.Quem faz a História? Quais são os agentes reais do processo de transformações políticas, sociais e econômicas? A implantação da jornada de oito horas de trabalho no Brasil é fruto de uma canetada de Getúlio Vargas ou é uma conquista dos trabalhadores que fizerem greves, assembleias e passeatas de protesto? Qual é o palco onde se desenrola a cena histórica? Os atores históricos eram aqueles que estavam dentro do Teatro Amazonas, assistindo o tenor José Carreras, que cobrou R$ 1 milhão de reais por uma apresentação ou os que estavam na manifestação lá fora, reivindicando verbas para a saúde e a educação? Ou ambos?
A versão oficial, difundida nas escolas, “ensina” que quem faz a história são exclusivamente alguns indivíduos maquiados e apresentados como grandes heróis. Generais, banqueiros, políticos, presidentes, governadores, ministros, senadores, enfim, o encasacados. Confere-se ao comportamento desses indivíduos um caráter de exceção e anula-se a ação dos outros. A plebe ignara aparece apenas como plateia passiva do desfile desses personagens, sem direito a aplaudir ou vaiar.
Mas não é só o povão que está fora desse processo. A “história sem massas” é também uma “história sem mulheres”. Os heróis são todos homens. Sérios, solenes, irreais e chatos-de-galocha que proferem frases grandiloquentes e quando não o fazem, há escrevinhadores para inventá-las. Quase sempre, uns safadões, uns canastrões. As mulheres relegadas à cama e à cozinha não aparecem sequer como figurantes, nem sequer como mães, já que esses heróis pré-fabricados parecem ter saído de provetas ideológicas e não de útero materno. Herói de meia-tigela não tem mãe.
Por essa razão, a atuação de Diolinda Alves de Souza, líder dos sem-terra, está encharcada de significado histórico. Ela coloca no cenário político do país a figura da mulher lutadora, mas especialmente a ação coletiva dos humildes, dos lascados, dos oprimidos, dos pequenos, dos anônimos que combatem pela reforma agrária no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), tornando-se dessa forma agentes do seu próprio destino.
Pela quarta vez, Diolinda é separada de seu filho de dois anos, João Paulo, presa e humilhada como se fosse uma criminosa. Tudo isto, por decisão de um juizinho de Pirapozinho, interior de São Paulo, que a acusou de formação de quadrilha. Nessa perspectiva, uma assembleia de trabalhadores reunidos para encaminhar suas lutas é considerada formação de quadrilha. Enquanto isso, as verdadeiras quadrilhas de colarinho branco continuam impunes.
A prisão foi tão escandalosamente arbitrária que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) derrubou a decisão de Pirapozinho, permitindo que Diolinda volte ao seu filho e à luta dos sem-terra.
Um dos ministros do STJ, Ademar Maciel, ao votar, fez uma análise da situação fundiária no País, defendeu o direito dos sem-terra e considerou a luta do MST como a tentativa de realizar “uma reforma agrária feita de baixo para cima por um clamor popular, já que os diferentes governos não a fizeram”. Ele criticou com veemência a política fundiária e perguntou se, diante desse quadro, os sem-terra não estariam lançando mão do legítimo direito de resistência. Ou seja, o ministro reconheceu os camponeses sem terra como protagonistas, como fazedores de história.
A mesma elite neoliberal que fala em modernizar o País mantém uma estrutura fundiária retrógrada, irracional e injusta. A bancada ruralista no Congresso Nacional quer que o Brasil entre no séc. XXI como uma grande capitania hereditária, com muita terra concentrada em poucas mãos, muitas vezes improdutivas e com milhões de trabalhadores sem um pedaço de chão para plantar.
Diolinda exerce a liderança do MST em São Paulo, ao lado de José Rainha Jr. com quem é casada. Desde 1985, aos 15 anos de idade, ela vem participando com a mãe Diomara Maria Rosa das retomadas e ocupações.
As mudanças que se fazem necessárias dependem, no entanto, da capacidade de luta e do êxito das Diolindas, das Diomaras e dos anônimos sem-terra. Neles, nesses fazedores de história, está depositado o destino do Brasil.