau denunciou o desvio de duas mil toneladas de merenda escolar, no valor de 6 milhões de reais, que dava para encher 215 caminhões e a barriga de todas as crianças de rua das cidades do Amazonas. Insinuou que o governador Amazonino Mendes e o secretário de Educação José Melo estariam envolvidos com “uma quadrilha, um grupo que se locupleta com o dinheiro público”. E justificou:

- “Não faço minhas denúncias de forma leviana. Tenho documentações, notas de empenho e notas fiscais para comprovar que a alimentação escolar de minha terra foi desviada. Esta é apenas a primeira de uma série de denúncias”.

Os acusados deviam processar o deputado por calúnia. Não o fizeram. O governador, como resposta, publicou uma carta na qual afirma que a empresa do filho de Luís Fernando Nicolau havia desviado recursos do FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, apropriando-se de 10 mil cadeiras escolares e de 400 mesas. Zé Melo acrescentou que Nicolau foi demitido da Secretaria de Saúde, no governo anterior do próprio Amazonino, “por desvio de material, superfaturamento e compras ao arrepio da lei”. O curioso é que o governador, que devia denunciar e processar seu secretário por roubo, nada fez e esperou vários anos para tornar público o roubo.

De qualquer forma, a mensagem foi entendida. Depois disso, Nicolau-lau-lau bate-perna bate-pau bateu fofo. Ficou mudo. Não prosseguiu com as denúncias seriadas. Também o governador e o secretário de educação calaram. Parece até que houve um pacto corrupto do tipo “fica quieto, Nicolau, que a gente também fica quieto”.

Mas, Deus do céu, são duas denúncias graves, com consequências dramáticas porque o roubo da merenda contribui para jogar as crianças na marginalidade. Se o Nicolau desviou recursos públicos, isto deve ser investigado e ele deve ser punido, devolvendo aos cofres públicos cada centavo surrupiado. Se Amazonino e Melo desviaram o dinheiro da merenda escolar, devem pagar por isso.

Impunidade

Em qualquer lugar do mundo, tais denúncias seriam motivo para abertura de processos. No Amazonas, não dá em nada. Porra nenhuma. Nem sequer processo por calúnia e difamação. Tudo continua como antes no quartel de Abrantes.

Quase cinquenta dias depois, onde está a Assembleia Legislativa que não procurou fiscalizar as ações do Executivo? Cadê o Poder Judiciário do Amazonas que não moveu uma palha, não cobrou do Nicolau as notas de empenho e as notas fiscais que ele diz possuir e nem pediu do governador provas do roubo das cadeiras e das mesas? É esse tipo de omissão que acaba desmoralizando tanto o Poder Legislativo quanto o Judiciário. E os partidos políticos, nada fazem?

O PT do Amazonas anunciou, finalmente,  que nesta semana vai entrar com uma ação junto ao Ministério Público com o objetivo de cobrar a apuração das denúncias feitas pelo deputado Luís Fernando Nicolau contra a SEDUC. Mas o próprio PT anuncia que não confia muito nos resultados, lembrando que a denúncia de r4ssarcimento médico e odontológico feita há mais de dois anos ainda não teve uma resposta do Ministério Público.

Essa é a verdade. Os partidos, as instituições e as pessoas não confiam no Poder Judiciário. Por isso, a emenda apresentada pelo deputado José Genoíno, no plano federal, para que haja um controle externo do Poder Judiciário acaba ganhando a simpatia da opinião pública.

Na semana passada, o presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas, desembargador Roberto Hermidas Aragão e o novo presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), desembargador Djalma Martins Costa criticaram a proposta de Genoíno com  argumento de peso. Mas data vênia, não foram convincentes, porque não se trata apenas de elaborar uma lógica argumentativa. É necessário apresentar um comportamento que afirme efetivamente a independência e a autonomia do Poder Judiciário.

Teste

Esta independência va9 ser testada agora com a ação popular movida contra o governador Amazonino Mendes e o prefeito Eduardo Braga por estarem usando “as obras e serviços executados por seus governos para se promover politicamente”, o que além de imoral, é anticonstitucional. As respostas do Judiciário no Amazonas em relação a este caso, ao desvio da merenda escolar e aos ressarcimentos médicos serão decisivas para o julgamento que a opinião pública fará sobre o controle externo de um dos poderes da República.

Deu nos jornais – 1) O deputado estadual (deputesta) Enéas Gonçalves ficou todo ouriçado com a visita ao plenário da Assembleia Legislativa de 17 candidatas ao título “Garota Cidade de Manaus”. Sapecou um discurso com aquela retórica ribombante e vazia do séc. XIX:

- “Como deusas do Olimpo, hoje vocês transformam esta Casa numa plêiade de rostos e sorrisos que embevecem a todos os presentes. Vocês parecem belas garças que contagiam os maguaris famintos”.

Recado ao João Pedro: Pelo amor de Deus, meu amigo, pede pro maguari do teu tio calar a boca e não envergonhar mais a família Gonçalves.

2) O deputado federal (depufede) Pauderney Avelino (PPB – minha santa periquita, que partido é esse?) manifestou sua intenção de disputar a prefeitura de Manaus:

- “A minha candidatura está nas mãos do governador. Tenho certeza de que Amazonino confia em mim” - ele disse.

Eu também tenho a mesma certeza, mas não custa nada dizer ao depufede Pauderney que uma candidatura se coloca nas mãos do eleitor e que é o povo  que deve confiar em Vossa Depufedência e não o governador.

 

 

 

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