CRÔNICAS

Desculpas manauaras: a questão ambiental

Em: 27 de Janeiro de 2008 Visualizações: 8520
Desculpas manauaras: a questão ambiental

 Por que quase sempre os bandidos ganham e os mocinhos perdem, tanto na vida real como nas telenovelas? O teatrólogo alemão Bertold Brecht acha que “os bons perdem não porque são bons, mas porque são fracos”. A derrota, portanto, não é inerente à bondade, mas à fraqueza. Basta, então, que os bons fiquem fortes, para que os malvados sejam derrotados. É a lição que precisa ser aprendida por todos aqueles que lutam para conservar os espaços verdes de Manaus.

Esse é o sentido da mensagem de Elisa Wandelli, que se destacou nessa luta. O espaço da coluna vai dedicado à sua carta, publicada abaixo na íntegra. Ela diz: 

Não podemos iniciar 2008 sem pedir desculpas por não termos conseguido preservar o fragmento florestal situado entre as avenidas Paraíba e Recife, conhecido como "Igarapé da Magistral", que apesar do apelo popular teve sua destruição autorizada pelos órgãos ambientais (SEMMA e IPAAM) para construção do Shopping da Sonae Sierra e cujo desmatamento iniciou-se no dia mundial do meio ambiente em 2007. 

Pedimos desculpas às gerações passadas e futuras, aos moradores de Adrianópolis, desde os mais humildes até os residentes nos prédios de alto padrão, que sofreram igualmente com o desmatamento; às idosas senhoras que choraram pela preservação da área de lazer de suas infâncias; às donas de casa indignadas com o destino das cotias, das preguiças, dos gaviões, e aos jovens liderados por Gustavo Nogueira, que nos procuraram para ajudá-los a salvar a floresta. Infelizmente rechaçamos suas idéias de "amarrarem-se às arvores", convencendo-os, ilusoriamente, que o caminho correto seria denunciar aos órgãos ambientais e ao Ministério Público. 

Pedimos desculpas especiais a todos que usaram o dom da palavra para bradar contra o desmatamento: ao José Ribamar Bessa, que com o "Taqui pra ti" do "Diário do Amazonas" clamou a infância de todos e a importância de preservarmos o Igarapé da Magistral com as inteligentes e hilárias, mas sensíveis e deliciosas crônicas endereçadas ao presidente do Grupo Sonae Sierra (O Shopping e a floresta - 10/06/2007)) e ao Belão, presidente da ALA, solicitando que o shopping fosse construído em outra área (Entre a maloca e o castelo - 24/06/2007).

Ao Tenório Telles, com sua delicadeza na crônica "Onde vão morar os passarinhos?", que nos sensibilizou sobre a agonia das aves que buscavam seus ninhos em árvores que foram cortadas. Nossas vidas ficaram diminuídas sem suas presenças. À revista Família Cristã, que divulgou o abaixo assinado alertando para o fato de Manaus perder áreas verdes para desmatamentos criminosos com a conivência de órgãos ambientais (SEMMA e IPAAM), que vêm licenciando indevidamente a construção em áreas protegidas por lei, como fragmentos florestais, margens de nascentes e igarapés. 

Pedimos desculpas também à Associação de Pesquisadores do INPA (ASPI) e a Associação dos Servidores do INPA (ASSINPA), que publicaram no "Amazonas em Tempo" sobre a importância social e ambiental da vegetação da área e denunciaram o licenciamento indevido concedido pela SEMMA e IPAAM para desmatar o fragmento florestal com áreas de preservação permanente. 

Ao Fórum Permanente de Defesa da Amazônia Ocidental e à Comissão de Direitos Humanos da Arquidiocese de Manaus, que com o apoio de alguns professores do Departamento Florestal da UFAM, liderados por Frederico Arruda, realizaram um estudo e denunciaram ao Ministério Público Estadual a carência de ética e de qualidade técnica do relatório ambiental apresentado pelo Sonae Sierra e do licenciamento concedido pelo IPAAM e SEDEMA. 

Ao Instituto Socioambiental (ISA), à Fundação Vitória Amazônica (FVA), à Conservação Internacional (CI) e ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (IDESAM), que cobraram dos órgãos ambientais, no mínimo, uma compensação ambiental satisfatória pela destruição do fragmento floresta e muito além da simples remoção de mudas e de mamíferos realizada pela SEMMA na área do shopping. 

A José Seráfico, diretor da Fundação Djalma Batista, que aplaudiu o desejo dos empresários de criar negócios com o Estado do Amazonas, mas discordou do lugar escolhido para construção do shopping e apelou ao Presidente do Sonae Sierra para que "os sonhos dos de hoje e a vida dos que virão depois não sejam comprometidos". Ao jornalista Renan Albuquerque, que alertou no ‘Amazonas em Tempo’ sobre a dificuldade do equilíbrio entre os interesses econômicos e a qualidade de vida. 

Ao vereador José Ricardo, do PT, que cobrou da Prefeitura critérios para licenciar obras que comprometem a história da cidade e a qualidade de vida da população. Ao PDT, que preocupado com a carência de áreas verdes em Manaus e com a piora do já caótico transito que o shopping irá causar, apelou, inutilmente, ao prefeito para discutir a localização da obra. Ao caderno Cidade e à coluna "Sim e não" de ‘A Critica’, que divulgou o apelo dos moradores para transformar a área em Parque Municipal e assim preservar a nascente do Mindú. 

Às centenas de manauaras, sobretudo ao professor da UFAM Valmir Oliveira, falecido  em acidente de ônibus na semana passada, e às ONGs, que protestaram, aos Ministérios Públicos, à Vara Ambiental e aos órgãos ambientais e até à jornalista Baby Rizzato, que protestou em sua coluna contra o desmatamento do ultimo fragmento de floresta do bairro Adrianópolis. 

Nenhum desses apelos indignados da população e da comunidade científica foi ouvido. No entanto, apesar da democracia, da ética, da legislação ambiental e do meio ambiente terem sido derrotados, a luta da comunidade e dos ambientalistas foi emblemática para Manaus, pois reacendeu a sensibilização coletiva para preservação de seus recursos naturais e culturais, que há aproximadamente 20 anos não se manifestava na cidade. 

Pedimos desculpas aos que eram a favor ou indiferentes ao desmatamento, por não termos conseguido sensibilizá-los sobre a óbvia importância dos fragmentos florestais e sobre como estas atitudes irresponsáveis com o bem coletivo em Manaus são tomadas pelos amazônidas do interior como exemplo a ser seguido no trato do patrimônio natural e cultural da Amazônia. Pedimos desculpas por não termos apreendido ainda a lidar com a carência de ética e a cegueira ao clamor público. O poder econômico de poucos falou mais alto para os governantes e empresários do que a qualidade de vida de muitos e, infelizmente, em 2007, grande parte das florestas e igarapés que restavam em Manaus foram também destruídos. 

Pelas crianças e gerações futuras devemos continuar a lutar para preservar os parcos fragmentos de memória, de dignidade e de florestas que restam em Manaus. Mas a partir de agora, para obtermos êxito teremos que ser mais coesos e possivelmente voltar a adotar formas de luta como a sugerida pelos jovens do Adrianópolis e "nos amarrar às árvores". Desejamos que alguma floresta e um límpido igarapé sobrevivam perto de seus lares para dar-lhes boas energias em 2008. Elisa Wandelli.

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