CRÔNICAS

Diz-que jacaré inaugura Taquiprati

Em: 26 de Agosto de 1991 Visualizações: 1487
Diz-que jacaré inaugura Taquiprati

"Vou te bater uma real / Vou dizer que sou o tal / Bater um papo no café / É papo de jacaré" (P.O.Box – Papo de Jacaré)

.Esta coluna publicada desde 1983, em Manaus, no jornal A Crítica, terá a partir de hoje o título fixo: Taqui pra ti. Em amazonês, taquiprati é um cotoco, um gesto que consiste em erguer o dedo do meio, abaixando o anelar e o indicador. Equivale à “banana”, quando você dobra um braço, fazendo um L, fecha a palma da mão virada pra cima, enquanto a outra agarra o músculo do braço dobrado com o antebraço levantado. É o que os franceses chamam de bras d'honneur.

O cotoco, usado às vezes de forma obscena e ofensiva, foi escolhido aqui com intenção de criticar o poder político e econômico com humor assumidamente corrosivo, debochado e irônico. Nossa sociedade provinciana, que sacramentou o puxa-saquismo e a bajulação como forma de “subir na vida”, encara a crítica como ofensa pessoal a seus dirigentes e não como tentativa de aperfeiçoar as instituições. Merece, portanto, um chute no pau-da-barraca. Mas uma aluna interpretou o título como oferta dadivosa: amiga (a), taqui pra você esse texto.

Caça ao jacaré

O tema da coluna de hoje, portanto, não poderia ser outro: o foco está centrado na “caça ao jacaré” promovida pelo governador Mestrinho e seus secretários. Três casos ocorridos em Nhamundá de ataques de jacarés a ribeirinhos foram hiper dimensionados, sendo este réptil declarado “inimigo número 1”, com um duplo objetivo: econômico e político:

1.Permitir e justificar a exportação do seu couro bastante valorizado, usado em tapetes, almofadas, cadeiras, poltronas e na confecção de bolsas e até de revestimento automobilístico;

2. Desviar a atenção de problemas graves nos campos da saúde e educação, que afligem a nossa sociedade.

No entanto, se o Governo do Estado quer mesmo exterminá-lo como apregoa sua tresloucada campanha na mídia, não precisa gastar bala, basta submeter toda a família “Alligatoridae” às condições sanitárias enfrentadas pelos humanos pobres do Amazonas. Os Médicos Sem Fronteiras, que iniciaram suas atividades no país para combater a epidemia de cólera, revelam a entrada recente do vibrião pela fronteira com o Peru, atingindo ribeirinhos e indígenas do Alto Solimões.

Supunhetemos que o telefone opere milagres. Em algumas capitais brasileiras, ele está sendo usado para enfrentar alguns “pepinos”. Quer ver só?

Os meninos de rua estão sendo exterminados em Recife por hordas fascistas? O bispo de Olinda e Recife, Dom Hélder, criou o “Disque Cidadania”, que atende denúncias de violência contra o menor.

A juventude paulista está desorientada no que diz respeito à sua sexualidade? A Telesp acaba de inaugurar o “Disque Orientação Sexual”, com 12 linhas telefônicas tirando dúvidas sobre transa, masturbação, aborto, aids e outras mumunhas.

O governador Orestes Quércia de São Paulo roubou? O seu colega governador do Paraná, Roberto Requião criou o “Disque Quércia”. Quem está roubando agora é o Requião? O Quércia inaugurou o “Disque Requião”.

Diz-que disque            

Humilhado porque o Amazonas não tem o seu “disque roubalheira”, um deputado estadual chegou a propor vários deles: o “Disque Amazonino”, o “Disque De Carli” e o “Disque Nosso Médico” do Luís Fernando Nicolau, mas acabou desistindo, porque houve um curto circuito na Telamazon com a sobrecarga de chamadas.

Foi então que o jacaré nos salvou, permitindo elevar o Amazonas à categoria de Estado desenvolvido.  Diz-que jacaré está decepando os braços da cabocada de Nhamundá? Então “Diz-que Jacaré”. O “diz-que” é uma contração de “disse que”, algo como “dizem, dizem, eu não sei” muito usado pelo colunista Flaviano Limongi. Seu uso instaura a dúvida.

O fato real é que o “Diz-que Jacaré”, entrou em funcionamento neste domingo, por decisão do governador do Estado, com várias linhas em três postos públicos rurais de saúde do município de Nhamundá, em vilarejos com santificados nomes indígenas: São Sebastião do Corocoró (fone 534.8141), Santa Maria de Mamuriacá (533.2964) e Cristo Rei de Cutipanã (533-2968). A Coordenação Central funciona no gabinete do prefeito Mário Paulain (5348110), o Capitão Gancho de igarapé. Seu objetivo é denunciar as agressões de jacarés.  

Você, leitor (a) já denunciou o seu jacaré hoje? Então, tente ligando para os telefones acima mencionados. Faça como a dona Rose Odina Penter de Benjamin Constant:

- Triiim, triiiim, tyriiim

- Diz-que Jacaré, Mário Paulain às suas ordens.

- Alô, Capitão Gancho? A gente pegou a fêmea do último jacaré que veio botar ovo na praia do rio Javarizinho. A jacaroa, que bebeu água bem embaixo das privadas dos flutuantes, bubuiou, vomitou, está com diarreia e vai morrer de cólera, porque aqui no município só temos um único médico para 13 mil habitantes.

Disque saúde

O telefone não parava de tocar, registrando o panorama sanitário do Amazonas. Chamadas de outros municípios do Alto Solimões davam conta de dramas idênticos em banheiros flutuantes com a contaminação da água dos rios e a falta de médicos: São Paulo de Olivença, Atalaia do Norte, Tabatinga, Santa Rita do Weil. O Capitão Gancho “vibrionou” e anotou em sua agenda: as privadas flutuantes constituem poderosa arma para exterminar o maior inimigo do Amazonas: o jacaré. De cólera. De raiva.

De Anori telefonaram informando que os últimos jacarés estavam morrendo de hepatite B. Em Iranduba, a malária acabou com os derradeiros sobreviventes. Em Coari, onde 23 postos de saúde estão fechados, jacaré está morrendo pelo rabo, não comido pela onça, mas com diarreia. Em Codajás não dá nem para aproveitar a pele do réptil para fazer bolsa ou sapato, porque eles estão morrendo de lepra. Em Manaus, na Cidade Nova, uma galera de jacarés denominada “Tua Mãe”, foi exterminada à bala pela Polícia, que desalojou os “sem água” de um lago.

Sabe aqueles telefones feitos de canecas de leite moça unidas por um barbante? Pois é, o Diz-que Jacaré faz uso dele para revelar os reais problemas de saúde do Amazonas escondidos pelo foco da lanterna, que não está dirigido aos olhos, mas ao rabo, impedindo a visão do problema, que não é o excesso de jacarés, como se apregoa, mas a falta de médicos e saneamento básico.

Leitora, pega o telefone e liga para o Arnaldo Russo, atual secretário de saúde do Amazonas:

- Alô, Russinho? Olha só, mano velho, deixa o Belfort ficar acendendo velas pra Santa Etelvina e inaugura um “Disque Saúde” de verdade para que as pessoas vejam – afinal você é oftalmologista – a tragédia da saúde pública no Amazonas. Vamos acabar com essa pouca vergonha de atacar jacarés indefesos.

NOTAS

Bifão

Collor, o Quinho, com aliança no dedo, desceu na sexta-feira a rampa do Palácio do Planalto com um grupo de crianças selecionadas entre os filhos dos burocratas puxa-sacos de Brasília. Depois, começou a fazer gracinhas diante das câmaras de TV com perguntas originais e inteligentes do tipo “de que cor era o cavalo branco de Napoleão?” Ou “De quem você gosta mais, da Xuxa ou da professora Helena da novela Carrossel?”. Se fosse a molecada de Pernambuco, ele receberia outras respostas.

O arquiteto e paisagista Burle Marx conta que um dia, passeando por Recife com o médico e indigenista Noel Nutels, encontraram uns meninos de rua. Depois de perguntar o nome e a idade de cada um deles, de fazer bilu-bilu e coisa e tal, Nutels engatilhou:

- De quem o neném gosta mais: da mamãe ou do papai?

- De bife. Com feijão – respondeu seco um dos meninos,

Jaraqui

Se as crianças que desceram a rampa com o Quinho pertencessem a uma das “galeras” de Manaus, entre mamãe e papai escolheriam um jaraqui frito.

Patinho feio

O escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, que encantou crianças do mundo inteiro com seus contos mágicos como o “Patinho Feio”, provavelmente gostava mais de bife do que de papai e mamãe. Ele teve uma infância miserável, como foi registrado na Exposição do Centro Cultural do Banco do Brasil, no Rio, que fica em cartaz até 8 de setembro. Textos e fotos mostram a biografia de Andersen e ilustrações de seus contos em cenário confeccionado com brinquedos da Lego, além de uma sala com palácios, castelos e mansões.

Os “patinhos feios” do Brasil, mesmo preferindo um bifão ou um jaraqui, merecem ter acesso à exposição com entrada gratuita.  

Mãe: uma só

Apesar da escassez de alimentos, a cotação de mamãe-papai anda em alta na bolsa de Moscou, onde as mulheres russas cercaram os tanques na Praça Vermelha com um cartaz:

- Soldados, não atirem nas mães.

Deu certo. Os soldados não atiraram, o que permitiu a volta do velho Gorbatchev com um mapa da América do Sul brilhando na sua careca. Se eu fosse soldado, aqui ó, que eu atirava na dona Elisa. Por que não? Para não acabar com a catequese e a pastoral da saúde na igreja de Aparecida. Eraste! Eu hein Rosa!

Ecos de Moscou

O poder de rebelião das massas se revelou em toda sua plenitude na semana passada, em Moscou, derrubando os golpistas, apesar do apoio que receberam aqui do João Amazonas (PCdoB). Mas o estouro da boiada ultrapassou os muros do Kremlin e ecoou por todo o Brasil, coincidindo com as demissões, no mesmo dia, do ministro da Educação Carlos Chiarelli, do técnico Falcão da Seleção Brasileira e do presidente da Petrobrás, Alfeu de Melo Valença, tendo de lambuja o anúncio da Quinha, Rosane Collor, de que deixa a presidência da LBA. Ela foi acusada de desvio de dinheiro e da compra superfaturada de leite. Sua chefe de gabinete, Eunícia Guimarães, envolvida no escândalo, também foi catapultada do cargo. Ela é aquela que comemorou o seu aniversário com requintes de princesa, numa festa ostensivamente luxuosa, em um país onde a cotação do bife anda mais alta do que papai-mamãe.

Baú velho

Ainda que tardiamente, pego uma carona de Carlos Zamith, de quem sou leitor assíduo, para me associar à bela homenagem que prestou na sua coluna Baú Velho ao saudoso Paulo Onety, artilheiro de futebol, que alegrou muito patinho feio nas tardes de domingo do Parque Amazonense.

P.S. - Ver também?

1. Jacaré me convidou pra dançar em Nhamundá: o catecismo do jacaré - https://www.taquiprati.com.br/cronica/625-jacare-me-convidou-pra-dancar-em-nhamunda

2. Guerra dos Jacarés: Euler Ribeiro e o brado retumbante - https://www.taquiprati.com.br/cronica/622-guerra-dos-jacares-euler-e-o-brado-retumbante

3. Diferenças culturais: Ok. Bebel das Tabocas? - https://www.taquiprati.com.br/cronica/619-diferencas-culturais-ok-bebel-das-tabocas-

 

 

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