.O detetive particular Tarass Chevchenko, inquieto, não desgrudava o olho do portão de desembarque do Aeroporto de Borispol, em Kiev. De repente, entre os passageiros que saíam discretamente, viu um pequeno grupo falando alto e gesticulando muito. Um cabocão, que parecia ser o chefe, coçou o saco, enquanto palitava acintosamente os dentes. Os outros três o imitaram. Aí, Chevchenko não teve mais dúvida: "São eles", disse baixinho.
O funcionário que controlava os passaportes confirmou os nomes. Eram eles mesmos: Amazonino Mendes, Atila Lins, Samuel Hannan e Ronaldo Tiradentes. O detetive Chevchenko havia sido contratado por um tal de Senhor X para a missão mais dificil de sua vida profissional: descobrir o que aqueles quatro tinham vindo fazer na Ucrânia.
Era um mistério. Ninguém sabia. Os quatro procediam de uma região distante e longínqua do Brasil: a Amazônia, uma espécie de Sibéria brasileira. De um lado, a Ucrânia não tinha um centavo investido naquela área. De outro, os amazonenses não tinham capital nem interesse na Ucrânia. Não havia possibilidades de qualquer troca comercial entre ambos. Afinal, o que aqueles quatro vieram fazer em Kiev, viajando com passagens e diárias pagas pelo pobre contribuinte amazonense?
O detetive, falando português com sotaque lisboeta, enganou-os apresentando-se como agente de turismo. O porta-voz do grupo, o monoglota Ronaldo Tiradentes, perguntou onde é que podia tirar água do joelho. Ficou deslumbrado ao entrar no "banheiro inteligente" do aeroporto, todo computadorizado. Mijou. Depois, não conseguia abrir a porta, ficou preso no toalete e gritava desesperado: "eu quero sair". Chevchenko aconselhou: "puxa a descarga, que a porta se abre automaticamente".
Depois da lição sanitária, todos entraram no carro. Percorreram os 40 quilômetros do aeroporto até o Hotel Dnipro, na rua Kirov, onde a delegação se hospedou. O detetive Chevchenko havia grampeado os quartos: um microfone no bidê, outro no telefone, um terceiro debaixo da cama e outro dentro da bíblia, na mesa de cabeceira. Conseguiu, além disso, instalar um minúsculo gravador na gravata de cada um deles. Graças a este avanço da tecnologia, os leitores dessa coluna podem conhecer o motivo real da viagem à Ucrânia.
A hipótese de missão cultural foi logo descartada. Nenhum dos quatro demonstrou o menor interesse em visitar o Museu de Belas Artes, o Conservatório Tchaikovski ou o Palácio da Cultura. As fitas registraram o seguinte diálogo, quando a delegação passou, por acaso, em frente ao maior monumento histórico da Ucrânia, a catedral de Santa Sofia, na avenida Vladimirskaia, perto do Hotel:
Tiradentes: - Ih, Chefe, olha lá! Aquelas cebolas na torre daquela igreja! Parece até o Teatro Amazonas.
Amazonino: - (com riso de estadista) Isso são cúpolas hemisféricas, sua anta!.(risos pseudo-inteligentes de Átila e Hanan).
O detetive Chevchenko fez sua primeira descoberta, esclarecendo um mistério que intrigava a todos os amazonenses: por que Amazonino, quando viaja, leva sempre o monoglota Ronaldo Tiradentes à tiracolo? Porque somente ao lado de Tiradentes, ele - Amazonino - pode se sentir um intelectual.
Mas o que é que os quatro vieram mesmo fazer em Kiev? perguntava-se o detetive, intrigado. Ouvindo as fitas gravadas, Chevchenko descobriu:
1. Tiradentes queria comprar um diploma da Universidade Pagov Passaiev.
2. Samuel Hanan vinha em busca dos dólares por ele remetidos para fora do Brasil, segundo denúncias do empresário Fernando Bonfim.
3. Amazonino, querendo intensificar o comércio exterior, planejava exportar do Amazonas para o Parlamento da Ucrânia o insubornável Eron Bezerra e importar 25 deputados ucranianos, marca Ronivon, pelo preço de 50 mil cada. A intenção dele era fazer uma clonagem, produzindo ronivons em série, com as isenções fiscais da Zona Franca.
4. Átila Lins procurava o que sempre busca: "bocas" e "mamatas". Numa das fitas, estava gravado um grito que ecoou por toda a planície eslava.( Não sei se existe planície eslava. Mas o grito pede este cenário):
- Achei!!! Achei!!!
Era o Átila Lins que acabava de encontrar no Consulado do Brasil em Kiev um posto de terceiro secretário para o seu sobrinho de 1 ano e meio, Jefferson Lins. Uma senhora mamata: 5 mil dólares por mês. De quebra, a transferência da dona Rita da folha de pagamento do Tribulins para a Embaixada do Brasil, mantendo o salário, sem necessidade de bater ponto.
O detetive sabia, no entanto, que além do projeto individual de cada um, a quadrilha tinha um projeto coletivo na Ucrânia. Qual? Dirigiu-se ao computador, internetou-se e começou a ler os jornais brasileiros:
Folha de São Paulo: "Amazonino compra deputados do Acre em troca da nomeação do Superintendente da Zona Franca de Manaus. Pauderney era o intermediário: sondava quem estava disposto a negociar. Samuel Hanan levou o dinheiro".
Estado de São Paulo: "Empreiteira da família Cameli foi beneficiada por Amazonino".
O Globo: "Escândalo no Congresso: Ligações estreitas de autoridades com empresários não espantam ninguém no Amazonas. Poder cimentado com voto e brita: governador do Amazonas mora em casa alugada de empreiteiro e chefe do DNER, Wellington Lins, irmão de Átila Lins, que é sócio de construtora". A notícia revela como o Amazonas foi loteado entre várias empreiteiras: a Planecon dos Lins, a Capital do Paus-derney e derley, a Exata e a Capa de Otávio Raman Neves e a Marmud Camelli, do governador do Acre.
Jornal do Brasil - "Zona Franca é pivô da discórdia. Escândalo da venda de votos traz à tona disputa pelo domínio da Suframa".
Foi aí, então, que o detetive Tarass Chevtchenko, cruzando as informações dos jornais com as gravações de Kiev, descobriu que Amazonino veio à Ucrânia para contratar um certo Picaretov Vassilinovich Korruptchev, para nomeá-lo superintendente da Suframa, no lugar do honrado Mauro Costa.
Fernando Henrique Cardoso esqueceu que quem anda com porco, acaba comendo babugem. FHC andou com porcos, comeu babugem.