Para: Deus@deusdará.com.ceu.
Assunto: Recurso contra o papa
Excelentíssimo Deus, Senhor dos Exércitos
Na semana passada, publiquei aqui uma carta ao papa Bento XVI pedindo, pelo amor de Deus, a excomunhão de deputados corruptos e de juízes que vendem sentenças. O papa leu a carta neste Diário, mas se omitiu e ainda por cima fez uma série de papaquices. Decidi, então, falar com Deus. Para isso, ouço Gilberto Gil: apago a luz, afrouxo os nós dos sapatos, das gravatas, dos desejos, dos receios, e escrevo esta carta para interpor recurso, em última instância, contra o discurso do papa.
O papa Bento XVI, com todo respeito, só pensa em sexo. Recrimina jovens que transam antes do casamento, ataca o uso da camisinha, excomunga quem aborta, discrimina os gays, diz que o divórcio é uma “praga” e nega os sacramentos aos que casam uma segunda vez, como se não pudesse haver relações de amor, ternura e respeito entre divorciados. Com tanto assunto pra falar, será que ele não tinha outro? Pode reparar, o papa tem bronca de tudo que se refere à sexualidade! Parece até que o sexo não é criação de Deus. Como diz o macaco Simão: quero ser católico, mas o papa não deixa.
Bento XVI bem que podia investir contra a miséria, a fome, a guerra, a corrupção e o preconceito. Segundo relatório da ONU, 1.1 bilhão de pessoas vive em extrema pobreza, com renda mensal inferior a R$60,00. Mas o papa silencia sobre esse pecado social. Ocupou tempo e espaço na mídia com um discurso moralista mergulhando a igreja nas trevas do obscurantismo, olhando para os nossos pecados e não para a fé que ilumina a sua igreja. Deixa de ser o cordeiro para ser o rotweiller de Deus que cria os pecados no mundo, embora a comparação seja inadequada porque – como diz o macaco Simão - nunca se viu um rotweiller atacar alguém por ser gay.
As palavras de Bento XVI contaminaram muita gente que quer ser mais papista do que o papa. D. Dimas, secretário-geral da CNBB, partiu pra ‘inguinorância’ chamando de “garotas de programa” às meninas que ‘ficam’. O reitor da PUC-RJ, padre Jesus Hortal, reforçou essa ofensa não apenas às nossas filhas, mas às prostitutas que também são filhas de Deus. Os dois nunca ‘ficaram’, mas incriminam só as meninas, revelando seu machismo quando omitem qualquer censura aos meninos que com elas ‘ficam’.
Trata-se de um bando de machos de batina determinando o que é melhor para a mulher. Exercem o monopólio da moral, sem se preocupar com o que as mulheres pensam. No Brasil, 220 mil mulheres pobres são internadas anualmente no SUS para curetagem por terem sofrido ‘barbeiragens clandestinas’. O ministro da Saúde, José Temporão – o melhor do Governo Lula – propõe debate nacional em busca de solução para o problema, uma delas pode ser não considerar o aborto um crime. Por causa disso, ele é atacado como ‘sanguinário’, num discurso demagógico “em defesa da vida”.
Bento XVI quer defender a vida? Pode ser. Mas sua autoridade moral seria maior se condenasse também os ‘abortos’ feitos por Bush no Iraque, onde diariamente são sacrificadas vidas de civis inocentes e todos aqueles pecados sociais responsáveis pela fome e pela miséria. O debate sobre esse tema não avança porque um lado acha que o outro quer matar e esfolar, recusando-se a entender que ninguém é a favor do aborto, apenas uma parte da sociedade quer que deixe de ser crime.
Num artigo convincente, ontem, na Folha de São Paulo, o juiz gaúcho Roberto Lorea escreveu que seguir ou não a orientação da igreja é decisão de cada brasileira diante de uma gravidez indesejada. O papa é contra a pílula, mas a lei brasileira não considera um crime o seu uso. Se uma mulher católica não quer usar a pílula, não está obrigada a fazê-lo e sua decisão precisa ser respeitada. No entanto, ela não perde sua liberdade para mudar de ideia quando quiser. O mesmo pode ser dito em relação ao aborto.
Ser católico não impede que se seja laico e, nesse caso, é preciso aceitar pessoas que pensam diferente, cujos direitos devem ser garantidos pelo Estado. No encontro no Palácio Bandeirantes, Bento XVI pressionou Lula para assinar uma concordata com a Santa Sé, querendo transformar o Brasil numa espécie de Irã católico, o que felizmente não foi aceito. Igreja e Estado estão separados desde a proclamação da República, o que foi muito bom para as duas instituições.
Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Imaginem só se não houvesse essa separação! Com frei Galvão, os deputados descobriram que santo de casa já faz milagre. No Amazonas, o povo considera santa uma jovem menor de idade, Etelvina, que resistiu a um estupro e foi assassinada. Dessa forma, já que o ex-deputado Lupércio Ramos, especialista no ramo, perdeu as eleições para deputado federal, veríamos seu substituto, o deputado Sabino, apresentando projeto para canonizar oficialmente Santa Etelvina.
O Estado não pode dizer o que a Igreja deve fazer e vice-versa. Um país democrático respeita a Constituição e as leis que dela derivam e não o que o papa diz, porque embora seja a mais importante religião dos brasileiros, o catolicismo não é a única. Existem outras, cristãs e não cristãs, incluindo aqui as afro-descendentes e as indígenas, que devem ser igualmente respeitadas. O papa tem o direito de orientar o seu “rebanho”, para usar a expressão dele, mas não pode impor seus dogmas aos “rebanhos” de outras igrejas e às ovelhas desgarradas. Do contrário, estará exorbitando de suas funções.
A Igreja Católica enriqueceu a cultura ocidental com seus doutores, seus filósofos, sua arte, sua música, seus mártires, sua fé, defendendo valores compartilhados por grande parte da humanidade. Mas também cometeu erros graves de intolerância e injustiça. A Inquisição, impropriamente chamada de “santa”, queimou Giordano Bruno na fogueira, porque ele defendia o que hoje é ensinado em todas as escolas do mundo. As religiões e as línguas indígenas também foram massacradas pelo catolicismo triunfante.
Recentemente, a igreja reconheceu seus erros e, humildemente, pediu perdão. Quem nos garante que daqui a algumas décadas a igreja não vai pedir perdão pelos erros que agora pode estar cometendo? Um dos erros seguramente é essa ostentação de poder, essa gastança de dinheiro com os deslocamentos do papa, que contrasta com a imagem de Cristo entrando em Jerusalém no domingo de Ramos, montado num burrinho.
Bento XVI desfila em mercedes de luxo, em papa-móvel, em helicóptero, com anel e crucifixo de ouro, protegido por um esquema de 20.000 seguranças num grande espetáculo montado para a mídia. Só a Prefeitura de São Paulo gastou R$ 4 milhões com o papa, dinheiro do contribuinte, inclusive daqueles que não são católicos. Joseph Ratzinger é filho de gente humilde: um comissário de polícia e de uma cozinheira de um hotel, mas não é fiel às suas origens. Jesus nasceu pobre, viveu entre os pobres. O papa é a negação disso.
Será amanhã o julgamento do Bida, mandante do assassinato da freira americana Dorothy Stang há dois anos. Em 1986, o padre Josimo Moraes, com apenas 33 anos, a idade de Cristo, foi assassinado por defender os sem-terra. O padre Rodolfo, salesiano, foi morto por pistoleiros ao lado do índio Simão Bororo. A Igreja no Brasil tem seus mártires. É em nome deles, sobre quem não se fala, que interponho esse recurso, manifestando saudades de João XXIII e solicitando a Vossa Divindade que ilumine o papa Bento XVI para que ele se preocupe mais com os pecados sociais e menos com os sexuais, excetuando, é claro, os dos padres e bispos pedófilos, que é tarefa dele combater.
Do seu humilde servo,
Taquiprati