CRÔNICAS

Bolsonaro vivo ou na canoa da morte?

Em: 12 de Julho de 2020 Visualizações: 10808
Bolsonaro vivo ou na canoa da morte?

“E conhecereis a mentira e a mentira vos aprisionará” (Taquiprati 12:07-20)

Bolsonaro está se fingindo de morto? Ou de vivo? A pergunta ganha sentido em dois contextos: 1) no teste positivo do capitão para o covid-19 num país sem ministro da saúde, com quase 2 milhões de infectados e mais de 70.000 mortos e 2) nos vetos do presidente nesta quarta-feira (8) à lei aprovada pelo Congresso Nacional, que garantia aos povos indígenas e quilombolas o acesso à vida através de água potável, material de higiene e limpeza, oferta emergencial de leito hospitalar, ventiladores e aparelhos de oxigenação. A alegoria de um barco da morte com passageiros que não sabem que já morreram pode ajudar a entender esse momento sinistro que parece surreal.

O barco é o cenário da peça Outward Bound do dramaturgo britânico Sutton Vane, escrita logo após a 1ª Guerra Mundial, quando o mundo estilhaçado vivia o trauma de 10 milhões de mortos e 20 milhões de mutilados.  Cerca de 3 milhões de viúvas e 6 milhões de órfãos choravam a perda de entes queridos. Essa geração destroçada é representada teatralmente aqui por oito personagens navegando num transatlântico em alto mar, sem saber porque estão ali e nem para onde vão, até descobrirem que estão todos mortos à espera de um julgamento com o inferno ou o céu como destino final.

A peça encenada na Broadway virou romance e depois filme. Embora seus personagens que representam a dor estejam distantes dos ocupantes do Palácio do Planalto, há algo comparável ao barco da morte na medida em que o presidente não sabe porque está ali, nem para onde vai e espera julgamentos sobre fake news, intervenção na PF e rachadinhas, tendo como destino o paraíso da reeleição ou o inferno do impeachment seguido de condenação por genocídio pelo Tribunal Internacional de Haia. A analogia pode ser feita com a gôndola funerária de Veneza, que até hoje transporta cadáveres, ou com a barca do mito grego que carrega almas penadas.

A barca de Hades

Talvez um dos mortos-vivos seja um certo capitão-presidente. Ele navega pelo rio que separa a vida da morte, na barca fúnebre pilotada pelo barqueiro Caronte, na qual estão as almas conduzidas para Hades - o reino dos mortos, localizado no submundo. Ou – quem sabe? – viaja dentro do caixão pelo lago do Palácio do Planalto, como na gôndola funerária de Veneza, conduzida aqui por quatro remadores: seus três filhos 01, 02 e 03 e na popa o escorregadio Queiroz.

Em qualquer dos casos, Bolsonaro já cavou, pelo menos simbolicamente, a própria sepultura. Na véspera de depor em inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre interferência sua na Polícia Federal, ele exibiu o teste de positivo para o coronavirus, ingeriu na frente das câmeras uma pastilha que disse ser de cloroquina e exaltou uma vez mais suas propriedades mágicas como se fosse garoto-propaganda cantando o jingle “Melhoral, Melhoral, é o melhor e não faz mal”. Mas a cloroquina pode fazer mal sim, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) que desautorizou o seu uso baseada em pesquisas científicas.

Os jornais, que abriram manchetes cautelosas - “Bolsonaro diz que está com Covid-19” - só mudaram depois que o atestado foi exibido. E olhe lá. Como observa Cora Rónai, com muita propriedade, “quando a imprensa de um país não tem coragem de dar como verdadeira a declaração de um presidente a respeito da própria saúde, quem vai mal é o país”.

Jair Pinóquio Bolsonaro mente diária-mente e des-mente o que anterior-mente havia afirmado, dando razões para as pessoas com um mínimo de sensatez não acreditarem mais no que diz. Supunhetemos, no entanto, que dessa vez ele esteja contaminado e que tenha tomado mesmo cloroquina. Se houver reações adversas e possíveis efeitos colaterais, ele tem assistência médica e hospitalar total da mais alta qualidade, gratuita para ele mas paga por nós, contribuintes, o que não acontece com os povos indígenas, a quem foi distribuído, em Roraima, toneladas de cloroquina, numa manobra genocida e a quem foi negado até mesmo o acesso à água potável.

A cavalaria americana

A lei aprovada pelo Congresso Nacional garantia durante a epidemia um conjunto de medidas para impedir que as mortes se alastrassem pelas aldeias. Bolsonaro, já infectado, vetou todas elas, incluindo o acesso à água potável. Desculpem o termo, mas é preciso ser muito escroto e mesquinho para bloquear o acesso de indígenas e quilombolas à vida, especialmente depois de garimpeiros e mineradoras terem poluído rios que atravessam as aldeias.  Só um morto-vivo é capaz de tanta crueldade. Na realidade, ele está realizando aquilo que disse como deputado, no dia 15 de abril de 1998, às vésperas do Dia do Índio, em pronunciamento publicado no dia seguinte no Diário Oficial da Câmara:

 - “Realmente, a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e, hoje em dia, não tem esse problema em seu país”.

É verdade que no mesmo discurso em que fica de quatro diante do lado podre dos Estados Unidos, Bolsonaro tentou relativizar, jurando que não era isso que pregava, mas manteve o discurso de que a vida dos índios representava um problema para o Brasil. Por isso, no Programa Datena na TV Band, Bolsonaro declarou em 2018: “Eu tenho falado que, no que depender de mim, não tem mais demarcação de terra indígena. Não terá um centímetro quadrado demarcado”.

O colunista Helio Schwartsman escandalizou a quem não soube ler seu artigo na Folha de SP “Por que torço para que Bolsonaro morra?”, no qual afirmava, em tese, que como qualquer pessoa em situação similar,  “o presidente prestaria na morte o serviço que foi incapaz de ofertar em vida”.

Na verdade, não precisa torcer. Bolsonaro já está dentro da canoa da morte. Politicamente, é um morto-vivo. Aliás, vivíssimo: que o diga Queiroz em sua doce prisão domiciliar decretada por um juiz que com tal medida é forte candidato a uma vaga no STF.

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26 Comentário(s)

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Rodrigo Martins comentou:
18/07/2020
Boa noite professor Bessa? Esse presidente é um zumbi malvado e desumano. Um absurdo ele vetar auxílio que seria importantíssímo para os indígenas e quilombolas. Mais uma triste ação de um presidente que nos envergonha a cada dia. Um abraço querido professor! Ps: A bicada da ema foi engraçada rs
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Harald Pinheiro comentou:
14/07/2020
Pior que vivo, pior que morto, um Presidente-Zumbi, faz estrago de todos os lados.
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Philippe comentou:
14/07/2020
É um deleite ler este texto! Tudo dito com humor, sem prejuízo da sensatez, com pertinentes alusões literárias, sem nenhum pedantismo. Merece ser amplamente divulgado. Por isso vou compartilha-lo no Facebook, Whatsapp e Instagram. Parabéns à pessoa que o escreveu.
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Loretta Emiri comentou:
14/07/2020
Infelizmente ele não está bastante morto, pois continua fazendo muitas mortes, especialmente entre os indígenas e os pobres.
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Loyua Costa comentou:
14/07/2020
Eu acredito no poder da ema. Aguardando os próximos episódios...
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Vera Nilce Cordeiro comentou:
14/07/2020
Muito bom. A reporter um dia desses correu dele qdo tirou a máscara, hj foi a ema comunista do jardim do alvorada que deu uma bicada no coiso. O risco é ela ser contaminada com a boçalidade dele
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Loyuá Costa comentou:
14/07/2020
Eu acredito no poder da ema.
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Farney Tourinho De Souza Omágua Kambeba comentou:
13/07/2020
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Alvaro Ricardo Gonçalves comentou:
12/07/2020
O que mais acrescentar se esta é a pura realidade dos nossos tenebrosos dias de hoje sem vislumbrarmos uma luz no fim do túnel. um país que era o mais rico dos brics, com exceção dos eua, o mais rico das américas, chegamos a ser mais rico do que a itália, frança, espanha, rússia, índia e hoje estamos igual ou pior do que a falida itália além, dentre tantas desgraças, para um país que chegou a ser a 6ª economia do mundo, desbancando a inglaterra, voltar ao mapa da fome da ONU que lula tirou e só não quebrou, de vez, ainda motivado pelas reservas cambiais de r$ trilhões deixadas pelo pt e pelos r$ 50 bilhões deixados por dilma,. e a educação e a saúde, cujas verbas foram congeladas por 20 anos?
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Josseli Teixeira Raffo comentou:
12/07/2020
Josseli Teixeira Raffo O cenário do barco da familicia numa tempestade no lago do planalto. Muito bom!
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Maria Do Carmo Lourenço (via FB) comentou:
12/07/2020
O povo fica indignado mas não faz nada pra mudar e pra piorar tem a pandemia que nos impede de agir. Antes das eleições ele já implicava com os índios e kilombolas. Estamos num mato sem cachorro. E quem trabalha pelo povo no Congresso e Senado é a minoria. Existe muita incerteza quanto ao futuro...um presente angustiante...
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Maia Somel comentou:
12/07/2020
Bozo está se fazendo de morto. Em troca? Fica longe de problemas, atrasam-se os processos, os rabos presos vão atuando... a boa e velha ópera de sempre.
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Edna Miudin Guerreiro comentou:
12/07/2020
É isso o que temos e onde estamos. Confinados e subjugados a um psicopata que conta com o aplauso e o olhar complacente da Caserna.
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Lucrecia Anchieschi Gomes comentou:
12/07/2020
Fernando Soares Campos, aprendemos com os textos postados.. Reforçamos conteúdos que nos parecem ter sido grande pesadelo apenas. Apesar de termos lido ou ouvido nos soam incertos, como o registrado por você: "Realmente, a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e, hoje em dia, não tem esse problema em seu país", dito pelo energúmeno e bestial presidente de um País que se propunha gigante! Grande abraço!
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Juliana Pérez González comentou:
12/07/2020
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Renato Amram Athias comentou:
12/07/2020
José Bessa Gostei da citação e o "resgate" do barco, sensacional.
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Fernando Costa de Vasconcelos comentou:
12/07/2020
Uma profunda reflexão sobre o atual momento mundial e brasileiro. Na realidade o Brasil está navegando sem bússola e sem timoneiro,num mar que não consta em nenhuma carta náutica! Espero que consigamos atingir, um dia , um porto seguro!
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Fernando Soares Campos comentou:
12/07/2020
Cheguei a sentir certa perturbação mental, seguida de ligeira tontura e sentimento de impotência, quando li isso "Realmente, a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e, hoje em dia, não tem esse problema em seu país" e me lembrei que o elemento que disse tal bestialidade é hoje presidente da República...
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Ana Silva comentou:
12/07/2020
Perfeita, Bessa. Excelente crítica sobre a nossa triste realidade.
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Renato Amram Athias comentou:
12/07/2020
José Bessa Gostei da citação e o "resgate" do barco, sensacional.
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Valter Xeu comentou:
11/07/2020
Publicado no Blog Patria Latina - http://www.patrialatina.com.br/bolsonaro-vivo-ou-na-canoa-da-morte/
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Felipe José Lindoso comentou:
11/07/2020
Espero que o Bozo acabe naufragando no Cócito, o rio de gelo das lamentações dos traidores, o último círculo do Inferno de Dante, e lá fique gemendo congelado pela eternidade. Um dos rios do Hades, que tinha toda uma bacia hidrográfica para ferrar com cada espécie de humano. E tomando cloroquina até cagar sangue.
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Rosana Magnani comentou:
11/07/2020
Ele deve ter muitas moedas
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Ademario Ribeiro comentou:
11/07/2020
Inicialmente, manifesto extrema alegria de que você, Prof. Bessa, existe. Como assistir a essas tantas canoas com esse verme - não tivéssemos - Taquiprati - pra mim - pranós - essas crônicas são elixires. Eu quero mesmo é continuar as palelanças cada vez mais vibradas para que o vento forte lance essa canoa para os confins do sem-tamanho. E que os que estão às margens possam compreender o que vaticinaram os anciãos do povo Hopi: "Somos aqueles por quem temos esperado".
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Ademário Payayá comentou:
11/07/2020
Oba! Vou lá para empurrar essa canoa para o peral!
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.M.L. comentou:
11/07/2020
Acabo de ler agora maravilhoso em todos os sentidos muito importante muito urgente Fantástico é o barco do aqueronte, o demônio caronte bolsonaro.
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