Entrei no consultório. A atendente perguntou qual era o meu plano de saúde, disse-lhe que não tinha plano, que não operava com essas porcarias. Ela registrou na ficha: “particular”. Depois, o médico me recebeu. Foi minucioso na consulta. Enquanto eu falava, ele ia anotando tudo. Começou querendo saber o que é que eu estava sentindo.
- Estou muito ansioso, tenso, excitado, com os nervos à flor da pele. Fico irritado com muita freqüência, me torno agressivo com as pessoas à minha volta. Isso se alterna com um sentimento de cansaço, de fadiga. Às vezes, uma tristeza repentina toma conta de mim, dá vontade de chorar, um choro fácil, sem motivo aparente. Aí, vem a desesperança, entro em profunda depressão. Que doença é essa, doutor? Ela tem cura?
O médico, mordiscando a tampa da caneta, perguntou se eu havia observado em que momento esses sintomas ficavam mais intensos. Refleti um pouco e disse que era na boca da noite, parecia até uma febre virótica. Ele pediu detalhes, expliquei que nessa hora, ao entardecer, eu costumava ler o Diário do Amazonas e ver o Jornal Nacional. Ai, ele indagou:
- Vamos por partes, diga a última vez em que você ficou irritado?
- Anote aí, doutor – eu disse, recitando 33 nomes equivalentes à escalação de três times de futebol: Naíde, Alfredo, Orlando, Lívia, Jorge, Nara, Marcos Vinícius, George, Zélia, Augusto, Tânia, Daniele, Derli, Marcos José, Frederico, Arabela, André, Lúcia, Luzia Aldenise, Surama, Leandro, Miriam, William, Ricardo, Marcelo, Estevão, Waldirene, Victor, Vinícius...
- O que é isso? – interrompeu o médico. Expliquei: eram 33 parentes de Belarmino Lins, codinome Belão (PMDB, vixe, vixe!), presidente da Assembléia Legislativa do Amazonas (ALEA). Entre eles, a mãe, de 80 anos, que mora no Ceará, dois filhos, um deles residente em São Paulo, a mulher, todos em cargos comissionados da ALEA, recebendo altos salários, sem trabalhar, no valor anual de R$ 1,2 milhão. Não estão incluídas aí as viagens de lazer. Só de passagens, em seis meses, foram R$ 138 mil gastos com a família do Belão, conhecido em Miami como Big Beautiful.
Tribulins e Alelins
A irritabilidade se transformou em dor de cabeça no dia seguinte, quando li a declaração debochada do Big Beautiful aos jornais:
- “Nunca escondi que eu tenho parentes em funções de confiança na Assembléia, porque não posso negar o que é verdadeiro. Isso é normal. Até que haja uma lei contra o nepotismo, não vou demiti-los”.
Indagado sobre como é que sua mãe, morando em Fortaleza, podia ser assessora de bancada, debochou:
- “Dando conselhos. Mãe é pra isso mesmo”.
Seu irmão, José, ex-presidente do Tribulins, fez o mesmo discurso em 1994 (Taquiprati, abril 1994).
Aí uma intensa fadiga se apoderou do meu corpo. Lembrei que desde 1994 estamos lutando inutilmente. Na época, os repórteres Sérgio Bartholo e Ivânia Vieira revelaram que na folha de pagamentos do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) figuravam 47 Lins de Albuquerque. Um deles, um menino, de 14 anos, ganhava os tubos como auditor. Os Lins eram os donos do TCM, que foi apelidado de Tribulins. Agora, a família, com igual voracidade, privatizou a Assembléia Legislativa, criando a Alelins.
- Mas como o cansaço cedeu lugar ao sentimento de desesperança? – insistiu o médico. Foi quando vi a impunidade triunfar com a reeleição de Belão para presidente da ALEA, pela terceira vez, apoiado por Eduardo Braga (PMDB, vixe, vixe). Dessa forma, o governador garante que nenhuma CPI investigará o pagamento de obras-fantasmas do Alto Solimões e as compras superfaturadas de terrenos, e que ninguém tocará em seu aliado e protegido, Adail Pinheiro, prefeito de Coari, acusado de bandidagem. Com Belão presidindo a Alelins, nada disso será investigado.
- E o choro sem motivo? – quis saber o médico. Gemi:
- “Foi ontem. Constatei que na vida real, da mesma forma que nas telenovelas, os desonestos sempre ganham. Depois do Tribulins, da Alelins, o próximo passo é a Amazonlins, eles vão privatizar o estado do Amazonas, vão tomar conta de tudo”.
Síndrome disfórica
Diante de meu estado de profunda depressão, antes de diagnosticar o médico fez uma última pergunta:
- “Quais foram os últimos fatos que te chocaram?”.
Contei-lhe que foi a comparação de duas notícias: uma local, revelando a morosidade da Justiça e outra nacional, evidenciando sua rapidez.
A local informava que o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) adiou pela quarta vez o julgamento do juiz Francisco de Assis Ataíde, acusado de soltar de maneira irregular 38 presos e de descumprir normas durante o plantão judicial da Semana da Pátria de 2006. A nacional mostrava como o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, de madrugada, havia concedido duas vezes hábeas corpus ao megabanqueiro Daniel Dantas, preso por determinação do juiz Fausto De Sanctis, após tentativa de subornar um agente da Polícia Federal.
- Doutor, não agüento mais os deboches e as mutretas do Belão, as tramóias do Adail, do Zé Mello Merenda e do Eduardo Braga, as trapaças do Daniel Dantas, do Naji Nahas e do Celso Pitta, as chicanas de seus advogados, os trololós jurídicos do ministro Gilmar Mendes que me provocam vergonha. Como é que um ministro do Supremo prefere acreditar no acusado de vários crimes e não em um colega seu, juiz, que faz parte do Poder Judiciário? Estou deprimido, estou adoecendo diante da promiscuidade entre banqueiros, juízes, políticos, advogados, todos eles engravatados, encasacados em paletós e colarinhos brancos, sacaneando o povo brasileiro.
Foi aí que o médico diagnosticou minha doença:
- Você está com uma síndrome disfórica, conhecida também com TPN, isto é, tensão pós-noticiário. É uma doença que está acometendo a população pobre do Brasil, uma verdadeira epidemia, provocando vontade de vomitar, estado de depressão, sensação de que o Brasil não tem mais jeito. No seu caso específico, seu estado foi agravado certamente pelo ministro Gilmar Mendes. Se fosse nos Estados Unidos, você poderia processá-lo por danos morais e materiais. Ganharia uma nota preta.
- O senhor me dá essa avaliação por escrito – pedi, antes de pagar a consulta. Ele respondeu sem hesitar:
- E no naji não vai nahas?
P.S. - O bairro de Aparecida está de luto. Depois de mais de vinte dias no hospital 28 de Agosto, morreu nesta quarta feira Manuel Camilo da Silva, o Petel, 71 anos, vítima de falência múltipla dos órgãos. Velado na quadra de esporte Marcolino Lopes, o enterro foi na quinta-feira no cemitério Parque Tarumã. Que descanse em paz.