.De Lima, Peru (via fax) - O recente naufrágio, em Singapura, do Calypso – navio de Jacques Cousteau – mereceu cobertura cuidadosa da imprensa peruana, que recordou a contribuição do explorador francês na localização das nascentes do rio Amazonas, em pleno coração do Peru, mostrada em documentários geográficos difundidos pela televisão no mundo inteiro, como lembram os jornais de Lima, de onde escrevo essas mal traçadas.
Onde é que nasce, afinal, o rio Amazonas?
Há mais de duzentos anos, diferentes missões estrangeiras tentaram responder esta pergunta. Em meados do séc. XVIII, o cientista La Condamine elaborou o primeiro mapa do grande rio, baseado em informações astronômicas e medidas geodésicas, seja lá o que isso signifique. Depois, vieram outros viajantes, entre outros, o conde de Castelnau, Paul Marcoy, Crevaux, Olivier Ordinaire, este último teve seu fiel cachorro, que o acompanhava, devorado por um jacaré no rio Pachitea.
Cada um deles indicava um local diferente dos Andes Peruanos. Patrocinado pela UNESCO, em meados de 1951, a Expedição Anglo-americana estabeleceu o lago Nicocha como a verdadeira fonte do Amazonas. Depois, o lago Lauricocha (lago azul), informação que circulou, a partir de então, nas escolas brasileiras, tendo sido registrada por Waldemar Batista de Salles no seu livro “O Amazonas – o meio físico e suas riquezas naturais”. Foi o que aprendi em minha infância, no Colégio Aparecida, em Manaus. Foi o que aprendeu no Colégio Ida Nelson, de Manaus, minha filha nascida em Lima, onde viveu dois anos antes de vir para Manaus:
- Eu sou como o Rio Amazonas. Nasci no Peru, mas vivo no Brasil – ela disse depois de uma aula de geografia.
O berço do Amazonas
Já a recente expedição de Jacques Cousteau situou o berço do rio Amazonas, em um pequeno manancial no monte Huagra, onde nasce o rio Apurímac, no sul do Peru. O rio é um só, mas ao longo do seu percurso recebe diferentes nomes – Carhuasanta, Lloqueta, Apurimac, Ene, Tambo, Ucayali. Entra no Brasil como Solimões e, a partir de Manaus, na foz do rio Negro, passa a ser chamado de Amazonas, até o Atlântico. A localização só foi possível graças à contribuição de Policarpo, índio Ashaninka (também denominado de Kampa) conforme depoimento do ex-presidente do Perú, Fernando Belaúnde Terry, em artigo assinado no jornal “El Comércio”.
- “O guia da expedição foi o nosso compatriota Policarpo, um índio Kampa que conhece a selva amazônica como a palma de sua mão” – escreveu o Belaúnde, assegurando que como presidente deu todo o apoio à expedição de Jacques Cousteau, porque havia avaliado sua importância na revelação dos segredos amazônicos e no mapeamento de paisagens até então ignoradas.
O ex-presidente relembra, ainda, que Policarpo foi o comandante de uma viagem exploratória que ele, Belaúnde, realizou aos rios Apurili, muitos anos antes, em 1961, bem como foi o guia contratado pela “National Geographic” em outra viagem do Peru até Belém do Pará, em 1970.
Novas tecnologias foram usadas nessa e nas viagens dos cientistas do Projeto Amazing Amazon, vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) que em 1995 realizaram pesquisas desde a nascente e ao longo do rio até a sua foz. Eles utilizaram imagens de satélite e fizeram análises comparativas dos aspectos químicos e físicos das águas e dos sedimentos coletados nas nascentes e na foz, o que lhes permitiu reforçar que o Apurimac é mesmo o berço do Amazonas, o rio mais caudaloso do mundo e o maior, medindo 4.195 milhas, que equivalem a um pouco mais de 6.751 km.
A contribuição dos cientistas e viajantes estrangeiros foi fundamental para conhecer melhor a região – diz Belaúnde em seu artigo. No entanto, ele presta homenagem ao Ashaninka-Kampa: “Para mim, Policarpo continua sendo o personagem mais importante destas explorações atrevidas. Honra a ele”