CRÔNICAS

O Shopping e a floresta

Em: 10 de Junho de 2007 Visualizações: 9648
O Shopping e a floresta
Ilmo. Sr. Belmiro Mendes de Azevedo
Presidente da Sociedade Nacional de Aglomerados e Estratificados (SONAE)
 
Saudações,
 
Escrevo essa carta, mas não repare os senões, para dizer o que sinto e manifestar minha indignação contra a SONAE, que vem devastando o resto de floresta existente entre as avenidas Recife e Paraíba, em Manaus, com o objetivo de lá construir um shopping, causando destruição da flora e da fauna e poluição da nascente do Igarapé do Mindú. Perguntei a São Google quem era o responsável por essa tragédia. Ele me contou tudo.
 
Descobri que você, Belmiro, nasceu em 1938 numa pequena freguesia semi-urbana chamada de Tuias, no município de Marco de Canaveses, distrito do Porto, norte de Portugal, berço de nossa Carmen Miranda. Sei que é o mais velho de oito irmãos, filho de uma costureira com um carpinteiro. Sei que passou a infância pobre nadando no Rio Ovelha, correndo pelas florestas da Serra da Aboboreira, entre os carvalhais, os castanheiros e a vegetação rasteira, no último santuário selvagem da região.
 
Fico imaginando que lá, nesses bosques repletos de riquezas florísticas, onde espécies nativas se alternam com pinheiros e eucaliptos, você conviveu com raposas, coelhos, doninhas, fuinhas, gatos selvagens, lobos, javalis, lontras e outros mamíferos, além de aves de rapina, pássaros, anfíbios, répteis e toda uma fauna de pequeno porte que essa floresta abriga. No inverno – eu imagino - você sentia bater em seu rosto o vento frio e cortante que sopra da Serra do Marão. Disso, ninguém esquece.
 
Depois, você trabalhou para poder estudar química na Universidade do Porto e se especializar nos Estados Unidos: Harvard e Stanford. Casou-se. Teve três filhos. Tornou-se dono da SONAE e de um império: hipermercados, telecomunicações, aglomerados de madeira, alimentação, construção, turismo e transporte, com 43 empresas em dezenas de países. Só no Brasil, são nove shoppings. A revista Forbes jura que você é o homem mais rico de Portugal, com uma fortuna de quase 2 bilhões de euros.
 
Agora, vamos trocar de lugar. Supunhetamos que esse seu criado aqui, que digita essas mal traçadas linhas, passa a ser o grande empresário, podre de rico. E você é apenas o modesto professor assalariado, que mantém coluna semanal no Diário do Porto, intitulada “Toma cá, gajo, para si”. Vejamos o comportamento de cada um de nós.
 
Digamos que eu queira construir um shopping em Marco de Canaveses. Para isso, derrubo as árvores do bosque, abro enormes crateras na Serra do Marão, destruo a vegetação rasteira: o tojo-da-charneca com seus caules baixos, espinhos finos e ramos acetinados. Decepo arbustos como a giesta-dos-jardins, de flores grandes e amarelas. Acabo com as florzinhas da urze-das-vassouras. Emporcalho as nascentes dos rios Ovelha, Odres e Galinhas e poluo o Rio Tâmega, símbolo do patrimônio natural da região.  
 
Dessa forma, impeço que os moradores das freguesias desfrutem aquelas paisagens naturais magníficas – os vales, as montanhas e as praias fluviais – entre os rios Douro e Tâmega. Sem querer, é verdade, acabo com a fauna, porque aqueles bichos todos que lá viviam não podem comer na praça da alimentação de um shopping, nem matar sua sede com coca-cola. Corto os últimos fios de lembranças da sua infância e apago sua memória.
 
Diga lá, amigo Belmiro, você me odiaria se eu arrasasse a floresta de sua infância?  Pois acontece que é exatamente isso que o holding Sonae Sierra está fazendo em Manaus, destruindo um dos poucos fragmentos florestais urbanos que sobram em nossa cidade, aumentando a poluição do igarapé do Mindu, derrubando castanheiras e seringueiras, comprometendo uma rica área alagada formada por um buritizal e arrasando as plantinhas. Tenho certeza que a coluna “Toma cá, gajo, para si” me esculhambaria por causa disso.
 
Ambientalistas, pesquisadores do INPA e moradores da área garantem, num abaixo-assinado, que as grandes árvores como castanha-do-amazonas, cumarus, seringueiras, jatobás, pau-bombo, um tucumanzal já quase todo cortado pela Sonae, e o bonito buritizal, com palmeiras de até 40m de altura, fornecem alimentação para as cutias, mucuras, bicho-preguiça e outros mamíferos, permitindo em plena área urbana de Manaus a vida de aves, répteis e anfíbios. Sem eles, toda essa fauna desaparecerá.
 
No extremo sul da área desmatada por você, Belmiro, há um olho d´água, contaminado por metais pesados da antiga fábrica da Beta, que funcionou no terreno ao lado. Essa é a nascente de um igarapé, afluente do Mindu, que por sua vez desemboca no rio Negro. A obstrução do curso do Mindu, o desmatamento de suas margens e o lançamento de esgoto e lixo provocaram recente alagamento de ruas e avenidas. A construção do shopping vai agravar essas inundações.
 
Parece ingenuidade minha, Belmiro, mas faço assim mesmo um apelo a você para que, num gesto de grandiosidade, escolha um outro lugar para construir o shopping, pode ser numa área de terraplanagem próximo ao aeroporto, como sugeriram os ambientalistas do INPA e da Universidade Federal do Amazonas. Assim você não vai dar um nó no trânsito, logo em frente ao Pronto Socorro 28 de agosto e ficará lembrado na história da cidade.
 
Aceite, Belmiro, a nossa sugestão e ceda a área para a Prefeitura construir um parque, que se chamará Parque Municipal Belmiro Mendes de Azevedo, aberto para a comunidade manauara, com a finalidade de lazer, atividades físicas, educação ambiental, turismo e preservação. Lá funcionará um eco-museu, mantendo os serviços ambientais oferecidos pela floresta: bela paisagem, zona de tampão de ruídos e poluição do ar, vida silvestre, ar mais puro e temperatura mais agradável, como sugere o documento dos ambientalistas.
 
Veja, Belmiro, o que aconteceu lá na sua terrinha. A Associação Amigos do Rio Ovelha, onde você aprendeu a nadar, protestou contra a degradação da área e os atentados ambientais sofridos nos últimos anos. Graças a isso, a Serra da Aboboreira foi incluída na rede nacional de áreas protegidas, sendo dotada de um estatuto particular e considerada como ‘Área de Patrimônio Natural’, provando que é possível combinar a crescente atividade comercial e industrial com a conservação e salvaguarda do patrimônio natural.
 
Lá, onde você nasceu, tem o Parque de Montedeiras que começou a ser construído em 2001. Belmiro, escute os moradores, os ambientalistas, os pesquisadores do INPA e da UFAM, que sequer foram ouvidos em audiência pública como a lei brasileira determina.  Contribua, Belmiro, para a criação do Parque Municipal, que levará seu nome, permitindo que as crianças de Manaus – Bia, Palmito, Bebel, Elisa, Pedro, Ana Carla, Gabriel e Gabriela, Thalissa  e tantas outras – tenham uma infância saudável como a sua.
 
Talvez assim cantaremos, outra vez, o hino da cidade: “Manaus, terra das florestas, terra das castanhas e dos seringais. Manaus, terra dos bares, dos igarapés, rios colossais”. Talvez assim a gente se esqueça do soldado português Francisco da Mota Falcão que em 1669 destruiu um cemitério indígena para construir o Forte de São José do Rio Negro. Talvez a gente lembre apenas daqueles portugueses que amam essa cidade e ajudaram a construí-la: o Armando da BICA, o Maravalha, o Leopoldino, você e tantos outros.
 
Belmiro, não construa um shopping sobre um cemitério de florestas. Seja mais Armando da Bica e menos Francisco da Mota Falcão. Senão, com todo respeito, em defesa da qualidade de vida dos nossos filhos e netos, faremos o que a Associação Amigos do Rio Ovelha fez: infernizaremos a vida da Sonae. Tenho dito.

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2 Comentário(s)

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Paulo Bessa Pimenta comentou:
11/11/2012
eu sou contra k se destrua a floresta e visto k e o pulmao do mundo
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Armando Barrela comentou:
11/11/2012
Uma das muitas desculpa para se construir o shopping é que pertencia, aquele pequeno ponto de floresta urbana, não a união, mas a uma tradicional família, a qual também, veio de Portugal, prá lá da Serra do Morão, bem depois de Peso da Régua. A Secretaria do Meio Ambiente do Amazonas pouco faz, umas vezes o pouco feito é um trabalho de gabinete a governadoria ou uma promoção como a de derrubar árvores como a cortada no entorno do Teatro Amazonas. O próximo núcleo florestal que está a ser destruído e na estrada da Ponta Negra... Um SHOPPING lindíssimo, que não deixará vestígios algum da flora e fauna daquela zona da cidade. Belo texto Babá!
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