CRÔNICAS

Já sei quem é J. Eckner

Em: 06 de Novembro de 2005 Visualizações: 6444
Já sei quem é J. Eckner

Numa crônica publicada há mais de dez anos, no dia 12 de setembro de 1995, perguntávamos ao leitor amazonense se sabia “Quem é J. Eckner”? Hoje, nesse momento em que o leitor lê essas mal traçadas linhas, o seu autor está no alto Rio Tiquié, aprendendo um pouco com os índios Tukano. Mas deixa um texto que responde a pergunta, reproduzindo com ligeiras modificações a crônica da época, que começava justamente com uma pergunta feita à dona Elisa.

-  A senhora sabe quem é Jota Ponto Eckner?

Era sábado à tarde. Dona Elisa estava de saída para a catequese. Olhou-me com seus olhos azuis e, com segurança, respondeu:

- Sei sim, meu filho!

- Então, quem é? - insisti. Ela disse:

- Acho que já vi esse nome nos jornais. Só sei que é alguém muito importante. Também, com um nome desses, só podia ser! Se fosse um pé rapado, se chamaria Severino ou Ribamar.

Saiu para sua aula de catecismo e nos deixou sozinhos com o problema, a mim e a ti, leitor (a). Afinal, saber que se tratava de pessoa importante não nos informa sobre quem é J. Eckner.

ALMIRANTE NORUEGUÊS

Dona Elisa pode ter lido uma noticia sobre um ator irlandês chamado J. Eckner, galã do filme “The King of the Blood”, contracenando com Danny D. Victor. Ou uma reportagem sobre o almirante holandês J. Eckner comandante do torpedeiro “Falciparum's Three Crosses”. Quem sabe J. Eckner é o nome do cientista que ganhou o prêmio Nobel de Química de 1995, depois de descobrir um novo método de diagnóstico parasitológico denominado QBC? Ou então, o ministro da Saúde da Noruega, chefe da campanha de erradicação do DLL – “Daddy-long-legs”- um tipo de inseto que transmite a gripe do frango? Pode ser também piloto da Fórmula 1 ou um campeão de tênis.

Quem é, afinal, Jota Ponto Eckner? Ministro, almirante, ator, cientista, tenista? Ou será o nome do maestro que rege a Orquestra Sinfônica de Viena? Há quem acredite que J. Eckner é o general comandante das tropas americanas no Iraque.

Essas opções são todas verossímeis para um nome tão pomposo. No entanto, não é nada disso, leitor (a). J. Eckner está muito mais próximo de nós do que você imagina. Aliás, de passagem por Manaus, tive o prazer de conhecê-lo. Fui apresentado a ele por uma ex-namorada do Rubem-Rola, quando fiquei sabendo de tudo o que agora passo a te contar. 

ATOR AMERICANO

O ponto do Jota oculta o nome José. José Eckner Lessa Alves, casado com dona Edite, pai de dois filhos, avô de dois netos, cerca de 60 anos, é amazonense, mora no Conjunto Manoa, próximo à Cidade Nova. Não é nenhum ator famoso, mas podia sê-lo. Fisicamente, é a cara do Danny David Victor, aquele ator do filme “Irmão Gêmeo”, só que numa versão amazônica.

Agora, vem comigo, leitor (a). Vamos visitar o Instituto de Medicina Tropical de Manaus (IMTM). Entra por esse corredor e lá no fundo sobe as escadas. Aqui é o Laboratório de Malária. Naquela última porta fica o Setor de Controle de Qualidade. É aí que J. Eckner trabalha, como técnico de pesquisa, ao lado do Jubal, já que Ronaldo e a Xuxinha se escafederam. Foi aí, nesse teatro de operações, que eu o conheci.

Ele poderia ser chamado de José Alves. No entanto, quem levaria a sério um diagnóstico assinado por um Zé-Alves qualquer? Zé Alves tem uns oitocentos em Manaus. J. Eckner só tem um. Por isso, ele mandou fazer um carimbinho com o Jota Ponto Eckner. Se você fizer um exame de sangue, leitor (a) e o resultado, carimbado e assinado por J. Eckner, diagnosticar malária, não duvide: comece logo a tremer, a sentir febre, frio e suor e tome logo os comprimidos de cloroquina, os famosos 4,3,3, porque J. Eckner não falha.

Ele é um dos técnicos mais capazes para dar diagnóstico em pesquisa de plasmódio. Por isso, o melhor microscópio do IMTM foi reservado para ele. No microscópio, ele se garante. Atualmente, Eckner não faz mais trabalhos rotineiros. Fica só no controle de qualidade, na revisão de diagnósticos. É uma espécie de tira-teima. 

SOLDADO DA MALÁRIA

Qual foi a mágica que transformou o garoto Zé Alves - que jogava bola na rua - no gabaritado técnico de pesquisa J. Eckner, que vive cantarolando a ópera do Pavarotti, gravada num disco que ele ganhou no último “amigo oculto”?

Olha só. No início dos anos 1960, o Ministério da Saúde criou a CEM – Campanha de Erradicação da Malária, declarando guerra ao mosquito transmissor dessa doença. O seu exército era formado por guardas de Operações de Inseticida (OI). Sua arma era uma bomba Hudson. Sua munição, o DDT, transportado numa sacola de lona. Com tudo isso às costas, mais um balde e material de rotina, pesando 16 quilos, lá vai o Guarda de OI percorrendo grandes distâncias, atacando o mosquito até o último tapiri do seu itinerário.

J. Eckner era um soldado desse exército. Foi um pioneiro. Pertenceu a uma das primeiras turmas de Guardas de OI e borrifou muita casa com DDT. Evitou que muita gente pegasse malária. Segundo Maria Auxiliadora Barroso, responsável na época pela Seção de Formação de Pessoal, J. Eckner era curioso, disciplinado, inteligente, gostava muito de ler, estudava à noite e foi promovido, por isso, a Guarda de EP, encarregado de colher lâminas de sangue e medicar os doentes.

Quando em 1970 a CEM se transformou em SUCAM – Superintendência de Campanhas de Saúde Pública, J. Eckner também se tornou microscopista, depois de haver feito um curso específico e de ter passado por seleção rigorosa e treinamento puxado. “A SUCAM afrouxou a vigilância. Passou a ser uma repartição política, deixando a malária avançar” – comenta J. Eckner entristecido, diante das últimas estatísticas. Por isso, em 1977 ele trocou a SUCAM pelo Instituto de Medicina Tropical, onde foi admitido como técnico de pesquisa. 

APOIO À PESQUISA

J. Eckner já podia estar aposentado, mas prefere continuar trabalhando, para alegria de dona Edite, sua esposa (“Eu teria de aguentá-lo o dia todo em casa”, ela diz brincando). Dessa forma, ele tem ajudado a produzir novos conhecimentos sobre a malária, cuidando da parte prática de análise laboratorial de muitas pesquisas, trabalhando, se preciso, aos sábados, domingos, feriados e de madrugada. Os pesquisadores Bernardino Albuquerque – um dos melhores epidemiologistas da cidade e Wilson Alecrim, que dispensa apresentação, são testemunhas disso.

No entanto, sua maior contribuição talvez seja a transmissão generosa, para outros, da experiência e do conhecimento acumulado. A professora de parasitologia do Curso de Bioquímica da UA, Elisa Meneghini, cujos alunos fazem estágio sob a orientação de J. Eckner, confirma a sua importância na formação de profissionais.

É. Dona Elisa tem razão. José Eckner Lessa Alves – o J. Eckner – é mesmo alguém importante, muito importante. Não pelo nome pomposo, mas porque com seu trabalho e seu exemplo está construindo o Brasil, aquele Brasilzão teimoso que dá certo, apesar dos políticos corruptos. Como tantos brasileiros anônimos, J. Eckner representa o Brasil do trabalho, do compromisso social, da competência e da seriedade, do Brasil que tem coragem de carimbar e assinar embaixo do que faz.

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