CRÔNICAS

Faixa de Gaza: a fábrica de mortos em série

Em: 15 de Outubro de 2023 Visualizações: 4212
Faixa de Gaza: a fábrica de mortos em série

“Guerra é isso. A gente volta de lá mais bicho do que gente” (Paulo de Mello Bastos. Tauã. 2003)

Sirenes costumam tocar para indicar o horário do início de mais um dia de trabalho nas fábricas e nos canteiros de obras. O apito alto e agudo chama os trabalhadores. O formigueiro humano se dirige à linha de montagem. Mas essa é uma indústria sinistra, uma fábrica de mortos em série da Faixa de Gaza, que usa corpos vivos de civis como matéria prima em sua linha de produção em massa. O produto final manufaturado são cadáveres, entre outros, de crianças e jovens inocentes.  

A indústria da morte evidencia que no sistema capitalista esgotado, “as forças produtivas da humanidade pararam de crescer” – como profetizou Leon Trotsky no Programa de Transição aprovado, em 1938, no Congresso de fundação da IV Internacional Socialista, em Paris. Novos progressos técnicos, usados pela indústria bélica para matar, causar sofrimento e privações, não conduzem mais ao crescimento da riqueza material e do bem-estar coletivo.

Indústria da morte

Quando a forma como a sociedade está organizada já não corresponde mais ao nível das forças produtivas em contínuo avanço, esse é o sinal da agonia de um sistema socioeconômico. Foi assim com as sociedades escravista e feudal e agora com a capitalista, que depende cada vez mais da indústria armamentista trilionária para prolongar sua existência.

Neste caso, as forças produtivas são transformadas em forças destrutivas da humanidade, que matam em série. Segundo relatório do Instituto Internacional de Estudos para a Paz (SIPRI) de Estocolmo, os gastos militares globais, que atingiram níveis recordes, ultrapassaram a marca de US$ 2 trilhões de dólares só no ano de 2021, o equivalente a R$ 10 trilhões de reais.

Nos últimos 85 anos, da fundação da IV Internacional aos dias atuais, se estima em mais de 150 trilhões de dólares o gasto com armas, munições, equipamentos e tecnologia militar, o que  acabaria com a fome e a desigualdade social no planeta se fosse aplicado na indústria da paz.

O mundo mudou, mas em certos aspectos o Programa de Transição guarda uma atualidade espantosa, não pelas tarefas que propõe ao movimento revolucionário, mas porque cantou a pedra, antecipando o que ocorre hoje. Menciona a “catástrofe econômica e militar”, o “incêndio mundial” com “conflitos e explosões sangrentas” cada vez mais frequentes e as “tendências destrutivas e degradantes do capitalismo decadente”.

O desemprego cresce, a crise financeira do Estado mina o sistema monetário e desestrutura os governos tanto democráticos como fascistas – diz o Programa, cuja atualização só precisa acrescentar que as forças destrutivas não exterminam unicamente seres humanos, mas em nome do lucro depredam o meio ambiente, tocam fogo nas florestas, extinguem espécies animais e vegetais, contaminam os rios, poluem o ar que respiramos. Que o diga Manaus, que respira fumaça 24 horas por dia.

Terrorismo de Estado

As mortes causadas pelas ações condenáveis do grupo Hamas, que não representa o povo palestino, desencadearam um terrorismo do estado de Israel, com mortes em série da população civil. Até a invasão da Ucrânia por tropas enviadas por Putin ficaram em segundo plano, assim como as mortes diárias de crianças e jovens, quase sempre negros, em várias cidades do Brasil.   

Na Faixa de Gaza, a escalada de assassinatos em massa é dirigida pelo primeiro ministro de Israel,  Benjamin Netanyahu, réu criminal, envolvido em escândalos de corrupção, subornos e fraudes. Ele e sua esposa Sara receberam joias - êpa, de quem a gente lembra? - e outros presentes avaliados em R$198.000,00 em troca de favores a empresários. Ambos passaram a ser investigados pela Polícia de Israel a partir de  2016 e foram denunciados oficialmente em novembro de 2019.

No interrogatório policial sobre um dos três casos de corrupção, Netanyahu disse aos investigadores: “Isto é confidencial, não deixem que ninguém saiba disso, está bem?” (Êpa, outra lembrança). Depois disso, apresentou projeto de lei de reforma do Poder Judiciário, já aprovada pelo Parlamento dominado pelo Great Center, que agora pode rejeitar decisões da Suprema Corte com maioria simples de deputados.

Milhares de israelitas saíram às ruas para protestar contra tal decisão, a polícia usou canhões de água, baixou o cacete e efetuou dezenas de prisões de cidadãos que defendiam a democracia, o Estado de Direito e  a separação de Poderes. A luta contra o criminoso de guerra Netanyahu não é só dos palestinos, mas da parte sadia do povo israelita que faz parte do movimento anti-sionista.

Fipilhopó da putapá

São conhecidas as frases atribuídas a Albert Einstein sobre a guerra, por ele considerada como “o que existe de mais desprezível no mundo”. O exército,  “câncer da civilização deveria desaparecer o mais rápido possível. O militarismo é uma nódoa nas grandes realizações da civilização moderna. Heroísmo encomendado, violência regulamentada, patriotismo arrogante tornam vil e abominável qualquer guerra”.

Essa guerra, com massacre hediondo da população civil da Faixa de Gaza, tem seus soldados nas trincheiras da mídia, cuja cobertura, com raras exceções, reproduz a fala oficial. Alguns voltam para pedir desculpas como a repórter da CNN, Sara Sidner, que viralizou a fake news de bebês decapitados pelo Hamas. Ela reconheceu que Israel não confirmou o relato, lamentou e assumiu que deveria ter sido mais cuidadosa com as suas palavras.

Ataque de Israel se transforma em legítima defesa. Até agora, Jorge Pontual, Eliane Cantanhede e Guga Chacra da Globo News não se desculparam. Para Pontual, o pedido de cessar fogo humanitário em Gaza e a liberação de todos os reféns por parte do Hamas, prejudicava o direito de defesa de Israel. Guga Chacra disse que ao Hamas interessava o massacre de palestinos, porque assim podiam posar de vítimas. E Lili Cantanhede avaliou que o governo Lula sofreu derrota com a não aprovação do cessar-fogo.  

É verdade que nenhum deles agradeceu ao prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga, pela repatriação dos brasileiros ordenado por Lula, ao impedir o uso de matéria-prima verde amarela na fábrica de mortos. Mas também não disseram que Netanyahu é, na avaliação do bairro de Aparecida em Manaus. um fipilhopó daputapá.

- Só as bestas vão pra guerra morrer e os sabidos ficam longe, vendendo tudo caro e enricando - diz o personagem que lutou na Guerra do Paraguai descrito no romance Tauã de Paulo de Mello Bastos (1918-2019) Não haveria guerra se os que decidem fazê-la fossem para a linha de frente.

Muita gente está envergonhada de pertencer à mesma espécie humana dos criminosos de guerra, diante das atrocidades cometidas, ironicamente, na Terra Santa, berço de um menino que há mais de dois mil anos pregava a paz. Além das mortes de inocentes, o dano maior é que a guerra brutaliza e desumaniza os que dela participam. Sequestra sua humanidade. Transforma assassinos em heróis. 

Vida que segue. Segue? Para quem? Para onde? Qual vida?

P.S. Que Ana, Maia, Vivi, João e Letícia, aniversariantes, possam viver num mundo melhor que o encontrado por seus avós.

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17 Comentário(s)

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Pinducão comentou:
21/10/2023
Abração meu querido amigo Babá Bessa. No alvo, teu tiro, como sempre...
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Ana Pizarro comentou:
21/10/2023
Como siempre, Bessa es el sabio que sabe apuntar, organizar y jerarquizar los problemas.Gracias Bessa
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Isabela Frade comentou:
21/10/2023
Sim, há a escalada fascista para manter o trem doido na sua acelerada sanha pelo poder. Poder de fazer a morte algo corriqueiro , eh medonho que a centralidade das representações nos tenha deixado claro posição de plateia desse show horrorífico. Existe saída? Uma atitude humanitária poderia eclodir geral e fazer um corte radica a esse cenário? Uma saida a fazer a gente descer do trem! O mundo está (des) esperando ... e não há nada no fim do túnel.
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Betty Mindlin comentou:
19/10/2023
Bessa, maravilhoso, pegou mesmo no cerne do mundo
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Mari Weigert comentou:
18/10/2023
Também espero Bessa que meus netos possam viver num melhor. Este nosso é desumano
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Flávio comentou:
18/10/2023
á fiz esta comparação aqui antes , mas os fascínoras da guerra sempre tergiversam sobre o óbvio destes crimes hediondos visando vantagens capitalistas do ganhos de guerras sobre milhões de cadáveres. Nosso desafio é: como propor e conquistar a PAZ sem derrotar estes regimes de morte crimes contra a humanidade e a VIDA terrena???
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Ana Maria Nogueira comentou:
18/10/2023
O pior, pra mim, Bessa, é sentir a “volta aos anos de Vietnã”. Daí vejo que não consegui endurecer nada nesses mais de 50 anos…
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Silvio Tendler comentou:
18/10/2023
Zé Bessa, primoroso como sempre. Hoje vou caminhar contra-corrente. Não basta ficarmos indignados com Israel. Essa é uma guerra da barbarue contra o humanismo. Lamento dizer mas Netanyahu é aliado do Hamas contra a humanidade. Netanyahuahu se esconde protegido por um exército bem armado e o líder máximo do Hamas vive protegido com todo o conforto, ele é sua família, no Qatar. E fácil incentivar o povo a resistir num dos países mais luxuosos do mundo, estive lá, posso comprovar. E Netanyahu se protege de ir para a cadeia , acusado de corrupção. Essa guerra não interessa a ninguém. Tomemos partido pela paz. Silvio Tendler
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Hans Alfred Trein comentou:
17/10/2023
Caro Bessa, bem lembradas as frases de Trotzky e Einstein. Quando uma parte tão grande da força econômica no mundo é investida em armamento para produzir a morte, na verdade, o sistema já morreu e só não percebeu! Só dá para esperar que seja apenas "o sistema" que pode ser mudado. Mas, temo que seja a humanidade contaminada e decaída que está produzindo essa situação. Deprime, mas passado o momento da depressão, nos desafia a continuar lutando! Os exércitos, segundo Einstein nos lembra, "são um câncer da civilização e deveriam desaparecer o mais rápido possível". Me lembra a profecia de transformar lanças em podadeiras, espadas em arados (Isaías 2.4), invertendo a lógica da produção de morte para a produção de vida, as nações não levantando armas contra outra nação, nem aprendendo mais a guerra. Misericórdia! Abraços, Hans
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Sandra Rami comentou:
16/10/2023
Netanyahu não é gente é seus defensores tbm. Tantas vidas interrompidas precocemente.
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Dinamarta Silva comentou:
16/10/2023
O poder, o domínio e a sede de estender cada vez mais o capitalismo selvagem, não tem limite e, de, fato, a guerra só ceifa vidas e os que se salvam , não serão mais totalmente, mais humanos.
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Ronaldo Almeida comentou:
16/10/2023
Surge uma esperança no céu escurecido por bombas e mísseis. Manifestações anti-sionistas contra a guerra nas principais cidades. En New York e Londres ontem. Mesmo proibida a manifestação, em desobediência civil, as populações de Londres derrubaram as barreiras policiais e não acataram a proibição de manifestação em apoio à Palestina! É a maior manifestação realizada na capital inglesa desde o fim da II Grande Guerra.. Apoiar a Palestina, evidentemente, não significa apoiar os atos terroritas do Hamas.
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rodrigo comentou:
16/10/2023
Na torcida para que paz vença sempre. Muito triste tudo isso que está acontecendo. Absurdo investirem trilhões na industria bélica quando poderiamos extinguir a fome do planeta e a desigualdade que nos assola. Concordo professor, temos que apoiar sempre o exército da paz, um dia chegaremos lá, precisamos muito disso. Um abraço querido professor.
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JOSÉ da Silva SERÁFICO de Assis José Seráfico comentou:
15/10/2023
Babá, caro amigo, por que se fala em crimes de guerra, quando a guerra em si é o maior crime? Oxalá (Ogum, Oxum, etc) seus netos ajudem a construir um mundo melhor do que eu e você deuxaremos..
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Maria do Céu Freire comentou:
15/10/2023
Emocionante! Tanta violência não poderá ser descrita com minúcias, pq "nossos pés não pisaram lá "(Leonardo Boff), embora o que aparece já seja suficiente para repudiarmos qualquer grau de desumanidade. "Filhas de Jerusalém, chorem por vós mesmas e por vossos filhos" (Jesus)
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Marilza de Melo Foucher comentou:
15/10/2023
José Bessa no seu esplendor de jornalismo e de militância contra todas as formas de opressões no mundo e pela paz.
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Gerusa Pontes de Moura comentou:
15/10/2023
Eu tento buscar palavras apropriadas para não tornar o texto mais triste do que a situação vivida por quem passa por uma guerra. Eu só consigo sentir uma tristeza e uma tentativa de entender tudo isso. Não sei exatamente o que fazer, a não ser rezar pelas vítimas e familiares para diminuir o sofrimento. Tentar ser uma pessoa melhor, uma educadora comprometida com a EDUCAÇÃO e compartilhar todo o meu conhecimento com meus/minhas alunos/as, no dia como esse o qual comemoram o Dia do professor, fica a minha indignação.
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