CRÔNICAS

O xengo-xengo do Dudu: o compadre e a propina

Em: 28 de Setembro de 2008 Visualizações: 11104
O xengo-xengo do Dudu: o compadre e a propina

 

 “Rê, Rê, Rê, Renata / Dessa maneira, ingrata, você me mata

Você falou e disse / Depois disse que não disse”.

(Renata, mulher ingrata! – Marchinha Mário Adolfo, Simão Pessoa e Edu do Banjo) 

Exmo. Sr. Governador do Estado do Amazonas

Carlos Eduardo de Souza Braga

Saudações

Escrevo essa carta, mas não repare os senões, para protestar sinceramente contra a invasão da privacidade de V. Exa. Parece até obra-prima de Egberto Batista, o Podrão, especialista em contaminar a vida política com detalhes sórdidos, quase sempre inventados, da vida pessoal de candidatos. No passado, o presidente Lula (caso Lurian), e o prefeito Serafim Correa (caso Soraia), foram vítimas de tais atentados. Esse tipo de operação é nocivo à democracia, porque substitui o debate político pela fofoca maledicente, impedindo que os eleitores tomem consciência da realidade.
 
Creio, no entanto, senhor governador, que V. Exa., acabou contribuindo, lamentavelmente, para reforçar essa prática, talvez até sem querer, porque misturou duas questões absolutamente diferentes: sua vida privada mencionada num panfleto abjeto e sua vida pública destacada num vídeo sério. Para me explicar, peço ajuda a dois pensadores: o filósofo alemão Hegel (1770-1831) e o teórico paraense contemporâneo Aurino Quirino Gonçalves, mais conhecido como Pinduca, o Rei do Carimbó.
 
Cadê o compadre?
 
O panfleto, assinado por um tal Alexandre Fleming, está circulando na internet. Ataca a honra pessoal de políticos locais como o ministro Alfredo Nascimento, o presidente da Assembleia Belarmino Lins e vários candidatos a prefeito de Manaus. Recebi-o em minha caixa de correspondência e joguei-o na lixeira, que é o lugar apropriado pra essas porcarias. Meu foco incide sobre a vida pública, a privada não me interessa. (Aliás, minto. Me interessa sim, como curiosidade pessoal, afinal ninguém é de ferro e uma fofoquinha também tempera a vida, mas não como veneno seja nas relações pessoais, seja na luta política. Aí é sacanagem).  
 
Já o vídeo, de 21 minutos, é diferente. A sua autora não se esconde atrás de um nome falso ou do anonimato. Ela é sua comadre, Renata Barros, e denuncia V.Exa. e o próprio marido dela, como participantes de uma quadrilha que frauda licitações e superfatura o preço do combustível fornecido aos órgãos públicos do Estado, rachando o lucro do negócio ilícito entre os dois.
 
O vídeo foi entregue ao senador Arthur Virgilio, que o encaminhou ao Procurador-Geral da República, Antônio F. Souza. A denúncia não é mera briguinha de comadre. Trata-se de acusação muito grave, que deixou estarrecida a sociedade amazonense. O superfaturamento – segundo a comadre Renata – é feito pela empresa Parintins Participações Ltda, declarada à Receita Federal como propriedade de V. Exa., em parceria com a IBK Comércio e Serviços, do empresário Rosinei Costa Barros (o Nei), seu compadre, pai da filha da Renata. Malas de dinheiro teriam sido repassadas a V. Exa.  Local: o prédio Farol da Ponta Negra. 
 
Vários documentos são exibidos no vídeo, contando que o compadre Nei paga, mensalmente, R$ 30.000,00 para a filha de V.Exa., Brenda Braga, contratada para “elaborar estudos, levantamentos e diagnósticos”. Segundo a comadre Renata “o contrato é falso e mentiroso, os serviços nunca foram prestados”.  Com o vídeo, o senador Arthur Virgilio entregou ao procurador-geral um dossiê de 700 páginas contendo outras denúncias de corrupção. Se tais acusações forem verdadeiras, podem levar ao impeachement do governador ou até mesmo à intervenção do Governo Federal.
 
V. Exa. chama, então, a imprensa, mas no lugar de responder as acusações do vídeo, que contém denúncias sobre o homem público, contesta a lama do panfleto, que se refere à privada. Fala aos jornalistas que o denunciante anônimo “vai ter que provar que minha mulher fez cirurgia plástica e que minha filha fez o aborto”. Ora, para o debate político, não interessa a vida pessoal de sua filha, mas a legalidade e a moralidade do contrato de R$ 30.000,00 com o compadre Nei. Fico me perguntando: por que V. Exa. deu publicidade a esse lixo, submetendo a primeira dama e sua filha a tal constrangimento? Essa história está me lembrando os ovos de Hegel.
 
Os ovos de Hegel     
 
Hegel, o pai da dialética moderna, conta que uma velha fofoqueira, vendedora de ovos na feira de Stuttgart, discutiu com uma freguesa, que veio reclamar que os ovos comprados na semana anterior estavam todos podres. A velha olhou para a mulher, que estava bem vestida e lhe disse: - “Quem você pensa que é, sua perua desqualificada, para prejudicar meu negócio? Tua mãe fugiu com um soldado francês, teu pai era um corno manso e eu conheço os machos que te sustentam”.
 
O discurso da velha serviu para Hegel exemplificar as artimanhas de uma argumentação torta, que não está preocupada com a busca da verdade. Ele pergunta: afinal, o que é que a honra da moça tem a ver com os ovos podres? Não há qualquer relação de causalidade entre uma coisa e outra. O que a feirante tinha de provar era que os ovos não estavam estragados, eram frescos. Em vez disso, esculhamba a freguesa com o objetivo de intimidar e de esconder a verdade.
 
Suspeito, governador, que V. Exa., como a velha vendedora de ovos, está usando a tática que Hegel chama de `mutatio controversiae`, ou seja, desvia o foco do debate, levando-o ao campo da moralidade privada para, dessa forma, interromper a discussão sobre a moralidade pública. V. Exa. declara que não deu porrada na primeira dama – temos certeza que não deu, e que sua filha não fez aborto – temos certeza que não fez, mas o que isso tem a ver com o superfaturamento de combustível, obras fantasmas no Alto Solimões e em Parintins e gastos milionários com jatinhos?
É isso que V.Exa. tem obrigação de explicar à sociedade. É muito fácil argumentar contra um caluniador – o do panfleto – como V. Exa fez, angariando, nesse caso, a solidariedade de todos nós, que somos contrários à baixaria. O difícil é argumentar contra fatos documentados. Por que, de repente, V. Exa. dá tanta importância para o lixo do panfleto, no qual ninguém acredita, e cala diante das denúncias do vídeo, nas quais muita gente crê?  No primeiro caso, V. Exa. é a vítima. E no segundo, é o quê?
 
O silêncio de V. Exa. em relação às denúncias de corrupção feitas pelo senador da República, Arthur Virgilio Neto, lembra outro filósofo, o Pinduca, condecorado pelo então ministro da Cultura, Gilberto Gil, com a Ordem do Mérito Cultural. O Rei do Carimbó tem uma música, no ritmo acelerado do xengo-xengo (mistura de carimbó e forrobodó) cuja letra começa perguntando:
 
Comadre, cadê o compadre? Resposta: - Compadre foi passear. Advertência: - Cuidado, minha comadre, compadre foi furunfar. Esse meu compadre é de amargar, ele não furunfa em casa, furunfa em qualquer lugar.
 
Governador, a sociedade amazonense está lhe advertindo que V. Exa. está fazendo omelete com os ovos do Hegel. Todo mundo sabe – e tudo indica que os documentos comprovam - que o compadre Nei não foi passear, ele está furunfando no ritmo do xengo-xengo.

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1 Comentário(s)

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Ana comentou:
21/09/2014
Que bom saber que vocês de Manaus gostam do Arthur Virgílio Neto. Eu tinha essa dúvida. Já trabalhei numa Faculdade com o irmão dele, o muito querido, Ricardo Arthur. pessoa maravilhosa. E sempre carreguei essa dúvida que acaba de se transformar em certeza. Que bom!!!!
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