Num encontro informal com jornalistas, na semana passada, o governador Amazonino Mendes fez um longo silêncio. Caminhou devagar até a janela. Contemplou o horizonte, com os olhos apertados e, quase declamando, declarou com voz embargada: "Minha vida não é verdadeira. A relação que mantenho com as pessoas é uma contradição eterna. Elas não conseguem adivinhar quem eu sou, não valorizam o meu lado humano. Sou um ser incompreendido". Repetiu, balbuciando: "incompreendido..." (A Crítica, 09/06, p.7). Só faltou cantar: "ninguém me aaaama, ninguém me queeeeer"...
A cena, de incomparável força dramática, lembra 'Edipo Rei', tragédia grega elaborada por Sófocles, cinco séculos antes de Cristo. Lá pelas tantas, a Esfinge, misteriosa, desafia Edipo, ameaçando-o: "Decifra-me ou te devoro". Apresenta-lhe, então, o seguinte enigma: "O que é que de manhã caminha com quatro pernas, ao meio dia com duas e à tardinha com três." Edipo salvou-se, respondendo: "É o homem. Ele começa engatinhando, passa a vida andando normalmente e, já velho, usa bengala".
A inteligência baré enfrenta desafio similar para decifrar esse "ser incompreendido" que nos (des)governa. Fecha os olhos, leitor. Fechou? Imagina, agora, o Amazonino vestido com uma túnica comprida, folgada, de mangas largas, e sandálias com tiras de couro dando voltas em torno das pernas, até o joelho. Imaginou? Quem está do lado dele? O Berinho Braga, com saiote ateniense e bota de coturno alto, movimenta um abano de tucum, enxotando moscas que teimam em pousar sobre o chefe. Ninguém duvida que os dois são personagens de Sófocles, nos trópicos.
O SER E O NADA
Nos trópicos, tragédia grega vira farsa baré e coro dionisíaco transforma-se em cordão de puxa-sacos. Aqui, a Esfinge é uma cabocona de Urucurituba. Ela apresenta-nos duas adivinhações. A primeira: o-que-é-o-que-é, o Nonato (cheque-sem-fundo) tem na frente, o ex-prefeito Manoel (Pracinha) tem no meio e o Amazonino tem atrás? A outra: o jardim da mansão do Tarumã tem nove canteiros, dois a mais do que o quintal da Suframa. Qual a flor que brota nos três primeiros canteiros do Amazonino e nos três últimos da Suframa?
Será que o povo amazonense vai ser devorado ou conseguirá adivinhar, afinal, quem é o verdadeiro Amazonino? Ele próprio, no mesmo encontro com jornalistas, tentou resolver o enigma, dando uma de filósofo: "Sou como Spartacus, aquele escravo romano. Os escravos eram como se fossem coisas, não eram humanos. Assim é como me sinto: sou uma coisa. As pessoas se aproximam de mim sem valorizar meu lado humano. Vêem em mim uma máquina de soluções". (A Crítica, 09/06, p.7).
Spartacus era tão romano quanto Ajuricaba era português. Mas, enfim, deixa prá lá. Vamos perdoar Amazonino, cuja crise existencial está influenciada por um livro que não sai de sua mesinha de cabeceira: "O ser e o nada. Ensaio de ontologia fenomenológica", de Jean Paul Sartre. Costumava discuti-lo, em longas tertúlias, com seu ex-secretário de comunicação, o monoglota Ronaldo Tiradentes. Nessas ocasiões, Amazonino era o ser (incompreendido), Tiradentes, o nada (compreensível) e a a mesa de dominó fazia as vezes da ontologia fenomenológica.
Foi em Sartre que Amazonino encontrou a preocupação com a "transcendência do Eu". Para o filósofo francês - principal teórico dos existencialistas - o projeto de vida do "eu" se choca sempre com o projeto dos outros, num processo de farinha-pouca-meu-pirão-primeiro e mateus-primeiro-os-meus-depois-os-teus. Numa de suas peças de teatro - "Portas Fechadas" - três indivíduos morrem e vão pro inferno, mas o inferno, para cada um, é o outro. "L'enfer, c'est l'autre" ou, como traduziria Tiradentes, "dane-se o mundo, que eu não me chamo Raimundo".
SER INCOMPREENDIDO
O buraco, no entanto, parece ser mais embaixo. Na citada entrevista, Amazonino - "uma coisa"- oferece algumas pistas para que possamos entender porque é "um ser incompreendido". Ele confidencia: "No dia 16 de setembro de 1964, quando nasceu meu primeiro filho, eu estava literalmente na miséria. Não tinha uma casa, minha mulher não tinha onde ficar". (A Crítica, 09/06, p.7). Nessa época, solidário com ele, nós o compreendíamos e até o admirávamos.
O que aconteceu depois? Ele acabou tornando-se um "ser incompreendido", não porque seu lado humano" tenha sido desvalorizado, mas porque sua conta bancária foi super-valorizada. Fica dificil para qualquer pessoa sensata compreender como é que ele, não tendo onde cair morto, conseguiu em 30 anos acumular uma das maiores fortunas da Amazônia, só equiparável à de Jader Barbalho. Não tinha um barraco e hoje é proprietário da mansão cinematográfica do Tarumã.
Não podemos compreender Amazonino, porque até hoje muitas questões permanecem mais obscuras do que qualquer enigma proposto pela Esfinge. Quem comprou os votos dos cinco deputados federais do Acre? Quem cobrou comissão na compra de geradores, com superfaturamento de 363%? Quem lucrou com a compra irregular de manduquinhas? A Econcel superfaturou mesmo a obra do posto de fiscalização da Suframa, conforme investigação do TCU? A reforma penitenciária do Acre foi superfaturada? Houve maracutaia na pavimentação da Br-174? O IPTU da mansão do Tarumã é mesmo aquela mixaria? Quem costuma 'passar gato' quando joga dominó? Por que ninguém foi punido até hoje?
Essas sim são as adivinhações, que exigem respostas. Enquanto ninguém decifra esses enigmas, o povo continua sendo devorado. Amazonino puxa brasa pro seu jaraqui, revelando angústias existenciais. No entanto, loteamento de obras entre empreiteiras, superfaturamento, tráfico de influência, formação de cartel, obras sem licitação não são questões metafísicas. Não é no terreno da filosofia de botequim que devem ser discutidas e analisadas, mas no campo da política, da ética, do direito e da própria economia.
Uma fiel leitora, lá da rua Jônatas Pedrosa, mais de 70 anos, nascida em Parintins, leu as declarações em que Amazonino se compara a Spartacus e teve um ataque de riso tão forte e descontrolado que molhou-se toda, em lágrimas. Falou, então, pra sua filha: "Avisa o Taquiprati. Ele precisa entrar outra vez na cabeça do Amazonino pra ver o que está acontecendo lá dentro". A filha me enviou cópia da matéria por e-mail e me aconselhou a rever o filme Spartacus, protagonizado por Kirk Douglas, que lidera uma rebelião de escravos, esmagada violentamente por Licínio Crasso.
O filme traz novas perguntas: O que-é-o-que-é? Amazonino, o Kirk Douglas de Eirunepé? O Spartacus Baré? Como é que é? Líder de rebelião? Gladiador com espada na mão? Ou ator canastrão? Não consigo deixar de imaginá-lo de túnica comprida e sandália de longas tiras de couro, abanado pelo 'ateniense' Rouberius. A fiel leitora da Jônatas, a quem agradeço, tem razão: quá-quá-ra-quá-quá!
P.S 1 - TEFÉ TEM PRESSA: Mais de 10.000 moradores de Tefé - a foto do Pinduca é impressionante - fizeram passeata, enterrando simbolicamente o prefeito Hélio Bessa, acusado de fraude e corrupção desenfreada. As pessoas gritavam: "Tefé tem pressa, fora Hélio Bessa". Peço publicamente aos meus primos, Lélio e Arlene, para darem uma prensa no irmão deles. A titia Nilza, pessoa honrada, de princípios, onde quer que esteja, deve estar morrendo de vergonha. Helinho, o que você está fazendo é muito feio, meu primo. Confessa teus pecados, pede perdão, renuncia e sai de fininho. Tefé merece.
P.S 1 - TEFÉ TEM PRESSA: Mais de 10.000 moradores de Tefé - a foto do Pinduca é impressionante - fizeram passeata, enterrando simbolicamente o prefeito Hélio Bessa, acusado de fraude e corrupção desenfreada. As pessoas gritavam: "Tefé tem pressa, fora Hélio Bessa". Peço publicamente aos meus primos, Lélio e Arlene, para darem uma prensa no irmão deles. A titia Nilza, pessoa honrada, de princípios, onde quer que esteja, deve estar morrendo de vergonha. Helinho, o que você está fazendo é muito feio, meu primo. Confessa teus pecados, pede perdão, renuncia e sai de fininho. Tefé merece.
P.S 2 - Na sexta-feira aconteceu a festa junina na Escola Marta Falcão. Uma leitora escreve, informando que a neta do Amazonino, de sete anos, foi a cunhantã-poranga do boi "garanchoso". A criança entrou triunfalmente, dentro de uma vitória-régia, carregada por uns 10 homens, numa superprodução que deixou Parintins no chinelo e humilhou suas coleguinhas. "Uma coisa"! Depois a família se sente incompreendida.
P.S 3 - Marcelo Fromer, músico dos Titãs, atropelado estupidamente, despediu-se repartindo vida: o coração aqui, o pâncreas ali, um rim acolá, outro mais além. Alguém verá o mundo com os seus olhos generosos.