.Abro o meu e-mail. Tem mensagem enviada por [email protected]. Ruiz? Égua! Pera lá! Só conheço um Rui, assim, no singular: é o Rachimbal, gente fina. Desconheço qualquer Ruiz, assim, no plural, com ‘z’, nem sequer suspeito quem pode ser. Será que meu computador está sendo atacado por algum vírus – o viruiz? Por via das dúvidas, aciono o anti-virus e abro o anexo intitulado: ‘A fábula educacional do secretário e seus bichinhos’. Só então, descubro de onde veio o texto.
É que, já na primeira linha, o texto do Ruiz traz o nome de Sérgio Freire de Souza, subsecretário de Educação do Município de Manaus, apresentado equivocadamente como sobrinho do secretário José Cyrino Junior. O Ruiz está desinformado. Pelo direito civil, os dois, na realidade, são primos em quinto grau. Sei disso porque o tio do Sérgio é justamente o papaizinho aqui, esse que digita essas mal traçadas. É. O tio dele sou eu. Logo, até mesmo quem comeu coquinho de pupunha conclui que ele é meu sobrinho.
O que é que o Ruiz quer que eu faça com meu sobrinho? Leitores vivem cobrando-me coerência que não tenho. Outro dia, um deles mandou dossiê com informações cabeludas sobre meu primo, Hélio Bessa, ex-prefeito de Tefé, desafiando-me:
- “Quero ver se você tem peito de denunciar”.
Não tive dúvidas. Minto. Tive. Tive sim. Muitas. Mas chequei os dados: o Hélio raspou mesmo os cofres municipais e embolsou dinheiro público. Pedi, então, desculpas à tia Nilza e escrevi ‘O Hélio sem cedilha’ (20/05/07), sentando a porrada no primo, que errou feio, cobrindo a família de vergonha.
Mas que diabo foi que o Sérgio fez de errado e de condenável? Seguiu o exemplo de seus antecessores e comprou computadores superfaturados? Fez aditivos de escolas fantasmas? Mutretou licitações? Ou comeu a merenda escolar, tal qual um ex-secretário apelidado de José Mello Merenda? Por acaso Sérgio é incompetente como gestor público? Não. Não. Nada disso. O próprio Ruiz reconhece, implicitamente, que Sérgio é honrado e competente, tanto que a única acusação que faz contra ele é de que teria cometido delito de opinião. A mesma acusação lhe é feita por uma Eglê, prova viva de que a inveja é uma merda.
O pecado de Sérgio foi escrever o artigo ‘A Arca de Noé’, no qual classifica vários tipos de professores, inclusive os preguiçosos, identificando, na fauna docente, entre outros, o professor-coruja, pedante e metido a sabichão; o galo, posudo e falastrão; o cobra, venenoso e maledicente; o pavão, que gosta de aparecer, exceto na sala de aula; o anta que ficou burro, porque comeu coquinho de pupunha; o lombriga, que vive tirando licença médica, e o formiga, esse sim, eficiente e devotado que, embora mal remunerado como todos, constrói a escola pública com seu trabalho cotidiano.
Usando linguagem metafórica, ‘A Arca de Noé’ homenageia os bons professores, criticando os picaretas, que existem em qualquer profissão. Ruiz, no entanto, tomou as dores dos lombrigas. Até aí tudo bem: lombriga, mesmo sem perna, tem direito de espernear. Mas ele generalizou indevidamente, quando escreveu: “Os professores de Manaus se sentiram ofendidos”. Dessa forma, atribui a todos um sentimento que é só dele ou de alguns. Afinal, os vagabundos não são muitos assim. Os formigas, que gostaram – diversos escreveram pro Sérgio - não lhe deram procuração para falar no nome deles, que são a maioria.
É que Ruiz jamais fala por sua própria boca, escondendo-se sempre atrás de outras boquinhas. Ataca o subsecretário, pedindo ajuda a um batalhão internacional de autores franceses, alemães, holandeses, gregos, entre os quais Foucault, Deleuze, Guattari, Sartre, Karl Marx, Esopo, Espinoza, Brecht, citados exaustivamente, como se isso pudesse legitimar o seu discurso. Ruiz não tem autonomia. Não consegue mais dar um simples “bom dia” por conta própria, como qualquer mortal. Necessita usar autores da moda para saudar seus cúmplices:
- “Bom dia De Carlito, Bom dia Fabrício, como disse Bakhtin a Vigotsky, em bela manhã primaveril”.
O dia será bom, não por causa do sol, mas porque Bakhtin dixit. Essa pretensa erudição dá um verniz à fala, mas a sufoca, desvinculando-a da vida. Ruiz trata da educação pública em Manaus, sem citar um só professor da rede municipal ou um único dado da realidade. O prefeito e o secretário falham porque
“Foucault diz n’As Palavras e as Coisas que ´livre da relação, a representação pode se dar como pura apresentação’. O que a atual gestão de Serafim-Cyrino nos pode apresentar? Nesse sentido, pode-se dizer que a gestão atual da Semed e, por extensão também da Prefeitura de Manaus são piores do que as que passaram antes dessa”.
Pobre Foucault, envolvido numa disputa municipal e transformado em cabo eleitoral de Amazonino Mendes, num discurso pedante, que só serve mesmo para enganar os trouxas. O que é que tem a ver o cós com a calça? Ruiz comeu x-caboquinho e quer arrotar caviar. Suspeito que não leu os livros que cita, ou se leu, não entendeu bulhufas. Sua retórica rebuscada e vazia é ininteligível. Quem é que ouve “as vozes sussurrantes do triste sujeito sujeitado” ou “os signos baseados na significância do signo significante que rapidamente transita para um outro regime”? Não estou inventando não. O Ruiz escreveu isso mesmo. Afinal, o que ele quer? Vamos deixá-lo responder:
“Por isso, uma resistência não passa somente pela destituição do subsecretário, como querem muitos professores e até, eleitoralmente, alguns vereadores. Não é somente transição de regimes de signos, é necessário liberar uma linha de criação para a oralidade maquínica”.
Ou seja, Foucault, Guattari e Deleuze querem a demissão do Serginho e, depois, a do Cyrino, para dessa forma poder “liberar uma linha de criação para a oralidade maquínica”. Foi aí que turma da boquinha fez tempestade em um copo d´água. O vereador Fabrício, que deixou de apoiar Serafim porque não teve mensalinho, usou a tribuna para chamar o subsecretário de “jumento”, ao que Ruiz acrescentou: “como disse Jorge Amado”. Outro vereador, o Decarlito, pré-candidato a prefeito, entrou na jogada, mostrando que DNA é coisa séria.
O descontentamento de alguns professores em relação ao artigo ‘A Arca de Noé’ é uma postura puramente corporativista, em defesa de ’lombrigas’ e ‘antas’. Está sendo explorado de forma oportunista por forças políticas retrógradas, que sempre usaram o setor da educação como um aparelho partidário e por alguns que tiveram cargos perdidos na Semed. É de se esperar que os vereadores do PT – Zé Ricardo e Waldemir – que apóiam quem se intitula trabalhador, percebam que tal postura nada tem de revolucionária e não entrem nessa.
Duas razões me levaram a tornar público aqui o grau de parentesco com Serginho. Uma é por respeito ao leitor, para que ele saiba de onde estou falando e possa se situar em relação à minha fala, que não é descompromissada e tem – como quer Foucault – “vínculos nepóticos vinculantes”.
A outra razão é esclarecida por Guattari, quando nas passeatas de maio de 1968, em Paris, salvou seu sobrinho Félix das garras da Polícia e por causa disso levou umas cacetadas. Ele, então, declarou: “a estrutura de parentesco, dentro da problemática da estética fenomenológica, torna-se o lócus da solidariedade, subsumindo persuasivamente as conseqüências daí derivadas”. Ou, no popular: “tio que se preza, não deixa sobrinho apanhar sozinho”. Pois é. O tio do Serginho sou eu.