CRÔNICAS

Fenomenologia do Espírito de Porco: os ovos de Hegel

Em: 08 de Fevereiro de 2004 Visualizações: 8957
Fenomenologia do Espírito de Porco: os ovos de Hegel

.O filósofo alemão Hegel (1770-1831) escreveu o texto “Quem pensa abstrato?”, onde se diverte com a história de uma velha fofoqueira e preconceituosa, que vendia ovos na feira da cidade de Stuttgart. Uma freguesa gostosona, vestida com roupas caras, veio reclamar, na frente de todo mundo:

- Puxa vida! Na semana passada, a senhora me vendeu ovos podres.

Aí, a velha, safada, pegou forte:

- Quem você pensa que é, sua sirigaita, para prejudicar meu negócio? Tua mãe fugiu com um soldado francês, teu pai era um corno manso. E eu conheço os machos que compram teus vestidos.

O discurso da velha serviu para Hegel exemplificar as artimanhas de uma argumentação torta. Preocupado com o método de busca da verdade, ele pergunta: afinal, o que é que a honra da moça tem a ver com os ovos podres? Ou, traduzido para uma linguagem regional: o que é que o urucu tem a ver com as calças? Não há qualquer relação de causalidade entre uma coisa e outra. O que a feirante tinha de provar era que os ovos não estavam estragados. Em vez disso, ataca a honra alheia. A menção aos chifres do pai da freguesa não garantia que os ovos fossem frescos, mas servia para intimidar e esconder a verdade.

Lembrei dessa história, por causa de sua nova versão baré, criada pelo IADC – Instituto de Apoio aos De Carli. Recapitulo, para aqueles que estão pegando o bonde andando. Na crônica passada, intitulada “E no Urucu, não vai nada não?”, pretendia discutir o gasoduto de Urucu, mas acabei abordando o Porto de Manaus, que foi doado à família De Carli, cuja relação com recursos públicos é, no mínimo, bastante duvidosa. Mencionei, então, a ação popular movida pela deputada Vanessa (PCdoB) e pelo governador Eduardo Braga, questionando a doação do governo passado. Enfim, reclamei: esses ovos estão chocos.

HEGEL DE IGARAPÉ

Decarlito, presidente do IADC, ficou enraivecido, como a velha feirante, porque foi divulgado que sua família estava vendendo ovos podres. Decidiu defender seus negócios ameaçados. Não podendo, no entanto, provar que os ovos estavam frescos, ou seja, que o controle do Porto por sua família é bom para o povo amazonense, agiu como a velha fofoqueira. Assinou carta, esculhambando a deputada Vanessa, o governador Eduardo Braga, o presidente da Assembleéia, Lino Chíxaro, o juiz Carpinteiro Peres, “homem sério, mas que se deixou induzir ao erro”, e esse escriba aqui. É, sobrou pra mim.

O locutor que vos fala foi acusado de alugar sua pena e de cometer uma série de erros, que atentam contra as normas elementares do jornalismo. Por isso, manifesta sua disposição – se os nossos ouvintes assim o permitirem – de prestar alguns esclarecimentos. Com instrumentos confiáveis de investigação, pretende desmontar os truques usados na carta assinada por Decarlito, que podem ser equiparados ao da velha fofoqueira. Se obtiver êxito, o locutor que vos fala se sentirá o próprio Hegel-de-igarapé, e escreverá um livro intitulado ”A Fenomenologia do Espírito...de Porco”.

Comecemos pelos erros. Nós, jornalistas, como todo mundo, erramos muito, sempre. O importante não é ser infalível, mas ter a humildade de reconhecer e a coragem de não esconder do leitor que erramos. Não é fácil. A Folha de São Paulo, em coluna diária intitulada “Erramos”, adverte os leitores sobre os enganos cometidos. De minha parte, confesso três equívocos, sinalizados com propriedade na carta do Decarlito. Vamos retificá-los. Por favor, anota aí, leitor:

1.     Chamei Decarlito de Paulo Roberto, quando seu nome é Paulo Carlos.  Portanto, acertei 50%, - ele é Paulo - mas errei os outros 50% - ele não é Roberto.

2.     O Decarlão se beneficiou do apoio do Fábio Lucena, mas não foi suplente dele no Senado; uma vez mais errei e acertei parcialmente.

3.     Parece que o Decarlão não recebeu uma nota preta para integrar o Conselho Superior de Navegação Portos e Hidrovias. Como não tenho provas contrárias, acredito na afirmação do filho. Admito que errei.

Feitas as devidas correções, pergunto: E daí? O que é que esses equívocos têm a ver com o Porto de Manaus? Se nós estamos interessados efetivamente em procurar a melhor alternativa para nossa cidade, que diferença faz essa imprecisão, se o Paulo é Paulo Carlos ou Paulo Roberto? Francamente, De Carlito, me poupa. Segue o conselho da Preta para o Pão Molhado: te orienta e te observa, cara!

AS ARTIMANHAS

O De Carlito, ou quem escreveu por ele, na realidade, realizou uma operação mental que o saudoso Fábio Lucena, amarrado num latinorum, chamaria de ´mutatio controversiae´, ou seja, mudança do ponto conflitivo em discussão. Trata-se de uma artimanha para tentar sair do debate, desviar-se dele, levá-lo para outro campo, deslocando o centro da questão – a legitimidade da doação do Porto de Manaus à família De Carli - para um detalhe miúdo e periférico – o nome correto, os votos, etc.

Operação similar foi feita, desta vez para desqualificar os adversários. A carta assinada por Decarlito é puro terrorismo verbal. ´Denuncia´ o Lino Chíxaro, porque ele vive em mansão de 1 milhão de reais. Usando tática empregada por Collor contra Lula, por haver comprado um aparelho de som, dá um tom acusatório a uma informação banal: Vanessa – “a deputada comunista” - mora em bairro nobre e foi capa de revista. O que é que isso tem a ver com a doação de um patrimônio histórico do povo amazonense à família De Carli? Os ovos podres do De Carli ficam frescos por causa disso ou continuam chocos?

Aliás, antes de pronunciar o nome de Vanessa, Decarlito devia fazer gargarejo com creolina, lavando sua boca, porque “a deputada comunista!” tem vida política imaculada. Para deslocar o eixo central da questão, a carta insinua ainda que Eduardo Braga faz aquilo que todo mundo acha que Decarlão faz:

“Será que nosso governador declara tudo o que ganha para o Imposto de Renda?”

Como a pergunta foi feita em carta dirigida a mim, respondo:

- Sei lá, bicho! Se tu tens provas em contrário, me manda que eu sento a ripa. Mas, por favor, não enrola o leitor, não confunde cinto com bunda, nem cipó com jerimum.

Longe de mim imaginar que o Decarlito – ou quem escreveu por ele – usou tais artimanhas de forma consciente. Quero crer que o autor da carta é um intuitivo, e nem suspeita que realizou tal operação, da mesma forma que muita gente faz xixi sem ter a menor ideia de como os rins produzem urina. Decarlito agiu por necessidade, e não como resultado de uma reflexão maquiavélica. Ele defende seus privilégios, instintivamente, e por isso tenta fugir do debate e esconder a realidade. Não está interessado em buscar a verdade, mas em ocultá-la.

ORIGENS DO PATRIMÕNIO

No final de sua carta, publicada anteontem neste DA, Decarlito fala da condição financeira de seu pai:

 “Trata-se de homem rico, cujo patrimônio tem origem. Pode fazer o que quiser com seu dinheiro, principalmente uma festa para sua filha. Ninguém tem nada com isso, muito menos você, Bessa”.

Égua, por que “muito menos” eu? Que discriminação é essa? Se o Decarlito pode mencionar a merreca acumulada pelo Chíxaro, fácil de ser justificada, por que não posso eu questionar um patrimônio de valor incalculável, que “tem origem” não explicada? Pretendo fazer isso, através de algumas perguntas.

De Carlito, olhe nos olhos do leitor e diga: é verdade que seu pai formou seu patrimônio particular através do tráfico de influências usado para facilitar a execução de golpes contra os cofres públicos? Ele foi citado em vários casos de fraudes, coação e incêndios criminosos nos cartórios, ou isso é intriga da oposição? A Polícia Federal abriu inquérito para investigar a origem dos recursos do Decarlão? A Justiça do Amazonas penhorou os bens dele para sanar sua dívida com o Banco do Brasil, originada em financiamento que ele nunca pagou?

Pois é. Existem dezenas de perguntas sobre a indústria de confecções Raymond, na Rua Recife, que conseguiu generosos financiamentos da SUDAM e sobre a Trevis, indústria de jóias, cujas instalações foram consumidas por incêndio misterioso. E a ´Fazendas Unidas´, na estrada Manaus-Itacoatiara, financiada pelo Banco do Brasil e vendida à CAPEMI – Caixa de Pecúlio dos Militares?

Decarlito, pergunta ao Decarlão se ele sabe quem é Gustavo Gominho, delegado da Polícia Federal. Indaga sobre o incêndio ocorrido no prédio da avenida André Araújo, ao lado da TV Rio Negro, onde funcionava o Cartório no qual tramitava o processo contra ele. Quanto à sua eleição para o Senado, pergunta ao Mário Frota como é que a coisa ocorreu? Sobre a licitação do arrendamento do Porto, por que foi feita em apenas 33 dias, quando o trâmite normal requer, no mínimo, seis meses?

Na Folha de São Paulo da última quinta-feira, matéria enviada pela competente jornalista Kátia Brasil informa sobre o tráfico de influência para facilitar o contrabando na Zona Franca de Manaus. Sérgio Carlos Nascimento de Andrade, preso por acusação de extorsão, revelou em seu depoimento o esquema de lobby, no qual um dos financiadores é, com todas as letras, o senador Carlos Alberto De Carli, o Decarlão. Nessas alturas do campeonato, já fizeram omelete com os ovos de Hegel.

P.S¹ – O repórter Tambaqui me informa que ouviu caboquinho se gabando de ser o autor da carta do Decarlito, escrita sob encomenda. Se mão de pessoa outra voltar a escrever, a resposta será dirigida ao escriba e não a quem assinou. (Correspondência para www.taquiprati.com.br)

PS² - Puxa vida! O Decarlito me impediu de comentar os gastos com lubrificantes do Lupércio! Vá lubrificar assim na casa do Carvalho. Queria também discutir o que Isete e Flora estão fazendo na biblioteca particular do Berinho, no duplex da Colina do Aleixo.

P.S. 3 - Lula, Lula, quando homologarás a Terra Indigena Raposa Serra do Sol? Quando cumprirás tua promessa? Mais de um ano no governo e até agora nada.
 

Comente esta crônica



Serviço integrado ao Gravatar.com para exibir sua foto (avatar).

Nenhum Comentário