Ao Coordenador do Curso de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Antônio Natalino Manta Dantas
Saudações!
Escrevo essa carta, mas não repare os senões (inspirado na música do baiano Waldick Soriano), para dizer o que sinto sobre suas recentes declarações, que tanto repercutiram na mídia no dia 1º de maio:
- “Os baianos têm o QI muito baixo; a prova da pouca inteligência é que baiano só toca berimbau, um instrumento para quem tem poucos neurônios, pois só possui uma corda”.
O que fizeram os baianos e o berimbau – coitadinho! - para serem ofendidos dessa forma?
É que o Curso de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA) foi considerado um dos piores do Brasil no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE), o antigo ‘provão’, criado pelo Ministério da Educação (MEC) para avaliar o desempenho de calouros e formandos. E você, Antônio, que é o coordenador do curso, para fugir de suas responsabilidades, botou a culpa nos alunos e professores, chamando-os de burros e estendendo tal conceito a todos os baianos.
Ora, outros cursos também foram reprovados, como o de medicina da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Nem por isso seu coordenador saiu por ai dizendo que a culpa é dos caboquinhos amazonenses que são lesos porque comeram coquinho de pupunha, são devotos de Santa Etelvina e fritaram os neurônios no calor infernal de Manaus. Ao contrário. O presidente do CRM do Amazonas, José Bernardes, atribuiu a reprovação à falta de pessoal especializado, aos baixos salários, aos laboratórios defasados, aos equipamentos sucateados e à grade curricular obsoleta.
Era o que você tinha de falar, Antônio Natalino. Se não falou, foi porque isso revelaria a parte de responsabilidade que lhe cabe como coordenador do curso. Por isso, preferiu ofender os baianos. Onde, afinal, você nasceu? Intrigado, procurei seu currículo Lattes. Descobri, surpreso, que você é baiano, estudou o primário no Ginásio Auxiliadora, o segundo grau no Colégio Estadual da Bahia e a graduação e a especialização em Residência Médica em Cirurgia pela UFBA.
Ora, Antônio Natalino Manta, se todo baiano é burro, e você é baiano e estudou na Bahia, o que então, você é? Se você assume e torna público que é burro, logo o que você está dizendo é uma tremenda burrice. Ou seja, o ponto de partida de seu raciocínio é torto, sua premissa é furada, sua conclusão cai por terra. Há aqui o que a dialética chama de “retorsio argumenti”, o argumento que você usa, se volta contra você, que não pode generalizar sua situação para todos os baianos.
E depois, que autoridade tem você, Antônio Natalino Manta Dantas, para esculhambar o berimbau, um instrumento sagrado que comanda a roda de capoeira e dita o ritmo e o estilo de jogo? Você não pensou que é mais fácil tocar um instrumento de sete cordas do que tirar tantas variações de uma corda só, como faz o tocador de berimbau, com toques como Angola, São Bento Grande de Bimba, São Bento Pequeno, Iúna, Cavalaria, Santa Maria, Benguela e tantos outros?
Por acaso, Antônio, você já ouviu o toque genial de Naná Vasconcelos, apreciado no mundo inteiro? Conhece o mestre Bimba? Você é berimbaulogista? Estudou o assunto, pesquisou, publicou algum artigo sobre o tema? Procurei saber, no seu currículo Lattes, quais são suas credenciais que lhe conferem autoridade pra cagar regras sobre berimbau. O que encontrei foi uma carreira respeitável, mas em área distante da berimbaulogia.
Você, Antônio Natalino, não é um idiota qualquer. Obteve títulos de mestre, doutor e livre-docente em cirurgia clínica e é professor do curso de medicina da UFBA desde 1966, ou seja, tem grande responsabilidade na formação de médicos. Fez parte da Comissão da CAPES de Avaliação de Cursos Novos de Pós-Graduação e participou em 34 bancas de mestrado e doutorado e de concursos para admissão de novos professores.
As teses que você examinou, Antônio Natalino Manta, estudam o câncer do colo do útero, a disfunção neurológica da bexiga, a laparotomia infraumbilical, enfim mostram que você é meio chegado – digamos assim – aos temas relacionados aos ‘países baixos’, que nada tem a ver com o berimbau. Duas delas merecem destaque: a primeira, que você orientou, versa sobre ‘Aspectos Imunológicos da Torção Testicular – Trabalho Experimental em Ratos’. A segunda trata de um “Estudo Radiológico da Cúpula Vaginal após histerectomia total”.
Reconheço sua enorme competência nesse campo, porque castrar um homem ou um rato pode até ser relativamente fácil, mas fazer uma histerectomia vaginal total deve ser muito complicado. Desculpa a ignorância, Antônio Dantas, mas histerectomia não implica extirpar? Como é que se pode arrancar a xereca inteira de uma mulher? Deve ser muito difícil, né não? Você merece o prêmio Nobel da medicina.
Embora reconheça seu saber nesse campo, pergunto: francamente, o que a xereca arrancada e os culhões torcidos dos ratos (ai, mamãezinha, chega cruzei as pernas na hora de escrever isso) têm a ver com o berimbau? Será que você não está confundindo bilau com berimbau? O sogro do Magaldi comentou:
- Publica o currículo desse cara, sem comentários, porque já é uma piada.
Meu caro Antônio Natalino, confesso que me dá uma tristeza enorme ver um cirurgião tão competente em sua área falar tanta boçalidade com tanta arrogância – incompatível com a postura científica - sobre um tema que requer, apenas, bom senso. Como é que um cientista da sua estirpe pode ser uma presa tão fácil do preconceito? Essa é, talvez, a maior deficiência da formação profissional. Os cursos de medicina deviam ter, em seu currículo, uma carga mínima de antropologia, para formar médicos tecnicamente competentes, sim senhor, mas capazes de entender o outro, com cujo corpo vão lidar.
Um baiano genial, Tomzé, declarou sobre você: “Uma coisa como essa não se pode nem condenar. Não vamos dar a ele o prazer de xingá-lo”. Não sou xerife anti-racista, mas peço licença do Tomzé pra te xingar, Antônio Natalino Manta Dantas. Você é uma anta de galocha, aliás, quatro vezes anta, como seu nome indica. É anta macho em Antônio, anta como anagrama em Natalino, anta singular em Manta e, para que não haja dúvidas, é anta no plural em Dantas. Ou seja, é uma anta mais do que quadrúpede. Com todo respeito à anta, é claro.
Só me resta mesmo concluir com a música da minha infância, de Gordurinha e Luiz Wanderley, que todo Brasil cantou: “oi o pau que nasce torto não tem jeito morre torto, baiano burro garanto que nasce morto, o Rui Barbosa homem de sangue na guelra foi pra Inglaterra ensinar inglês. Salve a Bahia, ioiô, salve a Bahia, iaiá”.
P.S. – O governador Eduardo Braga (PMDB – vixe, vixe) alugou um jatinho de luxo por R$ 7,19 milhões ao ano, um valor três vezes maior do que o de mercado. O seu líder na Assembleia, Sinésio Campos (PT) discursou: “As pessoas vêem o valor, mas não avaliam a importância das viagens. Acho essa discussão muito pequena”. Pequeno é você, Sinésio, que está achincalhando o PT, cuja sigla está quase merecendo um “vixe, vixe”. Aliás, você é do seu tamanho. Na ausência de fiscalização do PT quem está faturando politicamente, com razão, é o Arthur Neto.