Era gordinho, bochechudo e afável. Daí, talvez, o seu apelido: "Pão Doce". Morava no bairro do Céu, ali detrás da igreja do Dom Bosco. Estudava no Colégio de Aparecida, na década de 50, com as freiras do Preciosíssimo Sangue. Grande e fiel amigo. Tinha, no entanto, um grave defeito: era demasiado sonso. Um dia, na hora do recreio, a irmã Bernadete, conhecida como "Vaca Braba", brigou com ele:
- Por que você roubou a merenda da sua própria prima?
Pão Doce, chupando ruidosamente os dentes cariados, respondeu:
- A primavera passa e depois volta. A mocidade não nos volta mais.
Era sempre assim. Suas respostas aparentemente não tinham pé nem cabeça. Quando lhe cobravam alguma maldade, desconversava. Fingia que não era com ele. Dissimulava, recitando poesia ou a letra de alguma música.
Durante anos, como acólito, ajudou missa. Certa feita, o vinho desapareceu, quando ele se encontrava sozinho na sacristia. O padre Geraldinho "Pigmeu" levantou-o pela gola da batina:
- Pón Doce, onde estarrr o garrafo do vinho?
Com um bafo de cachaça, ele respondeu:
- Nas tardes de maio, a mãe de Jesus, enche de glórias novenas.
O leitor, consciente de que esta coluna é monotemática, se pergunta intrigado:
- Éraste! O que é que o Pão Doce tem a ver com o Amazonino?
Eu respondo:
- Tudo. Ou quase tudo. Provo e comprovo que Amazonino usa a mesma tática do Pão Doce.
Espia só, leitor! A imprensa nacional vem publicando, há três semanas, acusações cabeludas contra o governador Amazonino Mendes, feitas por seus próprios cupinchas. Segundo os jornais, foi montada no Amazonas uma rede de negócios escusos, intrigas, roubalheira, envolvendo milhões e milhões de dólares, culminando até com assassinato. O único precedente com tal dimensão é a quadrilha formada por Collor e PC Farias.
Entre outros fatos graves destacam-se:
1. Compra de votos de cinco deputados federais;
2. Cobrança de comissão na compra de geradores, com superfaturamento de 363%;
3. Compra irregular de manduquinhas;
4. Tráfico de influência, formação de cartel e obras sem licitação;
5. Superfaturamento pela Econcel - empresa do governador - da obra do posto de fiscalização da Suframa, conforme investigação do Tribunal de Contas da União;
6. Loteamento de obras entre empresas de testas-de-ferro do governador como a Exata, a Capa e a Econcel, além de envolvimento de empreiteiras de seus cúmplices como a Planecon de Atila Lins, acusada de falsificar certidões negativas da Receita Federal e do INSS e a Capital, do Pauderney Avelino.
7. Maracutaia na pavimentação da Br-174;
8. Superfaturamento na reforma da penitenciária do Acre.
Em qualquer lugar que você aperta, sai pus, lama e fedor. Diante de acusações que faria morrer de vergonha até mesmo o PC Farias, Amazonino dá uma de Pão Doce e desconversa, em vez de fazer o que qualquer pessoa decente faria: exigir uma CPI para mostrar sua inocência.
Aliás, só me lembrei do Pão Doce, porque li um press-release distribuido pela Secretaria de Comunicação do Governo do Amazonas à imprensa local. No dia em que as manchetes dos principais jornais do país continuavam publicando trechos da fita do Bonfim, Amazonino encontrava-se em seu gabinete com o presidente da UNE, Orlando Silva. Vejam só como a Secom, dirigida pelo monoglota Ronaldo Tiradentes, registrou o fato:
"Muito à vontade, o governador falou da época do Colégio Estadual Pedro II, das manifestações oposicionistas, sua passagem pelo cárcere e de amigos de luta - lembrou Thomás Meireles, hoje nome de escola - e filosofou: 'A juventude é a coisa mais maravilhosa que existe'.
Legítimo Pão Doce! Pão Doce puro! O escândalo está incendiando o país e o governador não dá uma palavra sobre o assunto. Sem lavar previamente a boca com creolina, para pronunciar o nome do Thomazinho, diz uma bobagem como essa: "a juventude é a coisa mais maravilhosa que existe". E o seu secretário monoglota ainda acha que ele está "filosofando". Francamente, o verdadeiro Pão Doce era, pelo menos, mais poético.
A opinião pública quer saber se Amazonino comprou mesmo votos dos deputados acreanos, se é o dono da Econcel, se houve superfaturamento na compra de geradores, se favoreceu a empreiteira do Marmud Cameli. O governador reune-se com os prefeitos e declara:
- "O meu destino está atrelado ao destino do caboclo que vive no interior do Estado". (JN, 4 junho)
A Justiça de São Paulo procura saber se o filho do governador, o Armando Mendes, soube mesmo bem antes da polícia do assassinato do empresário Samek Rosenski. Amazonino afirma pão-docemente:
- Não nasci para destruir e sim para construir.(A Crítica, 4 de junho, p.A-7)
A Econcel ganhou concorrência para a reforma e ampliação da penitenciária, em Rio Branco, no valor de R$ 3,4 milhões. A licitação foi suspensa porque descobriu-se indícios de superfaturamento, já que o governo do Distrito Federal construiu recentemente um prédio para abrigar 400 presos com apenas R$ 250 mil.
Amazonino é capaz de jurar que a penitenciária do Acre iria custar tão cara, porque ele aderiu à Pastoral carcerária e queria dar um vidão para os presos. Ou quem sabe, estava investindo no seu próprio futuro. Ninguém sabe.
Os puxa-sacos do governador adotaram também a tática do Pão Doce, acreditando que ignorando as acusações, elas serão eliminadas. Não interessa se a juventude é a coisa mais maravilhosa que existe, se o destino do Amazonino está atrelado ao dos cabocos ou se ele nasceu para construir e não para destruir. O que queremos saber é: como é que ele explica toda a roubalheira denunciada por seus próprios amigos e não por seus adversários. Ele tem de deixar de trololó e lero-lero e responder objetivamente tais perguntas.
Imprensado, Amazonino diz-que contratou uma empresa internacional para fazer auditoria. Depois se arrependeu e disse que vai fazer licitação para saber quem faz a auditoria. Usou as mesmas palavras do Collor de Mello: "Investigaremos doa a quem doer".
A opinião pública amazonense e brasileira não confia em Amazonino. Queremos uma CPI já, como exige o Forum pela Ética na Política. Queremos pessoas de confiança investigando, como Eronildo Bezerra, no plano estadual e Luis Fernando Nicolau, no Federal. O resto não passa de tática de Pão Doce.
P.S. - O Boletim Informativo da Paróquia de Aparecida desta semana está "quentchura". Tem uma parábola intitulada "CPI do Roubo das Bananas", que termina com a seguinte moral: "quando um povo quer a verdade e vai até o fim, sempre descobre que tem um grande macaco como responsável".