CRÔNICAS

Que time é teu? Vasco e as rezas da mãe

Em: 12 de Junho de 2011 Visualizações: 38304
Que time é teu? Vasco e as rezas da mãe
Foi assim que o Vasco, mesmo perdendo, se tornou campeão da Copa do Brasil, quarta-feira, em Curitiba. Tudo começou, na realidade, em 1999.
- Vou rezar. Quer alguma coisa, meu filho?Alguma intenção especial?
A pergunta foi feita por minha progenitora, dona Elisa, antes de sair pra missa, como fazia diariamente. Na época, ela morava perto da igreja, em uma estreita viela do bairro de Aparecida, Manaus, outrora conhecida como Beco da Bosta por causa do esgoto a céu aberto. A reza dela, forte, já curou muita doença na família e operou milagres. Sua fé, robusta, tinha a premonição do pássaro que canta na madrugada ainda escura, pressentindo a aurora que se anuncia.
- Quero sim. Reze pro Vasco ser campeão! - respondi, de forma sincera, mas com um oportunismo deslavado:
- Você né besta não, José? Imagina! Com tantos problemas no mundo, Deus vai agora se preocupar com futebol? Peça outra coisa. Não me misture religião, que é coisa séria, com tolices profanas.  
Ela parecia ofendida, como se eu tivesse cometido uma heresia. Expliquei que o futebol era uma espécie de religião, tinha templo, altar, crença, culto, sacerdotes – o Bellini tinha sido cardeal, quase papa - e um ritual que mobilizava mais devotos do que todas as igrejas juntas. Tinha até hino que falava em cruz:
Vamos todos cantar de coração, a Cruz de Malta é o meu pendão”.
Argumentei que o que estava em jogo era a felicidade do filho, dos netos dela. Não adiantou. Não rezou. O Vasco, em 1999, foi vice: perdeu pro Corinthians.
Graça especial
Agora, o que salvou o Vasco não foi só os pés do Eder Luis, o novo ídolo vascaíno. Foram dois netos da dona Elisa, meus sobrinhos, o Paulinho Kokai e o Pão Molhado, dois “canalhas”, que possuem, no entanto, duas grandes virtudes: são vascaínos e têm fé. O “Wet Bread”, como é conhecido em Miami, sempre reza, fazendo pedidos à sua avó, já falecida. Foi ele quem me ensinou o caminho das pedras:
- Tio, não adianta rezar pro Vasco ganhar, porque tem torcedor fervoroso do Coritiba que está pedindo a mesma coisa e isso complica a vida de Deus. Quem tem “co” na frente, como o Coritiba, tem medo. Mas o Vasco tem “co” atrás. A gente tem que pedir uma graça especial: rezar pro Vasco ser campeão. O resto é com Deus.
 - Como é que você pode ser campeão, perdendo? - elucubrei. Sim, porque com medo dos xerifes da língua, não mais “digo” ou “respondo”. Agora, sempre “elucubro”. Malandro, Pão Molhado também elucubrou que o segredo da reza é saber pedir. Exemplificou com sua paixão fulminante pela Graça, uma “careioca” do Careiro “um filezinho, tio”. O cafajeste confessou, lambendo os beiços:
 – Rezei pra vovó, pedi que ela obtivesse pra mim uma graça especial. Aí, ela intercedeu, mas como na reza falada, diferente da escrita, não aparece a letra, só o som, com ajuda da vovó acabei papando uma Graça especial com “G”  maiúsculo. A Graça deu pra mim a maior bola.
A esperteza do meu sobrinho, que driblou sua avó para chegar a Deus, consistiu então em pedir:
- Senhor, atendei as orações de todos os torcedores, inclusive do time adversário: que o Coritiba ganhe, mas concedei-me uma graça especial:que mesmo assim o Vasco seja campeão da Copa do Brasil”.
O mesmo pedido ecoou por todos os rincões do país. Ana Pereira, no Nordeste, Fofó no Rio, Pão Molhado no Careiro, Piriri e Mayara, em Manaus. Naqueles últimos quinze minutos finais, até o Felipe e o Diego Souza, que tinham acabado de sair para o banco de reservas, tapavam o rosto para não ver milhões de bolas do Coritiba fuzilando o Fernando Prass. A fé está em Fernando e nos dois Felipes. Eles também imploravam uma graça especial. Conseguimos o milagre. O Vasco perdeu, mas é o campeão.
Troca de time
No dia seguinte, quebrei um jejum de oito anos. Vesti a camisa número 10 do Vasco, um presente que o cacique Darcy, da aldeia Guarani de Camboinhas me deu, com autógrafos de vários índios guarani. Sai com meu cachorro. Os vascaínos que passavam motorizados me saudavam, os que iam a pé confraternizavam. Nós nos sentimos heróis como os bombeiros do Rio, torcedores do primeiro clube que lutou contra a discriminação, aceitando negros, mulatos e brancos pobres na sua equipe, numa época em que o futebol era esporte da elite.
Ninguém escolhe por quem torcer. Você é escolhido. Fui escolhido em 1947, ano em que nasci, quando o Vasco aplicou a maior goleada do futebol profissional no Brasil. Derrotou em São Januário o Canto do Rio por 14 a 1, com um timaço: Barbosa, Augusto e Rafanelli, Eli, Danilo e Jorge, Nestor, Maneca, Dimas, Ismael e Chico.
Como cantava Lamartine Babo, “tua imensa torcida é bem feliz / Norte e sul / norte e sul deste país / tua estrela, na terra a brilhar / ilumina o mar”. Lá em Manaus, qualquer vascaíno nos anos 1950 era capaz de cantar o hino e escalar o seu time, que logo se renovou com craques como Bellini, Pinga, Vavá e Sabará, todos eles jogadores do time de botão do Euclides Coelho de Souza, vice-campeão amazonense (até no botão, a maldição do “vice”).
O filósofo Paulinho Kokai elucubra que você pode trocar de mulher ou de marido, o jogador pode até trocar de time, em função do profissionalismo, mas na história mundial do futebol o único torcedor que virou casaca foi meu querido sobrinho Daniel, o Negão. Ele era Vasco e virou Flamengo: “Uma vez Flamengo, sempre Flamengo”? Torcer por um time já faz parte da identidade de cada um. Eu não torço pelo Vasco, eu SOU Vasco.
Ser Vasco não é escolha, é destino. Ninguém troca de time. Minto. No mundo só existe uma pessoa que muda cada quatro anos, é o eterno Secretário de Cultura do Amazonas, Robério Braga, o Berinho. Quando o novo governador entra no Palácio e chama o Berinho pra primeira audiência, pergunta dele:
- Berinho, que time é o teu?
Fiel, caninamente leal ao Poder, Berinho desenha sempre a mesma resposta:
- O mesmo que o seu, governador.
P.S. Uma leitora do município de Itacoatiara, Zeni Soares me escreve, “com muito pesar, dor e revolta” para dizer que a UEA cancelou o curso de Pedagogia – Licenciatura Cultural Indigena, excluindo os acadêmicos não indígenas. O novo reitor da UEA parece que está desmontando a obra construída pela Marilene Correa. Voltaremos ao assunto.

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23 Comentário(s)

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Rodrigo Martins Chagas comentou:
20/04/2019
Essa decisão foi uma das mais emocionantes que eu vi. Ao ler a parte sobre os minutos finais da decisão da Copa do Brasil (era uma das duas taças que faltavam na galeria do Vasco, agora só falta o troféu do Mundial de Clubes da FIFA kkkkk), me recordo que eu também estava sentado no chão aqui de casa, torcendo para a partida acabar e quando olhei para a televisão, me deparei com o Diego Souza e o Felipe no banco de reservas na mesma situação. Eu fiquei feliz não somente pela conquista, mas também por saber que naquele momento eu estava presenciando um título inédito na história centenária do clube. Um abraço querido professor!
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Eudimar Bandeira (Nêm) comentou:
17/08/2011
Ser Vasco, Garantido, Portela e Aparecida é demias, rsrsrs, o campeão voltou!
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José Amazonas Santiago Vieira comentou:
22/07/2011
Aos amigos vascaínos, apesar da puta dor de cotovelo, uma vez que esse time medíocre não merece ser homenageado com texto tão bonito. PS - vale deixar bem claro que continuo FLAMENGO até morrer. Por isso, canalhada, não venham querer tirar sarro. Puta perda de tempo.
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Luana comentou:
12/07/2011
Essa de saber fazer o pedido foi ótima. Realmente, o importante é que ele seja campeão. Como? Deus resolve!
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airton f. s. carvalho comentou:
06/07/2011
Só de lembrar me causa arrepios. Ser vascaino é tudo.... eu choro, eu brigo com a mulher, deixo até de comer, mas..... de te amar não (vasco).
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Airton comentou:
05/07/2011
Pão molhado! Reza para aumentar o salário dos professores do Estado.
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Fuxico comentou:
17/06/2011
Eu conheci um que, depois daquela final com gol do Peti, mudou pro Flamengo. E o cara já adulto. Quase não acreditei.
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André comentou:
14/06/2011
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Jandir Ipiranga Júnior comentou:
14/06/2011
Minha primeira camisa do Vasco tinha o Número 4, do Fontana. Ganhei em 1967. Dali em diante a paixão e a coleção de camisas só cresceu. Tem a do Roberto Dinamite, do Valdir, do Romário, do Juninho Pernambucano, Felipe e tantos outros. Professor, por quê esperou tanto empo para vestir a camisa do Vasco? Recentemente, em março/2011, o Vasco foi Campeão do 1o Mundialito de Beach Soccer e advinha, na semi abateu o framengo.
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Ana Silva comentou:
13/06/2011
Estava na hora do vasquinho desencantar!! Parabéns pelo titulo. Meu pai e meu irmão ficaram felizes e agradecem a homenagem ao Vascão deles!!
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João Barros Carlos comentou:
12/06/2011
O time de 2ª está igual a mãe do presidiário que ficou livre: feliz, mas morrendo de vergonha, que sofrimento!ganhou perdendo, dizem até que Deus desconhecia o reguLAMENTO, por isso deu zebra (11 anos). Haja fila. Cheiro de naftalina na quinta-feira. Coitado. Parabens!
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comentou:
12/06/2011
ANDRÉ, AGORA EU ESTOU PENSANDO NO FLAMEDO E NO VASCO.
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André Moraes (Blog QTMD) comentou:
12/06/2011
Flamenguista democrática é quase um pleonasmo...kkk... Mas rendo-me a sua publicação, é que se eu não der uma "espetadinha" não fico satisfeito e perde-se a graça. Dizem as más linguas que o Flamengo não ganhou a copa do Brasil porque foi de bonde, se tivesse ido de trem bala... Rs... Bom Final de semana, grande beijo! Vascooo!!!
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Gustavo Castañon (Blog QTMD) comentou:
12/06/2011
Hehehe, não precisa mais de provas disso, embora eu ache que no fundo você é vascaína.
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Ana Helena Tavares (blog QTMD) comentou:
12/06/2011
Amigos vascaínos André L. M. Moraes, Gabriella Mendes e Gustavo Castañon, publico este texto do amigo vascaíno José Bessa como prova cabal e definitiva de que sou uma FLAMENGUISTA DEMOCRÁTICA. E tenho dito. rs
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Carlos Barroso comentou:
12/06/2011
Aqui em Carauari a alegria não foi diferente, festa, passeata e foguetes. Valeu Pao Molhado
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vANIAAA comentou:
11/06/2011
Vânia, é o André. Queria saber se o fato do livro do Furtado ter sido escrito em 1959 desmerece a analise do Bessa em Rio Babel. Tbm quero saber se os livros q. vc disse trazem diferentes nos. de imigrantes, pois é sobre isso que trata aquela citação. Não sabia que era polemico o que falei, pensei que era lógico, apenas.
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VANIA NOVOA TA DROS comentou:
11/06/2011
MEU QUERIDO PÃOZINHO, MINHA AMADA D. ELISA JAMAIS GASTARIA REZAS COM FUTILIDADES. TINHA QUE REZAR PARA OS POBRES DO BAIRRO PAGAREM ÁGUA, LUZ IPTU E ELA CITAVA,NOMINAMENTE, O DEVEDOR. ESSA HISTÓRIA DE ROMPER COM A DISCRIMINAÇÃO É PORQUE ELES QUERIAM COLOCAR OS NGROS E OS MULATOS PARA TRABALHAREMARA ELES, DIVERTÍ-LOS A SALÁRIOS BAIXOS. E VIVA O FRAMENGO!!!!!!!!!! AGORA PODE VAI SER FRAXFRU
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Pão Molhado comentou:
11/06/2011
Vânia, minha avózinha, que foi sua colega de novena, só pode mesmo interceder por um clube que abriu suas portas para negros e mulatos, contra a discriminação.
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Mariane Del Carmen comentou:
11/06/2011
hahahahahahaha... Tudo bem, sou uma pessoa cheia de conflitos mesmo! E sou campeããããããã brasileira 2011! Êêêêêhhhh
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Aloisio Monteiro comentou:
11/06/2011
Qtos argumentos podemos criar para tentar encobrir aquilo q eh! E o q eh? O vasco eh o time do colonizador, e ponto!!!!!!!
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Mayara comentou:
11/06/2011
Tio, acendi todas as velas que a mamãe guarda pra quando faltar luz, recorri a São Longuinho, a Santa Rita dos Impossíveis e a Santa Etelvina (ou Itelvina?). Me aguarda aí que nós vamos na última rodada do Brasileiro ver o Vascão vencer os mulambos rsrsr. "Uh, vai pra cima, é o trem bala da colina".
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VANIA TADROS comentou:
11/06/2011
MAS, MAS SEO BABÁ TOME TENTO COMO É QUE VC VAI TORCER PELO TIME DO COLONIZADOR, QUE DECEPÇÃO! EU SOU FLAMENGO, SEMPRE FLAMENGO.
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