CRÔNICAS

Ficam alguns, meu irmão!

Em: 26 de Junho de 2005 Visualizações: 6260
Ficam alguns, meu irmão!
Se gritar pegar ladrão, quantos ficam? Parece que o país inteiro está gritando: - Pega ladrão! - inclusive os próprios, vivíssimos, que dessa forma confundem a gente, pois ninguém mais sabe quem tem culpa no cartório.
O presidente Lula, num pronunciamento em cadeia de rádio e TV, na quinta-feira, afirmou que “nunca o Brasil viu tanta gente importante e poderosa sendo presa por corrupção e por fraude contra os cofres públicos como agora: empresários, juízes, delegados, políticos, policiais e funcionários públicos graduados que há anos, às vezes há décadas, agiam impunemente”. Exibiu dados quantitativos mostrando, com muito orgulho, a alta produtividade da Polícia Federal durante o seu governo: “Nesses dois anos e meio já foram presas 1.006 pessoas acusadas de corrupção”.
Data vênia, trata-se apenas de meia verdade, porque como o presidente não informa que quase todas essas pessoas foram soltas, fica parecendo que todas elas permanecem em cana. No entanto, ele não estaria mentindo se acrescentasse que nunca o Brasil viu tanta gente importante saindo da cadeia. Os caras são algemados em suas mansões, ao lado de carros importados, aparecem na televisão escondendo os cornos, contratam advogados espertos, finórios e bem ‘entchurmados' com quem racham a grana, e dias depois saem lépidos e fagueiros por força de um habeas corpus, mas isso não é noticiado com o mesmo destaque .
Pega ladrão !
Foi o que aconteceu com os 13 auditores fiscais do INSS que atuavam no Rio de Janeiro. Vocês se lembram? Eles foram presos no dia 24 de fevereiro, acusados de receber propina grossa para deixar de cobrar imposto de 140 empresas de médio e grande porte nos últimos dez anos. Causaram um rombo na Previdência de R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais). Pois bem, na mesma hora em que Lula falava à nação, a 2ª Turma do Tribunal Regional, por dois votos a um, mandava soltar seis deles. Por que? Por terem sido julgados e inocentados? Não ! Absolutamente não ! A justificativa dada foi outra, uma verdadeira pérola da jurisprudência tupiniquim .
A argumentação é primorosa. Segundo o juiz França Neto, relator do pedido de habeas-corpus, os fiscais corruptos foram presos, mas os empresários corruptores ficaram livres:
“Livres e ilesos, estão no gozo de benesses de parcela considerável dos eventuais produtos dos crimes cometidos pelos auditores fiscais, usufruindo, quiçá, finais de semana em suas casas de campo ou praia, seus carros, suas lanchas, etc” escreveu o juiz, indignado, em seu voto, reproduzido pelo jornal O Globo. Tal injustiça precisava ser corrigida. Portanto, uma vez que os empresários não foram detidos nem processados, não era justo manter os fiscais presos.
O juiz da 2ª tchurma fez valer o princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei. Com o objetivo de deixar corruptos e corruptores em igualdade de condição, no lugar de exigir a prisão dos empresários, mandou soltar os funcionários, invertendo os termos da máxima adotada por Roberto Jefferson: “Ou todos nos locupletamos ou restaura-se a moralidade”. Para o juiz, ou todos são punidos ou, então, restaura-se a impunidade. Protegei-me, Santa Etelvina, padroeira dos lesos e inocentes! Valei-me São Orozimbo Nonato, jurista de plantão do Taquiprati!
A decisão da 2ª turma – que denominação tão apropriada! - se torna mais grave ainda, porque há um precedente. Um dos fiscais preso em fevereiro, Eduardo Gomes Iuomo, que tinha melhores advogados, foi solto antes dos outros, em março, “por motivo de saúde”. Aí, o cara saiu da cana, foi direto à sua agência no Banco do Brasil, raspou o cofre que lá mantinha, apesar de seus bens estarem bloqueados pela Justiça, e escafedeu-se. Ninguém sabe seu paradeiro. Deve estar usufruindo sua casa de campo ou de praia, como os empresários corruptores. Justiça foi, enfim, feita .
Não fica um?
A tolerância da opinião pública com a impunidade parece estar chegando a seus limites. Diariamente, pipocam por todos os lados notícias de ladroagem, mostrando que a corrupção é sistêmica e obedece a um esquema bem montado, envolvendo empresas estatais e privadas, bem como partidos políticos. Ex-secretárias, ex-esposas, ex-sócios, ex-aliados políticos, espiões, arapongas com gravações secretas e filmagens, todos eles estão mergulhados no sub-mundo da corrupção, envolvendo negociatas, nepotismo, clientelismo, corporativismo, fraudes em licitações, propinas.
O país vive uma onda de denuncismo e quem acusa muitas vezes faz parte da bandidagem, como parece ter sido o caso do mensalão, dos bingos, dos Correios, do IRB, o que não invalida necessariamente todas as denúncias. No Paraná, uma Comissão de Ética da Assembleia Legislativa apura a existência de uma modalidade do mensalão; segundo o governador Requião (PMDB), alguns deputados do PL pediram R$ 45 mil para votar com o governo. O preço de um deputado subiu, em Rondônia, para R$ 50 mil, que foi a quantia oferecida pelo governador Cassol (PSDB), conforme vídeo divulgado no Jornal da Band.
No Rio, além da acusação de compra de deputados, duas promotoras denunciaram oito coronéis, dois tenentes e dois capitães do Exército por fraudes em licitações realizadas no Hospital Central do Exército em Benfica, desviando mais de R$ 2 milhões em contratos de compra de material. No Pará, o Ministério Público acusou a desembargadora aposentada Ana Tereza Murrieta por ter cometido 157 vezes os crimes de peculato e falsificação de documentos, desviando mais de R$ 3 milhões. A Operação Cevada, da PF, prendeu donos e diretores do Grupo Schincariol por sonegação de impostos no valor de R$ 1 bilhão.
Quem é que vai ficar preso? Quem vai devolver o que roubou? As falcatruas são tantas e a impunidade é tamanha, que as pessoas acabaram naturalizando-as. Outro dia, na sala de aula, um aluno meu disse uma enorme besteira, defendendo a tese de que a corrupção faz parte da natureza humana, que sempre houve corrupção e, portanto, sempre haverá. Por isso aquele jovem indignado, mas sem esperança, transformou sua impotência em descrença nos políticos, na Justiça e no próprio ser humano,  acreditando que é tudo farinha do mesmo saco. Esse me parece ser o pior produto da corrupção generalizada: a perda da fé.
Se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão? Ficam sim. Alguns ficam. Honestamente, não posso assegurar se o Delúbio vai correr ou não. Mas uma coisa eu tenho absoluta certeza, aqueles em quem votei ou por quem fiz campanha não correrão: Vanessa Graziottin (PC do B/AM), Jandira Feghalli (PC do B/RJ), Chico Alencar (PT/RJ), Praciano (PT/Am), Marcus Barros (PT/Am), Serafim (PSB/Am) Jefferson Peres (PDT/Am) e vários outros em quem não votei, mas que já deram, com sua vida pública, provas de honestidade.

P.S. – Lula devia diminuir o número de 1.006 corruptos presos para 1005, porque uma das prisões foi uma enorme injustiça contra uma pessoa honesta. O diretor de Florestas do Ibama, Antônio Carlos Hummel, preso na Operação Curupira, era justamente quem combatia as falcatruas que rolavam no órgão, segundo o presidente do IBAMA, Marcus Barros, que é digno de fé..

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