CRÔNICAS

Os cães farejam livros (Versión en español)

Em: 18 de Setembro de 2011 Visualizações: 46722
Os cães farejam livros (Versión en español)
Quinta-feira à noite, sala de embarque, no Aeroporto de Quito, Equador. Aguardo o voo para o Rio. Enquanto leio no diário argentino La Nación a notícia da demissão do ministro do Turismo do Brasil, Pedro Novais, ouço pelo serviço de alto-falante um anúncio da companhia aérea TACA:
- Atención, señor Rosé Messa, por favor, diríjase  a la puerta de embarque 22.
Eu, nem te ligo! Continuo a leitura. A notícia dizia que o ministro Pedro Novais, 81 anos, quando deputado, usou dinheiro público para pagar despesas de motel, salários da governanta e do chofer particular de sua mulher, além de estar envolvido com desvio de verbas do Turismo. Enfim, o cara está mergulhado até o tucupi em corrupção das grossas. O alto-falante continuava insistindo. No final da leitura, ouço pela quarta vez:
- Señor Rosé Messa, urgente, diríjase a la puerta de embarque 22.
Foi aí que a ficha caiu. Desconfiei que Rosé Messa podia ser José Bessa. Fui conferir. Era.
A funcionária da TACA checou meu passaporte e os tíquetes das duas malas e me convidou gentilmente a acompanhá-la. Gentilmente? Fui conduzido até uma porta blindada, de uso privativo, ela usou seu cartão magnético, digitou uma senha, a porta se abriu. Entramos por um longo corredor, descemos escadas e demos muitas voltas até chegarmos ao terminal de carga, onde havia um intenso movimento, com pessoal especializado manejando equipamentos no meio das bagagens. Eu nem suspeitava da existência dessa espécie de hangar. 
De repente, me vi rodeado por vários policiais, com cães treinados, havia um Golden Retriever e outro que parecia ser um Springer Spaniel, adestrado no combate ao narcotráfico. Dizem que esse animal possui cinco milhões de células olfativas e é capaz de farejar qualquer tipo de droga: maconha, cocaína e seus derivados, material explosivo e até ministros corruptos indicados por Sarney.
O cão não saía de perto de uma de minhas malas. O policial verificou meu passaporte, conferiu o tíquete e perguntou se aquela mala era minha. Confirmei. Perguntou o que continha.
“Livros” – eu respondi.
Ele, então, decidiu verificar, e me pediu para abrir o cadeado, o que foi feito.
O zeloso policial tirou um por um cada um dos 53 livros,folheando-os com curiosidade. Os temas de que tratavam eram os mais diversos, todos vinculados à temática indígena: educação bilíngue, ecoturismo, etnobotânica, etnomedicina, uso de plantas medicinais, parteiras indígenas, guia etnográfico da região amazônica, canções indígenas e livros de etnomusicologia, mitos, contos e narrativas, bem como dicionários e gramáticas de diversas línguas editados pela Abi Ayala, além de "El libro de los gatos" da Editora Bajo la Luna com poemas sobre felinos, que adquiri por causa do meu gato León.
A mala, agora vazia, foi submetida outra vez ao faro do Springer Spaniel, que se desinteressou dela, virando a cabeça para o outro lado onde estavam os livros empilhados. O policial voltou a colocá-los dentro da mala, um por um, folheando-os como quem embaralha cartas de um baralho. Depois de revisar a segunda mala, onde estavam roupas, procedeu a um interrogatório. Com respeito, mas com certa impaciência, me bombardeou de perguntas.
Qual era minha profissão, o que eu tinha vindo fazer em Quito, se era a primeira vez que visitava o país, se pretendia retornar, por que levava tantos livros? Respondi que era professor universitário, mostrei o convite da Pontifícia Universidade Católica do Equador que me enviou as passagens para participar de um Congresso sobre as Línguas em Perigo, esclareci que voltaria se me convidassem outra vez.
Quanto aos livros, o policial perguntou ingenuamente se eu ia lê-los todos. Disse-lhe que provavelmente não. Então, por que eu os levava? Comparei com a arma que ele portava: era para usar, somente quando eu precisasse, se precisasse. Expliquei que aqueles livros podiam ajudar o meu trabalho, que eles haviam sido trocados por exemplares do livro que escrevi, e exibi, orgulhoso, um exemplar da segunda edição do “Rio Babel, a história das línguas na Amazônia”.
Perguntei se ele falava quéchua. Não, apenas entendia, seus pais é que falavam. Aproveitei para discorrer sobre a situação das línguas indígenas no continente americano e, quando me vi, já estava dando uma aula de sociolinguística. O policial me liberou, correndinho, para não ser obrigado a assistir a aula. Mas antes de me retirar, vi a insistência do Springer Spaniel que continuava invocado, farejando minha mala, justamente no lado onde eu havia depositado um exemplar do livro de minha autoria.
Será que o cão sentiu o cheiro do León, meu gato, que costuma deitar-se em minhas malas às vésperas da viagem, só para demarcar território? Ou esse Springer Spaniel é um crítico literário e está achando meu livro uma droga? Eu, hein?
PS - Urgente – POVO KAIXANA CERCADO. Acabo de receber, neste sábado, a seguinte nota assinada por Aucá Pellin, que me foi enviada pelo tukano Manuel Moura, residente no Alto Solimões. Dados concretos colhidos durante a madrugada de hoje: o prefeito Antunes Vitar Ruas mandou os vereadores incitar o sindicato dos trabalhadores rurais e estão  invadindo a Área indígena  Kaixana  Vila Presidente Vargas, Município de Santo Antônio do Içá.
Neste lugar existe um sítio arqueológico Kaixana e, no Governo  do Eduardo Braga,  este mesmo prefeito passou uma estrada ao lado deste sítio arqueológico, e as máquinas arrastaram cerâmicas e ossos que permitiram o roubo de peças milenares.
O cacique Kaixana Francisco Barroso Larranhaga está resistindo bravamente ao ataque que começou ontem,  mas está  ficando encurralado. Quem está comandando a invasão  são Jocinei Sabino Malheiros  e Paulo Garcia  do Sindicato Rural, com o apoio dos Fazendeiros  Biá e Iraci Pedrosa.
O motivo das invasões é impedir a demarcação das áreas indígenas. Quando Eledilson denunciou o ano passado a invasão, foi preso, torturado, teve sua casa invadida e foi ameaçado de morte. Firmino Fecio Filho da Ouvidoria Nacional da Defesa dos Direitos Humanos em Brasília acolheu  e deu  andamento ao processo em Outubro de 2010. Estou acompanhando pelo telefone e dá para ver que a tensão é enorme e a qualquer momento pode haver sérias consequências porque os invasores estão armados.
 

 

 

 

 

LOS PERROS QUE OLFATEAN LIBROS

 

José Ribamar Bessa Freire

 

18/09/2011 - Diário do Amazonas

 

Es un jueves por la noche, estoy en la sala de embarque del Aeropuerto de Quito, Ecuador, esperando el vuelo para Rio. Mientras leo en el diario argentino La Nación la noticia de la demisión del ministro de Turismo de Brasil, Pedro Novais, escucho  por el servicio de alto-parlante un anuncio de la compañía aérea TACA:

Atención, señor Rosé Messa, por favor, diríjase  a la puerta de embarque 22.

Yo, ni ahí! Continúo la lectura. La noticia decía que el ministro Pedro Novais, 81 años, cuando era diputado, usó dinero público para pagar despensas de un motel de encuentros amorosos, salarios de una gobernanta y del chofer particular de su mujer, además de estar involucrado en desvío de verbas de Turismo. En fin, el tipo está metido hasta el cuello en corrupción brava. El alto-parlante continuaba insistiendo. Terminando la lectura, escucho por la cuarta vez:

Señor Rosé Messa, urgente, diríjase a la puerta de embarque 22.

Fue en ese momento que me cayó la ficha! Comencé a sospechar que Rosé Messa podía ser José Bessa. Fui a comprobar. Si, era verdad.

La funcionaria de la TACA revisó mi pasaporte y los tickets de las dos maletas, convidándome gentilmente que la acompañara. Gentilmente? Me llevó hasta una puerta blindada, de uso privado; tuvo que usar su tarjeta magnética y digitar una seña para abrir la puerta. Entramos por un largo corredor, bajamos escaleras y dimos muchas vueltas hasta llegar al terminal de carga donde había un intenso movimiento, con personal especializado manejando equipamientos en medio de los equipajes. Yo ni imaginaba la existencia de esa especie de hangar.

De repente, me vi rodeado por varios policías, con perros entrenados, uno de ellos era un Golden Retriever, el otro  parecía ser un Springer Spaniel, adiestrado para combatir el narcotráfico. Dicen que ese animal posee cinco millones de células olfativas y es capaz de detectar cualquier tipo de droga: marihuana, cocaína y sus derivados, material explosivo; dicen que puede sentir de lejos ministros corruptos indicados por el ex-presidente de la República José Sarney.

El perro paró cerca de una de mis maletas. El policía verificó mi pasaporte, chequeó el ticket y me preguntó si aquella maleta era mía. Respondí afirmativamente. Me preguntó qué es lo que contenía. “Libros” –  respondí. Entonces, decidió verificar y me pidió que abriera el candado.

El celoso policía retiró uno por uno cada uno de los 53 libros, hojeándolos con curiosidad. Los temas que trataban eran los más diversos, todos vinculados a la temática indígena: educación bilingüe, ecoturismo, etnobotánica, etnomedicina, uso de plantas medicinales, parteras indígenas, guía etnográfico de la región amazónica, canciones indígenas y libros de etnomusicología, mitos, cuentos y narrativas, así como diccionarios y gramáticas de diversas lenguas editados por Abi Ayala, incluyendo "El libro de los gatos" de la Editora Bajo la Luna con poemas sobre felinos, que adquirí en honor a mi gato León.

La maleta, ahora vacía, fue sometida otra vez al olfato del Springer Spaniel que perdió el interés por ella, volteando la cabeza para el lado donde estaban los libros apilados. El policía volvió a colocarlos dentro de la maleta, uno por uno, hojeándolos como quien baraja cartas de un naipe. Después de revisar la segunda maleta, donde estaban las ropas, procedió a un interrogatorio. Con respeto, pero con cierta impaciencia, me bombardeó con preguntas.

Cuál era mi profesión, que es lo que había venido a hacer a Quito, si era la primera vez que visitaba el país, si pretendía retornar, por qué llevaba tantos libros? Respondí que era profesor universitario, le mostré la invitación de la Pontificia Universidad Católica del  Ecuador que me envió los pasajes para participar de un Congreso sobre las Lenguas en Peligro, aclaré que volvería si me invitasen otra vez.

En relación a los libros, el policía preguntó ingenuamente si los iba a leer todos. Le dije que probablemente no. Entonces, por qué los llevaba? Hice una comparación con el arma que él portaba: se usan solamente cuando se les necesita. Expliqué que aquellos libros me podían ayudar en mi trabajo, que habían sido permutados por ejemplares del libro que escribí y exhibí orgulloso un ejemplar de la segunda edición del “Rio Babel, la historia de las lenguas en la Amazonía”.

Le pregunté si hablaba quechua. No, apenas entendía, sus padres si lo hablaban. Aproveché para discurrir sobre la situación de las lenguas indígenas en el continente americano y cuando me di cuenta, ya estaba dando una clase de sociolingüística. El policía me liberó, rapidito, para no tener que asistir la clase. Mas antes de retirarme, vi la insistencia del Springer Spaniel que continuaba desconfiado, olfateando mi maleta, justamente el lado donde había colocado un ejemplar del libro de mi autoría. 

Me pregunto si el perro sintió el olor de León, mi gato, que tiene la costumbre de meterse en mis maletas las vísperas de mis viajes sólo para marcar territorio. O ese Springer Spaniel es un crítico literario y está pensando que mi libro es una droga? Ay,ay!

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17 Comentário(s)

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Felipe de Paula comentou:
08/10/2011
Cães treinados pelos arrozeiros foi demais... hahaha.... rindo à "Bessa"!
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Bel comentou:
27/09/2011
Adorei ver como pode combater com a arma poderosa do "gogó" espantando imediatamente a polícia, que não está nem um pouco interessada em filososfia ou antropologia! hahaha!
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VANIA TADROS comentou:
24/09/2011
QUEM MATOU A CHARADA FOI O PAULO BEZERRA. A MEMÓRIA GENÉTICA FOI ATIVADA E ELE FAREJOU O QUE? COMUUUUUUUUUUUUUUUNISSSSSSSSSSTA!
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Andrea Sales comentou:
20/09/2011
É Bessa, talvez o cachorro do policial queria falar o cachorrês com teu gato pessoalmente...quem sabe ele não seria útil para expulsar os insistentes invasores de terras indígenas...
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Paulo Bezerra (2) comentou:
20/09/2011
Pedro Novais faz parte da quadrilha do Sarney que assalta o dinheiro público a mais de 40 anos. Outro dia assisti o Senador Alvaro Dias (PSDB) condenar a corrupção e o loteamento de cargos. Pois bem, sabem quem o senador e o seu partido votaram para pres. do senado? Adivinhem... no SARNEY. O seu oponente Sen. Randolfe Rodrigues (PSOL) obteve apenas 8 votos dos 81 possíveis. Quanta incoerência. Até quando vamos assistir passivamente o roubo do dinheiro público ! !
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Paulo Bezerra comentou:
20/09/2011
Meu caro "Rosé Messa" - soa bem pacas -. vou tb dar a minha "pissica" sherlockiana. Acontece que o Springer Spaniel farejador de drogas trouxe no seu DNA um gene do seu tataravô que tb era policial e farejava comunistas. Ao examinar a tua mala de viagem. se deparou com o cheiro de quem? de quem ? do LEÓN TROTSKY. Agora tá explicado.
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Múcio Medeiros comentou:
19/09/2011
É sempre bom ler e compartilhar os textos do professor Bessa
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Manoel Moura comentou:
18/09/2011
Rose Messa em Quito, Manuel Moura, tukano no alto Solimóes, grandes viagens contigo! paz!
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Teresinah Moises comentou:
18/09/2011
Vc continua fantástico, seu humor ácido também. A crõnica esta perfeita. Saudade de beber de sua sabedoria.
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Ana Stanislaw comentou:
18/09/2011
Mais uma história inusitada da tua biografia. rsrs Acho que deveríamos importar uns cães desses e levá-los para Brasília. Com certeza lá o olfato treinado desses animais sentiriam de longe o cheiro podre da corrupção.
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18/09/2011
Rose Messa em Quito, Manuel Moura, tukano no alto Solimóes, grandes viagens contigo! paz!
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Jandir Ipiranga Júnior comentou:
17/09/2011
Eu aposto que é cheirinho do sovaco do León, que desmantelou o "trabalho" daquele severo olfato.
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Fernanda comentou:
17/09/2011
Situação inusitada..... já fui abordada no aeroporto em Brasília indo para a Portugal pois em mina bagagem haviam DVD's, os levava para exibi-los na Itirenancia do Festival. Depois de toda revista o policial justificou horrivelmente: desculpe-me senhora mas está na rota do narcotráfico: Rondônia/Lisboa...... esses cães não eram iguais aos seus que gostam de ler.... esses são mesmos preconceituosos...."
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Harald Pinheiro comentou:
17/09/2011
Bessa, talvez os livros de etnobotânica e plantas medicinais estivessem carregados de comentários da cannabis sativa e outros alucinógenos ou quem sabe as paginas eram recicladas com ervas sensíveis ao alfato canino. Daí o ato de ler será literalmente um consumo e uma viagem. O certo é que há excessos. Aqui na PUC-SP o Reitor baixou uma portaria suspendendo a aula do dia 16/9 por conta do "I Festival da Cultura Canábica". O teor da portaria é tão exagerado quanto a insistência dos cães de Quito.
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Celeste Correa comentou:
17/09/2011
Já não se "fazem" mais cães como antigamente. rs. Creio que esses cães,ou são genéricos made in Taiwan, ou foram cães treinados pelos arrozeiros de Roraima.rs..
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VANIA TADROS comentou:
17/09/2011
O NOME DO TEU GATO LEÓN FOI DADO EM HOMENAGEM AO PONCE DE LEÓN?
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VANIA TADROS comentou:
17/09/2011
BESSA TU TE METES EM CADA UMA? POR QUE NÃO DESPACHASTES ESSES LIVROS PELOS CORREIOS? APESAR DA GREVE UM DIA CHEGARIAM. AQUI EM MANAUS, ESTÃO LEVANDO DROGAS ATÉ EM VIDROS DE VICKVAPURUB. FOI A PRIMEIRA VEZ QUE EU SOUBE DE ALGUÉM QUE NÃO GOSTASSE DAS TUAS AULAS.
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