.“Tentar imaginar o que teria sido o mundo se Deus tivesse conseguido um orçamento e roteirista melhores”. Woody Allen.
- Professor Danilo Babão, o Governo do Amazonas jura que não tem verbas para a saúde e a educação. Se o dinheiro sumiu, cadê o gato?
A pergunta feita à queima-roupa desconcertou Danilo Gurgel do Amaral, ex-professor de Economia da Universidade do Amazonas (UA). O apelido carinhoso foi dado pelos alunos, porque durante suas aulas ele não tirava o cigarro do canto da boca, lambuzando a lapela do paletó impecavelmente branco. Morreu há anos em Belo Horizonte.
O contato com o espírito de Danilo Babão aconteceu no velho ICHL, que havia sediado o seminário São José. Não foi fácil. Seu celular estava sempre fora da área. As linhas se entrecruzavam:
- Alô, Além?
- Não! Alenquer, no Pará. Foi engano.
Depois de muita reza no oratório do antigo seminário, o espírito do Babão baixou, enfim, graças à intermediação de Nelson Rodrigues, para quem as entrevistas reais são sempre falsas, porque os entrevistados nunca dizem o que pensam e sentem. É um jogo de esconde-esconde. Diante dos jornalistas, fazem pose e mentem descaradamente. Jogam para a plateia. Por isso, Nelson defende a entrevista imaginária como a única possibilidade de arrancar do entrevistado as verdades que ele não diria nem ao padre ou ao psicanalista.
Portanto, a nossa entrevista imaginária e, ainda por cima com um morto, é duplamente verdadeira. Vozes do Além não mentem. Mortos costumam dizer tudo o que pensam, porque não temem mais demissão ou perseguição, não têm medo sequer dos milicianos ou da PPK. Diante da eternidade, o que significa Klinger Costa, secretário de Segurança? Nada. Repeti a pergunta inicial com outras palavras:
Takipratri (TKT) – Na qualidade de especialista e professor de “Análise de Balanços”, o sr. pode nos dizer para onde está indo o dinheiro arrecadado pelo Governo do Estado do Amazonas?
Danilo Babão (DB) – Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que nunca em toda a história do Amazonas entrou tanto dinheiro nos cofres públicos como agora. Em 1995, o Estado arrecadou R$ 1.612.735.474,66. Repita comigo em voz alta, meu filho: um bilhão, seiscentos e doze milhões, setecentos e trinta e cinco mil, quatrocentos e quatro reais e sessenta e seis centavos.
TKP (depois de repetir) – Mas isso é uma pororoca de dinheiro. Estamos mergulhados na bufunda...
DB – Meu filho, o governador Amazonino Mendes, doravante denominado aqui pelo auto apelido de “Negão”, pelo qual ele gosta de ser chamado, toma banho de moedas diariamente e nada numa piscina de dólares como o Tio Patinhas. Para você ter uma ideia do que isso significa, a receita de 1994 – considerada enorme naquele momento, foi de 610 milhões de reais. Ou seja, no primeiro ano de governo, o Negão arrecadou quase três vezes mais do que Gilberto Mestrinho em seu último ano de governo.
TKP – Não estou entendendo. Amazonino pagou salários de fome a professores e médicos. Tratou o resto do funcionalismo a pão e água. Não realizou qualquer obra visível de importância. O Eduardo Braga sozinho construiu em Manaus mais do que o Negão em todo o Amazonas. Onde ele meteu esse dinheiro? O gato comeu? Ninguém viu?
DB – Procure o Diário Oficial do Estado do Amazonas (DOEA), edição de 03 de abril de 1996. Lá está o que o Estado arrecadou e o que gastou no passado. Você não sabe ler? Leia. São apenas 206 páginas.
TKP – Ninguém lê o Diário Oficial. Circula atrasado, as letras são miúdas, as palavras em economês. É muito árido.
DB – (indignado) – Árido? Pelo amor de Deus. Não me diga uma besteira dessa. Este número do DOEA contém mais sacanagem do que qualquer revistinha pornográfica. É como se a revista “Eficaz”, especializada em informações tributárias, tivesse na capa uma mulher nua com os peitões de fora.
TKP – Professor, vou lhe confessar. Li, mas não entendi bulhufas. Está cheio de termos técnicos. Sei lá que diabo é “demonstrativo das contenções do orçamento”. Não entendo essa linguagem esotérica de “propensão a poupar” e “relação capital-produto”.
DB – Aí é que está. É aí que os negões da política enrolam vocês. Só existirá verdadeira democracia quando o cidadão comum for capaz de ler e decifrar o orçamento. No dia em que a dona de casa se abanar com o Diário Oficial como faz com a revista Contigo, Negão nenhum passará mais a perna em ninguém. Não tem mistério. O orçamento se divide em receita – o dinheiro dos impostos e taxas que entra nos cofres públicos e despesa, que o Governo desembolsa de acordo com certas normas.
TKP – Traduza então para os nossos leitores e leitoras em que, afinal, o Governo Amazonino gastou tanto dinheiro?
DB – Não precisa ser nenhuma sumidade em finanças, nenhuma cleísa, para responder sua pergunta. Qualquer guarda-livros pode lhe mostrar aonde o Negão não gastou. O orçamento autorizado para a saúde o saneamento era de mais de 352 milhões de reais, mas gastaram apenas 146 milhões, o que representa 8,40% da receita. Sobraram mais de 206 milhões. O Hospital Adriano Jorge, cujo orçamento autorizado era de quase 16 milhões de reais, gastou apenas 850 mil durante todo ano. O Pronto-Socorro 28 de agosto tinha também autorizado mais de 15 milhões e meio de reais e só gastou hum milhão e meio. O PAM devia usar quase 2 milhões e só realizou 344 mil.
TKP – Quer dizer que o sobina do Cabo Pereira, como superintendente da SUSAM, preferiu deixar crianças morrendo nas portas dos hospitais e mulheres parindo nos corredores do que usar a verba autorizada que já existia! E pra onde foi a sobra enorme dessa bufunfa? Para a Educação? Para os projetos do Terceiro Ciclo?
DB – Tolinho. Bobinho. Com a educação aconteceu o mesmo que com a saúde. Quanto ao item “Agricultura” - a alma do “Terceiro Ciclo” - que foi o chefe da campanha do Negão, recebeu percentual de 0.87%. Realmente é muita fartura para o interior. “Farta” tudo.
TKT – Já sei. O governo economizou para ficar com dinheiro em caixa...
DB – Não diga besteira, meu filho. Vá se alfabetizar em Economia. Releia o Diário Oficial. O governo gastou muito mais do que arrecadou no ano passado. Enquanto a Receita foi de R$ 1.612.735.474,66, os gastos subiram para R$ 1.737.988.874,64 aumentando o déficit público. O resultado foi negativo. Você sabe o que é déficit público?
TKT – Pelo amor de Santa Etelvina, me explique, então, onde foi parar tanto dinheiro? Chega de suspense. A entrevista está quase terminando.
DB - Vou te dar uma posta. Pega o Orçamento. Lê o item “Restos a pagar”. Os gatos estão lá. Há um verdadeiro desfile de contas, que não deu tempo de pagar em 1995 e ficaram para o exercício de 1996. Só na Secretaria do Estado dos Transportes e Obras ficou um buraco de 100 milhões de reais. Verifica quais são as empreiteiras e construtoras mais bem aquinhoadas, além de Marmude Cameli & Cia, Encocel Empresa de Construção Civil e a Capa. Verifica quanto essas empresas receberam em 1995. Indaga quem são seus donos. Depois, me conta.
TKT – Professor Babão, com todo o respeito, o senhor acha que nós somos babacas?
DB – Empresários, jornalistas, funcionários, médicos, estudantes, professores, agentes da polícia, trabalhadores da cidade e do campo, advogados, profissionais liberais, os vossos filhos e os vossos netos não vos perdoarão pelo fato de não terem percebido que o rei está nu. Vocês estão sendo mais enganados do que o Geremia Berdinazzi pela Glória Pires na novela “O Rei do Gado”.