P.S – Gostaria de publicar as cartas que recebi de alguns leitores, revoltados com o tão desacreditado Judiciário. Com relação ao nepotismo, Mário Dandão escreve dizendo que “o problema do concurso para o tribunal de (in)justiça é que a maioria dos candidatos é reprovada no exame de DNA”..
O cachorro do Nelson Jobim
O que é que o cachorro do Nelson Jobim, presidente do Supremo Tribunal Federal, tem a ver com a pessoa de José Alencar, vice-presidente da República, e com a autoridade do papa Paulo III? O que é que os três juntos têm a ver com os índios? - “Nada” dirá um observador menos atento. “Tudo”, digo eu. Provo e comprovo, relacionando fatos sucedidos recentemente, relatados pelos jornais, com alguns dados históricos.
O latim e o guarani
Um dos fatos aconteceu no município de Antônio João (MS), na fronteira com o Paraguai, onde vivem, há muitos séculos, os Guarani-Kaiowá. Nos últimos anos, eles decidiram recuperar suas terras, que haviam sido invadidas e ocupadas por fazendeiros. Surgiram muitos conflitos, até que o presidente Lula, finalmente, homologou, em março de 2005, a terra indígena Nhanderu Marangatu, de 9.300 hectares, garantindo a permanência de mais de 700 índios em seu território tradicional. Contentes, eles voltaram a fazer roças de milho, mandioca, feijão, batata, arroz e banana na terra recuperada.
Inconformados, os fazendeiros buscaram quem sempre lhes protegeu: o Poder Judiciário. Contrataram a peso de ouro advogados espertos, com anel no dedo, muita lábia, muito latinorum, muita data vênia e onus probandi. Requereram ao Supremo Tribunal Federal a anulação do decreto presidencial. O presidente do STF, Nelson Jobim, não ouviu o grito desesperado dos índios, em guarani, mas escutou o latim estropiado dos fazendeiros. Sua decisão liminar suspendeu os efeitos da homologação e determinou o despejo dos índios.
Há um mês, a Policia Federal mobilizou 150 agentes, retirando com violência os Guarani-Kaiowá de suas terras ancestrais no dia 15 de dezembro, numa operação que custou aos cofres públicos R$200.000,00. Os índios acamparam, então, à beira de uma rodovia estadual, em barracos de lona preta, a alguns metros da porteira de uma das fazendas. Lá, na noite de natal, um deles, Dorvalino Rocha, 39 anos, foi morto com um tiro no peito. Os guarani pediram a prisão do assassino, João Carlos Brites, segurança de uma empresa contratada pelo fazendeiro Pio Silva, de 90 anos. Mas a Justiça Federal não entende guarani. Negou. O assassino, identificado pela PF, continua soltinho da Silva.
O episódio aumentou a falta de credibilidade do Poder Judiciário. A sentença de Jobim teve ainda como consequência as mortes de duas crianças, no processo de despejo. Muitas outras, com menos de cinco anos estão com desnutrição grave, segundo dados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). A situação alimentar se agrava porque as roças foram invadidas pelo gado das fazendas:
- Perdi mais de um hectare de milho - disse o guarani André, 29 anos, cuja filha está com vômito e diarreia. Segundo a Anistia Internacional, “o governo e a o Judiciário brasileiros fracassaram na proteção ao direito dos índios à terra”. Mas a decisão de Jobim, tão covarde, pode matar ainda mais gente.
Macho pacas
Quem é esse ministro Nelson de Azevedo Jobim, capaz de decidir sobre a morte de tantos índios, com coragem singular e audácia desassombrada, que nunca usou contra os fazendeiros? Nascido em 1946 em Santa Maria (RS), foi deputado federal e líder do PMDB (Vixe! Vixe!) na Assembleia Nacional Constituinte. O presidente Fernando Henrique o nomeou ministro da Justiça (1995-1997) e depois, ministro do STF. Nesses cargos, Jobim acumulou uma série de títulos, condecorações e medalhas, que ele ostenta, provincianamente, sem qualquer vergonha, no currículo que está no site do STF.
O seu currículo diz que, entre outros títulos e comendas, ele é cidadão honorário do Texas, hóspede oficial de vários municípios como Uruguaiana e Tupanciretã, irmão honorário da Santa Casa de Misericórdia, e que recebeu moção de aplauso da Câmara de Vereadores de Uberlândia, medalha do mérito Timbira, placa de homenagem de Araçatuba, colar do mérito judiciário do Tribunal de Justiça do Acre, comenda do Mérito Cultural de Timboia, no Maranhão, e alfinete de lapela com a logomarca oficial da UFRGS. Inacreditável: um alfinete de lapela! Grandes merdas!
O que o currículo não revela, porém, é o que foi registrado por Rogério Gentile, da Folha de São Paulo: o emedalhado Nelson Jobim é “um político que se vestiu de juiz sem jamais mudar de profissão”. Por isso, em Brasília, passou a ser chamado de “líder do governo no Supremo, um apelido que envergonha a verdadeira magistratura”. Suas ambições políticas de ser candidato a presidência ou vice-presidência da República não lhe permitem que exerça as funções de árbitro independente.
O excomungado
Com sua sentença, Jobim jogou na lata do lixo a Constituição de 1988 e todos os documentos com força de lei, incluindo a bula ‘Sublimis Deus’, do papa Paulo III, escrita em 1537. Naquela época, muitos europeus acreditavam que os índios que viviam nus, na floresta, não eram gente, eram bicho. Portanto, da mesma forma que se mata uma anta ou se monta um jumento, se podia matar ou escravizar o índio. O papa, então, afirmou a humanidade dos índios, decretando na bula citada que eles tinham alma: “Nós, com autoridade apostólica, pela presente Carta declaramos: os ditos índios, embora vivam fora da fé de Cristo, não são nem deverão ser privados de liberdade e de propriedade de bens”.
Segundo o papa, homens cobiçosos podiam ser excomungados, porque escravizavam os índios e os espoliavam de seus bens, considerando-os como se fossem animais brutos, infringindo-lhes maus tratos que não fazem nem aos animais domésticos. O cachorro do ministro Jobim, por exemplo, recebe dele um melhor tratamento do que o que ele dispensou aos índios Guarani-Kaiowá, só come filé mignon, segundo os jornais. Nada contra se isso refletisse uma preocupação com a alteridade. Não é assim. Certamente, Jobim não deixaria o seu cachorro morrer de fome, na beira da estrada, ganindo de dor. Nem que alguém disparasse um tiro contra seu cão.
O índio só é classificado como gente, quando isso convém aos interesses dos poderosos. O jornal Extra denunciou que índios da Amazônia, inclusive mulheres, estão participando de exercícios de treinamento do Exército. Quando o Globo entrevistou o vice-presidente e ministro da Defesa José Alencar sobre o tema, ele fez uma revelação estarrecedora:
– “Oh, meu Deus, não há razão para nos preocuparmos com isso (...) porque o índio é nativo. Agora, o índio é uma pessoa”.
Quinhentos anos depois de Paulo III, Alencar faz essa descoberta sensacional: os índios têm alma. Sinceramente, tenho vergonha de viver no mesmo país e na mesma época que Nelson Jobim e José Alencar. Nunca, jamais, em tempo algum, qualquer chapa que tenha um deles, receberá meu voto.
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